domingo, dezembro 09, 2007

OM, eleição do bastonário


Debate eleitoral evidencia diferenças de estilo dos candidatos à presidência da Ordem dos Médicos.

Três ideias para o exercício do cargo de bastonário

No único debate público em que participaram os três candidatos à presidência da Ordem dos Médicos (OM), ficou visível que Carlos Silva Santos defende posições baseadas na evidência, Miguel Leão é apologista de uma atitude mais interventiva e Pedro Nunes aposta numa OM vigilante.
Unindo-os apenas o Benfica, os candidatos às eleições para bastonário da Ordem dos Médicos (OM) tentaram mostrar, no debate organizado pela Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, realizado a 4 de Dezembro, na Sala dos Actos Grandes desta faculdade, as diferenças que os separam.

Carlos Silva Santos, professor da Escola Nacional de Saúde Pública, quer trazer a visão «cientista social» para a OM. O candidato foi o primeiro a intervir e começou por afirmar que tem de haver uma «Ordem de propositura», pelo que defendeu a existência de «património de reflexão escrita». Isto porque a instituição «não pode ter medo de emitir opiniões sobre política de Saúde», o que torna necessário ter «propostas» e «reflexões».
E não perdeu tempo, ao «atacar» Pedro Nunes, dizendo que esta área tem sido um «grande falhanço da Ordem». Aliás, insistiu nas críticas que têm sido feitas ao actual bastonário e acusou-o de ter uma «atitude passiva e responsiva», em relação à «agenda ministerial». Mais: o candidato afirmou que a direcção da Ordem tem tido «pouca efectividade na sua actividade».

Bastonário é um «porta-voz»

Miguel Leão, o segundo candidato a ter a palavra no debate, esclareceu, desde logo, qual a sua ideia do perfil de um bastonário: «Não tenho uma noção presidencialista da Ordem dos Médicos.» E acrescentou que vê a figura de bastonário como «um porta-voz que age democraticamente, que não é dono da Ordem».
Defensor de uma posição mais interventiva da OM e do seu bastonário, o neurologista pediátrico sublinhou que o «desafio da mudança» passa pela «coesão, determinação, unidade e capacidade de antecipação». E foi pela questão da unidade que Miguel Leão criticou o actual bastonário, ao afirmar ser importante que «o Fórum Médico não seja um pretexto para falsas manifestações de unidade» e que «o presidente da Ordem não ataque a associação dos médicos de Clínica Geral e, se for caso disso, apoie uma greve médica sem vergonha».
Não obstante, garantiu que «nem tudo» o separa dos outros candidatos e fez questão de dizer que «comunga» das estratégias apontadas por Carlos Silva Santos.

«Desacordo profundo»

Depois de ouvir os seus adversários, Pedro Nunes procurou defender a ideia de uma OM com atitude de vigilância. O actual bastonário manifestou o seu «desacordo profundo», que é «claramente mais notório com o dr. Miguel Leão», sobre o que deve ser a «postura da Ordem».
Na sua opinião, a OM tem de «vigiar permanentemente a política de Saúde». Mas não cumpre à Ordem mudar as decisões políticas e, sim, dar a «perspectiva de quais resultados» terão na prática. Da mesma forma, e respondendo a Miguel Leão, o bastonário frisou que «os sindicatos não precisam que a Ordem venha tutelar a greve», mas alertar para as suas consequências.
Pedro Nunes defendeu, então, que a OM tem de ser «independente dos partidos políticos» e actuar «sem qualquer estado de alma». Além disso, o candidato afirmou que a instituição deve estar sempre «identificada com os cidadãos» e atender à «protecção da saúde dos portugueses».

Numa espécie de «contraditório» que se seguiu às intervenções iniciais, Carlos Silva Santos relançou a questão da necessidade de alterar os Estatutos da Ordem, afirmando que o pluralismo é uma «condição de participação». Este é, aliás, um aspecto que parece reunir consenso entre os três candidatos. Para Miguel Leão, contudo, a participação proporcional nos «órgãos fiscalizadores das contas e órgãos disciplinares» não é «totalmente pacífica». Mas afirmou estar disponível para um debate com os médicos e que não seja «secreto». Por seu lado, Pedro Nunes lembrou que esse debate «depende dos deputados» e que, apesar de o ter solicitado à Assembleia da República, a resposta foi negativa, pelo facto de estarem a elaborar um regulamento para as ordens profissionais.

Todos contra a ERS

Na fase de debate aberto à assistência, a maioria dos temas lançados evidenciou a consonância dos candidatos em matérias diversas. A ERS foi um dos temas recorrentes, sendo motivo de várias trocas de acusações entre Pedro Nunes e Miguel Leão. Depois de este ter aflorado o assunto na intervenção inicial e de Pedro Nunes ter dito que todos estão contra a «intrusão» daquela entidade, mas que «uns não querem relações com a ERS» enquanto outros «insistem e intervêm» junto desta, o assunto foi relançado por João de Deus, dirigente do Conselho Regional do Sul (CRS) e apoiante de Pedro Nunes, que, dirigindo-se a Miguel Leão, questionou se este não havia proposto que a ERS «deveria taxar todos os médicos». A resposta de Miguel Leão foi enérgica: «É completamente falso.» E acrescentou que também não foi ele quem subscreveu «um processo de alargamento de competências da ERS». Pedro Nunes contrapôs, salientado que a OM, juntamente com as outras três ordens profissionais da Saúde, tem em curso uma petição na Assembleia da República contra a ERS.
Carlos Silva Santos manteve-se à margem desta discussão, mas não se coibiu de dizer que «a ERS é um aborto técnico». Na sua opinião, se a regulação técnica cabe à OM, em relação à parte administrativa a existência da ERS «traduz uma incompetência clara da Direcção-Geral da Saúde».

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi outro dos temas lançados a debate. Jaime Mendes, candidato ao CRS e apoiante de Carlos Silva Santos, perguntou aos três candidatos a bastonário que SNS defendem. E ao que parece até há consenso, já que todos defendem um SNS público. Pedro Nunes despiu a pele de bastonário e afirmou que pessoalmente «discorda do modelo» dos hospitais-empresa, embora admita que o sistema público de Saúde possa ser «complementado» com o sector privado. Mais radical é Miguel Leão, que afirmou que «a OM deve opor-se à concessão de serviços a entidades terceiras». Por seu turno, e revelando uma vez mais a sua veia académica, Carlos Silva Santos alegou que é preciso verificar quais são os «méritos» do SNS. Isto porque o sistema de Saúde «não é só para fazer actos médicos», e sim para obter «ganhos em saúde».

Algumas questões da audiência

Carlos Pereira Alves (cirurgião)Quais são as vossas propostas para as carreiras médicas?
Carlos Silva Santos
— Esta é, sem dúvida, uma necessidade premente. Tenho lançado a ideia de que é preciso um novo movimento de carreiras médicas; as carreiras como estão, estáticas, não são defensáveis. Temos de valorizar a avaliação do desempenho ao longo da vida e naturalmente que essa valorização tem de ter uma componente salarial.
Miguel Leão — Estou de acordo com a existência de uma carreira médica universal, que favoreça a administração técnica dos médicos, o desenvolvimento profissional contínuo, garanta a formação dos médicos internos e que obviamente seja feita em concertação com os dois sindicatos. Só lamento que tenham sido perdidos três anos, desde que começaram os contratos individuais de trabalho.
Pedro Nunes — Plasmadas na lei, as carreiras só passaram a estar a partir do decreto-lei 73/90 e tinham uma dupla componente, de desenvolvimento profissional ao longo da vida, e de carreira pública. E foram discutidas, não pela Ordem, mas pelos sindicatos, com a ministra Leonor Beleza, e à custa de greves. Fiz parte da comissão negociadora do Sindicato Independente dos Médicos nessa altura, portanto sei que as carreiras têm esta componente sindical, que é inultrapassável. E por isso, ao longo destes três anos, a OM teve de respeitar os timings dos sindicatos; neste momento há uma posição comum, à OM e aos dois sindicatos, para que haja um regime de carreiras transversal ao público e ao privado.

Rudolfo Montemor (interno do ano comum)Nos últimos anos tem havido inúmeros atropelos e irregularidades nos concursos de acesso ao internato. O que pensam deste processo e, se forem bastonários, que acções concretas propõem?
Carlos Silva Santos — O Ministério da Saúde [MS] tem gerido esta matéria como se se tratasse de uma quinta privada e de forma irresponsável; não estão definidos os objectivos e trabalham como se fossem gestores de régua e esquadro. Como bastonário, exigiria que a Ordem fosse parte integrante na gestão destes processos, para que não houvesse todos os anos os mesmos problemas e o MS não revelasse esta total insensibilidade quanto ao futuro dos jovens.
Miguel Leão — A gestão dos internatos tem sido uma desgraça, mas não atribuo a responsabilidade por isso à direcção da Ordem. Devo dizer que o actual regulamento dos internatos, com todos os defeitos que possa ter, foi a única conquista positiva da actual direcção da Ordem.
Pedro Nunes — Esta direcção da Ordem conseguiu para a OM, em diploma legal, todo o controlo da formação médica, nomeadamente no que diz respeito à identificação das idoneidades, programas, nomeação de júris e realização de exames, e sempre com respeito pelos direitos dos internos. A OM fez tudo isto com os representantes dos internos presentes em todas as reuniões com o MS. Mas houve uma coisa que Ordem não conseguiu: o MS usou como argumento definitivo que a gestão dos recursos humanos era com ele. Claro que a tutela tem manifestado incompetência para o fazer, mas nós temos criticado isso, interna e publicamente, quando não conseguimos de outra forma.

A OM e os sindicatos

A relação entre a OM e os sindicatos foi outro dos assuntos que voltaram a ser discutidos. Desta vez, foi Eduardo Santana, membro do Conselho Regional do Sul, que questionou qual deve ser o «critério de dependência ou independência» entre estas entidades. Sobre este ponto, Carlos Silva Santos, a quem foi dirigida a pergunta, afirmou que «não é possível separar o mundo». E esclareceu que a sua posição em relação à recente greve dos médicos «não foi de apoio, mas de solidariedade». Miguel Leão disse apenas que isso está «dependente da greve e das circunstâncias», enquanto Pedro Nunes reafirmou que não admite ser «paternalista para com os sindicatos», até porque foi fundador de um deles.

As listas e as suas «cores»

A lista «coesa» e o «projecto nacional» várias vezes referido por Miguel Leão em relação à sua candidatura não foram aspectos bem recebidos pelos seus adversários. Depois de lembrar a Miguel Leão que este «participa num processo de desunião» na OM, Carlos Silva Santos questionou as vantagens de «listas coesas monocolores» e perguntou se há solução para o caso de aquele candidato ter de ser «bastonário pluricolor».
Em resposta, o neurologista pediátrico reafirmou que se trata de um «projecto nacional» e que isso «não viola os Estatutos da Ordem». Já Pedro Nunes apontou que este é mais um ponto em que discorda de Miguel Leão, uma vez que «não é viável a existência de listas monocolores». Na sua opinião, o bastonário tem de ser alguém que está, desde logo, «disponível para aceitar o veredicto dos colegas». E acrescentou ainda que este tipo de listas «não existe, nem mesmo na candidatura do dr. Miguel Leão».
De salientar que, depois de Pedro Nunes reclamar a independência do poder político em relação à OM, Miguel Leão sublinhou que a filiação partidária «não é crime» e reafirmou que está inscrito no seu currículo que é militante do PSD.

A eterna abstenção?

Instados pelo moderador do debate, José Manuel Antunes, a comentar o interesse e a participação dos médicos nas eleições de 12 de Dezembro, Carlos Silva Santos mostrou-se confiante no interesse dos médicos, Miguel Leão é de opinião que vai ser tudo igual nestas eleições e Pedro Nunes apontou dados curiosos, relativos à votação por correspondência chegada até àquele momento -- que a «votação diminuiu na zona Sul» e é «francamente» maior no Norte e Centro. Mas, na sua opinião, isto «vale o que vale».
TM ELEIÇÕES, 10.12.07

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