Relatório TC, resposta de CC
Intervenção do Ministro da Saúde, na Comissão Parlamentar de Saúde, sobre relatório do Tribunal de Contas – 28.11.2007.
1. O Relatório n.º 01/07 – ASE FSNS-06, do Tribunal de Contas (RTC), relativo ao ano de 2006, por comparação com 2005, tinha seis objectivos:
1.º - Enquadramento macroeconómico da evolução da despesa no sector da Saúde;
2.º - Caracterização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no período em análise;
3.º - Avaliação do reporte da situação económico-financeira do SNS consolidada;
4.º - Análise da situação económico-financeira do SNS por grupos de entidades;
5.º - Apuramento do endividamento gerado no SNS através do valor global da dívida acumulada pelos subsectores SPA (Sector Público Administrativo) e SEE (Sector Empresarial do Estado), sob a forma de dívida administrativa e dívida financeira;
6.º - Análise do tratamento dos compromissos assumidos pelas entidades que integram o SNS.
2. O RTC, in extenso, cumpre a análise dos seis objectivos. Todavia, nas conclusões que antecedem o relatório circunstanciado, apenas aborda quatro, abandonando o enquadramento macroeconómico (objectivo 1.º) e a caracterização do SNS nesse período de dois anos (objectivo 2.º).
No que respeita às recomendações ao Governo, à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e à relação entre a ACSS e a Direcção-Geral do Orçamento, dedica apenas uma página com cinco recomendações:
a) Ao Governo, reitera a recomendação anterior de aprovação de normas de consolidação de contas do sector da Saúde como factor de transparência e rigor no reporte da situação económica, financeira e patrimonial do SNS, incluindo os hospitais do SEE;
1. O Relatório n.º 01/07 – ASE FSNS-06, do Tribunal de Contas (RTC), relativo ao ano de 2006, por comparação com 2005, tinha seis objectivos:
1.º - Enquadramento macroeconómico da evolução da despesa no sector da Saúde;
2.º - Caracterização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no período em análise;
3.º - Avaliação do reporte da situação económico-financeira do SNS consolidada;
4.º - Análise da situação económico-financeira do SNS por grupos de entidades;
5.º - Apuramento do endividamento gerado no SNS através do valor global da dívida acumulada pelos subsectores SPA (Sector Público Administrativo) e SEE (Sector Empresarial do Estado), sob a forma de dívida administrativa e dívida financeira;
6.º - Análise do tratamento dos compromissos assumidos pelas entidades que integram o SNS.
2. O RTC, in extenso, cumpre a análise dos seis objectivos. Todavia, nas conclusões que antecedem o relatório circunstanciado, apenas aborda quatro, abandonando o enquadramento macroeconómico (objectivo 1.º) e a caracterização do SNS nesse período de dois anos (objectivo 2.º).
No que respeita às recomendações ao Governo, à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e à relação entre a ACSS e a Direcção-Geral do Orçamento, dedica apenas uma página com cinco recomendações:
a) Ao Governo, reitera a recomendação anterior de aprovação de normas de consolidação de contas do sector da Saúde como factor de transparência e rigor no reporte da situação económica, financeira e patrimonial do SNS, incluindo os hospitais do SEE;
b) À ACSS, IP formula três recomendações:
b1 – Instituir procedimentos de controlo que assegurem informação fidedigna na situação financeira, nos fluxos financeiros e no balanço;
b2 – Corrigir rotinas informáticas;
b3 – Suprir falhas de controlo relativas ao universo SEE;
c) Ao conjunto da ACSS e DGO, recomenda interfaces que permitam a integração da informação orçamental e financeira entre hospitais EPE e SPA, controlando, em especial, o endividamento dos primeiros, no sentido de acautelar necessidades de financiamento futuro.
Será este um relatório “arrasador”?
3. O Governo concorda com estas recomendações e desde que teve conhecimento do RTC manifestou o propósito de as cumprir, apesar das dificuldades que a mutação do objecto de análise – passagem progressiva de hospitais SPA a EPE – sempre provocam. Na verdade, tem vindo a ser desenvolvido pela ACSS trabalho para consolidar as contas dos dois sectores SPA e SEE, para ampliar procedimentos de controlo, encurtando significativamente os prazos entre a execução orçamental e os primeiros e sucessivos reportes posteriores, para modernizar rotinas informáticas e para articular de forma íntima a ACSS com a DGO. A este respeito, o trabalho do Controlador Financeiro do Ministério, nomeado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde, tem sido uma peça de muita importância. Todavia, o Governo reconhece, nestes 31 meses de actividade, ter centrado as suas preocupações no controlo da despesa, o que conseguiu com êxito reconhecido no RTC. Se, em relação ao SPA, o modelo tradicional de prestação de contas cumpre a recomendação do RTC, o Governo não tem razões para recear, nem reconhece falta de transparência e de rigor no actual sistema de reporte da situação económica, financeira e patrimonial dos hospitais EPE. Bem pelo contrário. Estes hospitais estão hoje sujeitos a escrutínios sucessivos de crescente rigor: a auditoria interna, o reporte para a ACSS, no mês seguinte à execução dos movimentos económicos, financeiros e patrimoniais, a revisão obrigatória das contas por um revisor oficial de contas (ROC), a apreciação das contas pela Inspecção-Geral de Finanças e, finalmente, a sua aprovação conjunta pelos Ministros das Finanças e da Saúde. Todavia, é muito discutível a utilidade de agregar informação dos dois universos hospitalares, de estatutos diferentes. Se tal agregação fosse considerada a conta oficial do SNS, para efeito do reporte dos défices excessivos, criar-nos-ia enormes problemas, sem qualquer utilidade. Com o devido respeito, aqui não nos parece que tenha razão o Tribunal de Contas.
4. A circunstância de as recomendações do RTC terem sido centradas sobre a consolidação das contas, não impediu o Tribunal de ter analisado o enquadramento macroeconómico e a caracterização da evolução do SNS, afinal os seus dois primeiros objectivos. E, assim, podem constatar-se no RTC, a este respeito, profundas alterações ocorridas em 2006, na primeira gestão orçamental completa do actual governo:
4.1. Pela primeira vez, na história do SNS, este não sofreu de suborçamentação crónica. A dotação para 2006 (7.636,6 milhões de euros) foi quase a mesma de 2005 (7.634,0 milhões de euros) - Quadro n.º 3 -, mas a de 2005 havia sido reforçada, já com este Governo, em 1.851,8 milhões de euros para suprir um inaceitável buraco orçamental.
4.2. Pela primeira vez em muitos anos, foi possível controlar os gastos de saúde no ambulatório, quer as comparticipações em medicamentos vendidos nas farmácias, em -1,8%, quer em meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) em apenas +3,6%, o que junto representa 26,5% da despesa do exercício.
4.3. Pela primeira vez foi possível controlar a despesa do SPA em produtos farmacêuticos de consumo hospitalar e material de consumo clínico (cerca de 7,3% da despesa total), num valor de +3,3%.
4.4. Pela primeira vez foi possível limitar a despesa em pessoal do SPA, a qual representa 25,6% do total da despesa de exercício, num valor de +2,9%.
4.5. Estas três parcelas reunidas (Quadro n.º 5 do RTC), representando 59,4% da despesa total em 2006, tiveram, assim, um crescimento agregado de apenas +1,5%, o que só foi possível com rigorosa gestão orçamental.
5. O relatório, ao analisar a situação económico-financeira consolidada, reconhece que a despesa total em universos comparáveis cresceu apenas 2% e a receita 3%, sendo o saldo do exercício positivo em ambos os anos em análise. Reconhece que o saldo de anos anteriores, apesar de continuar negativo, melhora em 16%, com um desagravamento de 29,3%. Ora, a diferença entre os saldos refere-se à comparação entre universo real e universo comparável, em 2005. O saldo não se agrava. A conta do SNS é sempre a mesma, está consolidada, é imune a esta questão, reflectindo em cada ano o universo real. São, pois, apressadas, quaisquer leituras da Conclusão 2.1 do Relatório do Tribunal de Contas (p. 9, § 5), como podendo ter sido reduzido em 2005 o saldo financeiro do SNS. O Tribunal não errou, mas a fórmula adoptada na sua conclusão conduz a alguma ambiguidade interpretativa.
6. O relatório, quando analisa a situação económico-financeira do SNS, agregada, adicionando hospitais SPA e EPE, psiquiátricos, administrações regionais de saúde (ARS) e outros serviços autónomos (Quadro n.º 6), observa um agravamento dos resultados operacionais e dos resultados líquidos. Tem razão o Tribunal. E fez bem em analisar, ele próprio, todos os relatórios de gestão dos hospitais EPE, pois logo aí encontrou justificação de diferenças: redução do valor das verbas de convergência para 2006 e aumento de custos em pessoal, provenientes da subida de 10 para 13% do desconto para a Caixa Geral de Aposentações, do crescimento de encargos sociais no pessoal em regime de contrato individual de trabalho (CIT), na especialização dos encargos com férias, pois os novos EPE passaram a prover em 2006 parte dos encargos com o subsídio de férias a atribuir em 2007, bem como os incentivos ao pessoal em CIT.
7. Ao comentar os resultados operacionais, o RTC reconhece a importância da transferência de grandes hospitais do SPA para o SEE, os quais passaram a ser mais bem geridos. Só isso permitiu conter os custos operacionais com pessoal em 3%, reduzir em 1,4% os fornecimentos e serviços externos e conter em 3,4% o consumo de produtos farmacêuticos e de material de consumo clínico (p. 23).
8. Também o RTC reconhece aumento nos ganhos e proveitos financeiros e redução visível de custos e perdas financeiras, esta decorrente da não necessidade de recurso ao crédito bancário, para pagar às farmácias de venda a público (p. 24), como sucedia nos anos anteriores.
9. Entremos agora no 5.º objectivo do RTC, o do apuramento do endividamento gerado no âmbito do SNS com a dívida acumulada dos dois subsectores (SPA e SEE). O relatório segue uma metodologia de cálculo da dívida total das entidades do SNS, agregando um conjunto de contas do balanço das instituições (contas devedoras de terceiros da 21 à 26). Entre essas contas encontram-se, por exemplo, os adiantamentos ao contrato programa (conta 219) e as retenções de impostos (conta 24). Estas rubricas não são incorporadas no acompanhamento mensal do endividamento das instituições do SNS feito pela ACSS, que centra essa monitorização nas contas devedoras relativas a fornecedores externos (contas 22 e 26), gerando-se assim uma diferença nas duas aproximações. Ambas são justificáveis e racionais e, portanto, a diferença obtida é expectável, conhecida, resultando da diversa metodologia, não pondo em causa a fiabilidade de informação. Contudo, penso ser aceitável que, em termos de gestão financeira do SNS, não seja atribuída idêntica importância às dívidas a fornecedores externos em relação às derivadas das retenções de impostos[1] e adiantamentos aos contratos programa[2], tratando-se estas de questões apenas de desfasamento temporal e consequência de relações internas ao Estado, em sentido lato. Deixem também que diga que, em qualquer caso, em termos técnicos, sempre haveria aqui matéria que, em função do universo considerado, mereceria atenção, ou seja, anulação de fluxos e reconsideração dos stocks.
Alguns hospitais EPE necessitam de ter o seu capital estatutário recalculado e, eventualmente, reforçado. Alguns até, infelizmente, ainda não tiveram as melhoras esperadas. Mas a grande maioria, já em 2006 e em 2007, melhorou consideravelmente o seu desempenho. Qual a evidência que o Governo apresenta? Toda a evidência é transparente e está disponível no portal da ACSS e no Portal da Saúde. Estão publicadas as contas do 1.º semestre de todos os hospitais EPE. Contas provisórias? Certamente. Ainda passíveis de revisão e de consolidação? Certamente, como sempre temos demonstrado em sucessivas apresentações perante esta Comissão.
10. Entremos agora no 6.º objectivo do RTC: a análise do tratamento dos compromissos assumidos pelas entidades que integram o SNS. Deve desde já declarar-se que não estamos no universo SEE, mas apenas no SPA. Que nos diz o TC? Que comparando a informação produzida pela Direcção-Geral do Orçamento com a da ACSS existem discrepâncias entre registos de compromissos e despesa paga. É o próprio Tribunal que adianta a explicação: aplicações informáticas em uso na relação entre ACSS e DGO não se encontrarem estabilizadas, não permitindo integração completa das diferentes fases do ciclo da despesa. Já quanto ao SEE, dispensado que está da utilização das contas de controlo orçamental e de ordem, não o está dos mapas de controlo dos orçamentos de compras, de investimentos e custos e perdas e de proveitos e ganhos. Apenas seis hospitais EPE lograram, até à data, enviar os mapas referidos à ACSS e outros dez remeteram-nos com informação incompleta. Certamente tem razão o Tribunal de Contas. Por muito preciosistas que possam parecer estes registos, a lei prevê-os e a lei deve ser cumprida.
11. A razão fundamental das diferenças alegadas pelo Tribunal de Contas em relação à contabilidade do SNS não é uma razão de fundo, é uma questão de forma, mas essencial. O Tribunal entende que a conta do SNS deve reflectir, não só o universo SPA, mas também, com igual detalhe, o universo EPE. O que é impossível, pela simples natureza das coisas: os hospitais EPE pertencem ao Sector Empresarial do Estado, são financiados por contratualização e só as transferências que para ele faz o SNS devem ser registadas. Da mesma forma, nem o Instituto da Droga e da Toxicodependência, IP (IDT) nem o Instituto Nacional de Emergência Médica, IP (INEM) devem figurar na conta do SNS. Figuram na conta do Ministério, mas não do SNS. Explicações bem simples: o IDT só agora entrou no Ministério da Saúde e pode dele ser destacado a todo o tempo. O INEM é uma instituição com receita própria e intervenção específica, com características que recomendam a sua contabilidade fora do universo SNS. O Tribunal tentou, à sua maneira, adicionar receita e despesa, o que fez de forma incompleta, gerando diferenças. Ora, todas essas diferenças são explicáveis e estão explicadas. Deveremos então resignar-nos a que o detalhe da análise dos hospitais EPE se reduza a uma linha? Não, certamente, daí que publiquemos com todo o detalhe a informação que a eles respeita. E que a submetamos a uma série de escrutínios exigentes, como já foi referido.
12. Estamos, assim, bem longe da linguagem impressionista dos restantes partidos do arco parlamentar ao requererem esta audição. “O Ministério da Saúde perdeu a última bandeira de alguma recuperação financeira” e as alterações na estrutura do SNS serviram para “esconder dívidas acumuladas e défices, o que é bastante grave”, declarou o Sr. Deputado Bernardino Soares, do PCP. O Bloco de Esquerda, pela voz do Sr. Deputado João Semedo, considerou que “continua o sub-financiamento crónico e o défice não pára de aumentar”, declarando que o Tribunal “arrasa as contas divulgadas pelo Governo”. O PSD, pela voz da Sr.ª Deputada Ana Manso, retoma a alegoria sísmica, falando em “derrocada da credibilidade das contas públicas do SNS” e, qual Marquês de Pombal do século XXI, propõe, de imediato, uma audição “muito urgente” para “apuramento da verdadeira extensão dos danos”. O CDS, mais contido na linguagem da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, apesar de estar em causa o ano de 2006, considera que “após dois anos e meio de promessas de consolidação orçamental, o sector da Saúde continua numa lógica muitíssimo deficitária”.
Como se vê e verá, são prematuras as notícias sobre o sismo. E infundadas. Admitimos que, sem uma leitura reflectida do relatório, tenham preferido a linguagem impressionista dos comentadores. De um cisco no olho fizeram, não um palito, mas um argueiro. À míngua de razões substantivas, agarraram, com indisfarçável gula, as expressões críticas de um relatório, ignorando os irrefutáveis e numerosos dados positivos.
Cá estamos a responder. E estaremos sempre a varrer a nossa testada com a modéstia da verdade e a humildade de quem aceita outras formas, ainda que discordantes, de ler a mesma realidade. Varrer a testada é o melhor serviço que agora prestamos aos cidadãos. E varrê-la-emos tantas vezes quantas no-la poluírem. Aqui, a paciência não tem limites.
[1] Retenções de impostos traduzem os montantes retidos aos funcionários e que serão entregues ao Ministério das Finanças em data posterior por imperativo legal.
[2] Adiantamentos ao contrato programa são montantes recebidos pelas entidades (Hospitais EPE) e ainda não facturados à ACSS.
Comissão Parlamentar de Saúde, Assembleia da República, Lisboa - 28 de Novembro de 2007
b1 – Instituir procedimentos de controlo que assegurem informação fidedigna na situação financeira, nos fluxos financeiros e no balanço;
b2 – Corrigir rotinas informáticas;
b3 – Suprir falhas de controlo relativas ao universo SEE;
c) Ao conjunto da ACSS e DGO, recomenda interfaces que permitam a integração da informação orçamental e financeira entre hospitais EPE e SPA, controlando, em especial, o endividamento dos primeiros, no sentido de acautelar necessidades de financiamento futuro.
Será este um relatório “arrasador”?
3. O Governo concorda com estas recomendações e desde que teve conhecimento do RTC manifestou o propósito de as cumprir, apesar das dificuldades que a mutação do objecto de análise – passagem progressiva de hospitais SPA a EPE – sempre provocam. Na verdade, tem vindo a ser desenvolvido pela ACSS trabalho para consolidar as contas dos dois sectores SPA e SEE, para ampliar procedimentos de controlo, encurtando significativamente os prazos entre a execução orçamental e os primeiros e sucessivos reportes posteriores, para modernizar rotinas informáticas e para articular de forma íntima a ACSS com a DGO. A este respeito, o trabalho do Controlador Financeiro do Ministério, nomeado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde, tem sido uma peça de muita importância. Todavia, o Governo reconhece, nestes 31 meses de actividade, ter centrado as suas preocupações no controlo da despesa, o que conseguiu com êxito reconhecido no RTC. Se, em relação ao SPA, o modelo tradicional de prestação de contas cumpre a recomendação do RTC, o Governo não tem razões para recear, nem reconhece falta de transparência e de rigor no actual sistema de reporte da situação económica, financeira e patrimonial dos hospitais EPE. Bem pelo contrário. Estes hospitais estão hoje sujeitos a escrutínios sucessivos de crescente rigor: a auditoria interna, o reporte para a ACSS, no mês seguinte à execução dos movimentos económicos, financeiros e patrimoniais, a revisão obrigatória das contas por um revisor oficial de contas (ROC), a apreciação das contas pela Inspecção-Geral de Finanças e, finalmente, a sua aprovação conjunta pelos Ministros das Finanças e da Saúde. Todavia, é muito discutível a utilidade de agregar informação dos dois universos hospitalares, de estatutos diferentes. Se tal agregação fosse considerada a conta oficial do SNS, para efeito do reporte dos défices excessivos, criar-nos-ia enormes problemas, sem qualquer utilidade. Com o devido respeito, aqui não nos parece que tenha razão o Tribunal de Contas.
4. A circunstância de as recomendações do RTC terem sido centradas sobre a consolidação das contas, não impediu o Tribunal de ter analisado o enquadramento macroeconómico e a caracterização da evolução do SNS, afinal os seus dois primeiros objectivos. E, assim, podem constatar-se no RTC, a este respeito, profundas alterações ocorridas em 2006, na primeira gestão orçamental completa do actual governo:
4.1. Pela primeira vez, na história do SNS, este não sofreu de suborçamentação crónica. A dotação para 2006 (7.636,6 milhões de euros) foi quase a mesma de 2005 (7.634,0 milhões de euros) - Quadro n.º 3 -, mas a de 2005 havia sido reforçada, já com este Governo, em 1.851,8 milhões de euros para suprir um inaceitável buraco orçamental.
4.2. Pela primeira vez em muitos anos, foi possível controlar os gastos de saúde no ambulatório, quer as comparticipações em medicamentos vendidos nas farmácias, em -1,8%, quer em meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) em apenas +3,6%, o que junto representa 26,5% da despesa do exercício.
4.3. Pela primeira vez foi possível controlar a despesa do SPA em produtos farmacêuticos de consumo hospitalar e material de consumo clínico (cerca de 7,3% da despesa total), num valor de +3,3%.
4.4. Pela primeira vez foi possível limitar a despesa em pessoal do SPA, a qual representa 25,6% do total da despesa de exercício, num valor de +2,9%.
4.5. Estas três parcelas reunidas (Quadro n.º 5 do RTC), representando 59,4% da despesa total em 2006, tiveram, assim, um crescimento agregado de apenas +1,5%, o que só foi possível com rigorosa gestão orçamental.
5. O relatório, ao analisar a situação económico-financeira consolidada, reconhece que a despesa total em universos comparáveis cresceu apenas 2% e a receita 3%, sendo o saldo do exercício positivo em ambos os anos em análise. Reconhece que o saldo de anos anteriores, apesar de continuar negativo, melhora em 16%, com um desagravamento de 29,3%. Ora, a diferença entre os saldos refere-se à comparação entre universo real e universo comparável, em 2005. O saldo não se agrava. A conta do SNS é sempre a mesma, está consolidada, é imune a esta questão, reflectindo em cada ano o universo real. São, pois, apressadas, quaisquer leituras da Conclusão 2.1 do Relatório do Tribunal de Contas (p. 9, § 5), como podendo ter sido reduzido em 2005 o saldo financeiro do SNS. O Tribunal não errou, mas a fórmula adoptada na sua conclusão conduz a alguma ambiguidade interpretativa.
6. O relatório, quando analisa a situação económico-financeira do SNS, agregada, adicionando hospitais SPA e EPE, psiquiátricos, administrações regionais de saúde (ARS) e outros serviços autónomos (Quadro n.º 6), observa um agravamento dos resultados operacionais e dos resultados líquidos. Tem razão o Tribunal. E fez bem em analisar, ele próprio, todos os relatórios de gestão dos hospitais EPE, pois logo aí encontrou justificação de diferenças: redução do valor das verbas de convergência para 2006 e aumento de custos em pessoal, provenientes da subida de 10 para 13% do desconto para a Caixa Geral de Aposentações, do crescimento de encargos sociais no pessoal em regime de contrato individual de trabalho (CIT), na especialização dos encargos com férias, pois os novos EPE passaram a prover em 2006 parte dos encargos com o subsídio de férias a atribuir em 2007, bem como os incentivos ao pessoal em CIT.
7. Ao comentar os resultados operacionais, o RTC reconhece a importância da transferência de grandes hospitais do SPA para o SEE, os quais passaram a ser mais bem geridos. Só isso permitiu conter os custos operacionais com pessoal em 3%, reduzir em 1,4% os fornecimentos e serviços externos e conter em 3,4% o consumo de produtos farmacêuticos e de material de consumo clínico (p. 23).
8. Também o RTC reconhece aumento nos ganhos e proveitos financeiros e redução visível de custos e perdas financeiras, esta decorrente da não necessidade de recurso ao crédito bancário, para pagar às farmácias de venda a público (p. 24), como sucedia nos anos anteriores.
9. Entremos agora no 5.º objectivo do RTC, o do apuramento do endividamento gerado no âmbito do SNS com a dívida acumulada dos dois subsectores (SPA e SEE). O relatório segue uma metodologia de cálculo da dívida total das entidades do SNS, agregando um conjunto de contas do balanço das instituições (contas devedoras de terceiros da 21 à 26). Entre essas contas encontram-se, por exemplo, os adiantamentos ao contrato programa (conta 219) e as retenções de impostos (conta 24). Estas rubricas não são incorporadas no acompanhamento mensal do endividamento das instituições do SNS feito pela ACSS, que centra essa monitorização nas contas devedoras relativas a fornecedores externos (contas 22 e 26), gerando-se assim uma diferença nas duas aproximações. Ambas são justificáveis e racionais e, portanto, a diferença obtida é expectável, conhecida, resultando da diversa metodologia, não pondo em causa a fiabilidade de informação. Contudo, penso ser aceitável que, em termos de gestão financeira do SNS, não seja atribuída idêntica importância às dívidas a fornecedores externos em relação às derivadas das retenções de impostos[1] e adiantamentos aos contratos programa[2], tratando-se estas de questões apenas de desfasamento temporal e consequência de relações internas ao Estado, em sentido lato. Deixem também que diga que, em qualquer caso, em termos técnicos, sempre haveria aqui matéria que, em função do universo considerado, mereceria atenção, ou seja, anulação de fluxos e reconsideração dos stocks.
Alguns hospitais EPE necessitam de ter o seu capital estatutário recalculado e, eventualmente, reforçado. Alguns até, infelizmente, ainda não tiveram as melhoras esperadas. Mas a grande maioria, já em 2006 e em 2007, melhorou consideravelmente o seu desempenho. Qual a evidência que o Governo apresenta? Toda a evidência é transparente e está disponível no portal da ACSS e no Portal da Saúde. Estão publicadas as contas do 1.º semestre de todos os hospitais EPE. Contas provisórias? Certamente. Ainda passíveis de revisão e de consolidação? Certamente, como sempre temos demonstrado em sucessivas apresentações perante esta Comissão.
10. Entremos agora no 6.º objectivo do RTC: a análise do tratamento dos compromissos assumidos pelas entidades que integram o SNS. Deve desde já declarar-se que não estamos no universo SEE, mas apenas no SPA. Que nos diz o TC? Que comparando a informação produzida pela Direcção-Geral do Orçamento com a da ACSS existem discrepâncias entre registos de compromissos e despesa paga. É o próprio Tribunal que adianta a explicação: aplicações informáticas em uso na relação entre ACSS e DGO não se encontrarem estabilizadas, não permitindo integração completa das diferentes fases do ciclo da despesa. Já quanto ao SEE, dispensado que está da utilização das contas de controlo orçamental e de ordem, não o está dos mapas de controlo dos orçamentos de compras, de investimentos e custos e perdas e de proveitos e ganhos. Apenas seis hospitais EPE lograram, até à data, enviar os mapas referidos à ACSS e outros dez remeteram-nos com informação incompleta. Certamente tem razão o Tribunal de Contas. Por muito preciosistas que possam parecer estes registos, a lei prevê-os e a lei deve ser cumprida.
11. A razão fundamental das diferenças alegadas pelo Tribunal de Contas em relação à contabilidade do SNS não é uma razão de fundo, é uma questão de forma, mas essencial. O Tribunal entende que a conta do SNS deve reflectir, não só o universo SPA, mas também, com igual detalhe, o universo EPE. O que é impossível, pela simples natureza das coisas: os hospitais EPE pertencem ao Sector Empresarial do Estado, são financiados por contratualização e só as transferências que para ele faz o SNS devem ser registadas. Da mesma forma, nem o Instituto da Droga e da Toxicodependência, IP (IDT) nem o Instituto Nacional de Emergência Médica, IP (INEM) devem figurar na conta do SNS. Figuram na conta do Ministério, mas não do SNS. Explicações bem simples: o IDT só agora entrou no Ministério da Saúde e pode dele ser destacado a todo o tempo. O INEM é uma instituição com receita própria e intervenção específica, com características que recomendam a sua contabilidade fora do universo SNS. O Tribunal tentou, à sua maneira, adicionar receita e despesa, o que fez de forma incompleta, gerando diferenças. Ora, todas essas diferenças são explicáveis e estão explicadas. Deveremos então resignar-nos a que o detalhe da análise dos hospitais EPE se reduza a uma linha? Não, certamente, daí que publiquemos com todo o detalhe a informação que a eles respeita. E que a submetamos a uma série de escrutínios exigentes, como já foi referido.
12. Estamos, assim, bem longe da linguagem impressionista dos restantes partidos do arco parlamentar ao requererem esta audição. “O Ministério da Saúde perdeu a última bandeira de alguma recuperação financeira” e as alterações na estrutura do SNS serviram para “esconder dívidas acumuladas e défices, o que é bastante grave”, declarou o Sr. Deputado Bernardino Soares, do PCP. O Bloco de Esquerda, pela voz do Sr. Deputado João Semedo, considerou que “continua o sub-financiamento crónico e o défice não pára de aumentar”, declarando que o Tribunal “arrasa as contas divulgadas pelo Governo”. O PSD, pela voz da Sr.ª Deputada Ana Manso, retoma a alegoria sísmica, falando em “derrocada da credibilidade das contas públicas do SNS” e, qual Marquês de Pombal do século XXI, propõe, de imediato, uma audição “muito urgente” para “apuramento da verdadeira extensão dos danos”. O CDS, mais contido na linguagem da Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, apesar de estar em causa o ano de 2006, considera que “após dois anos e meio de promessas de consolidação orçamental, o sector da Saúde continua numa lógica muitíssimo deficitária”.
Como se vê e verá, são prematuras as notícias sobre o sismo. E infundadas. Admitimos que, sem uma leitura reflectida do relatório, tenham preferido a linguagem impressionista dos comentadores. De um cisco no olho fizeram, não um palito, mas um argueiro. À míngua de razões substantivas, agarraram, com indisfarçável gula, as expressões críticas de um relatório, ignorando os irrefutáveis e numerosos dados positivos.
Cá estamos a responder. E estaremos sempre a varrer a nossa testada com a modéstia da verdade e a humildade de quem aceita outras formas, ainda que discordantes, de ler a mesma realidade. Varrer a testada é o melhor serviço que agora prestamos aos cidadãos. E varrê-la-emos tantas vezes quantas no-la poluírem. Aqui, a paciência não tem limites.
[1] Retenções de impostos traduzem os montantes retidos aos funcionários e que serão entregues ao Ministério das Finanças em data posterior por imperativo legal.
[2] Adiantamentos ao contrato programa são montantes recebidos pelas entidades (Hospitais EPE) e ainda não facturados à ACSS.
Comissão Parlamentar de Saúde, Assembleia da República, Lisboa - 28 de Novembro de 2007
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