sexta-feira, novembro 23, 2007

Código deontológico dos médicos

uma história sem história
A ética médica abrange a deontologia médica, mas não se esgota nela
Sobre a necessidade de alteração do código deontológico, recuemos até 2003, mais exactamente a 17 de Dezembro de 2003 e a uma notícia veiculado pela Lusa.
"(...) O presidente do Conselho Nacional da Ética e Deontologia Médicas da Ordem dos Médicos, Daniel Serrão, acrescentou que a proposta para a alteração do código deontológico destes profissionais já está a ser elaborada. Explicou que a alteração se deve ao progresso da medicina, "tão acentuado nos últimos anos", e ao facto de, em determinadas matérias, como o aborto, o conjunto de normas não ter acompanhado a legislação. O novo código irá estar em sintonia com a legislação, já que "não pode ser superior à lei existente", sublinhou. Além do aborto, não está também contemplada pelo código deontológico a procriação medicamente assistida."
Faltam poucos dias para que se completem quatro anos sobre estas declarações. Vão desculpar-me, mas tudo isto me parece uma conversa de surdos. Que discutimos nós, afinal? Qual o verdadeiro significado desta discussão? Quem ganha com a passagem destes atestados de menoridade? Como disse Rui Nunes, "triste espectáculo".
Apesar de tudo, e já que chegámos até aqui, talvez valha a pena tentar organizar a informação e sistematizar alguns pontos importantes, talvez sirva de trabalho de casa para a tal discussão que ocorrerá (?) depois do acto eleitoral na Ordem dos Médicos, que, quero eu querer, nada tem a ver com a actual polémica nem com a maneira como está a ser conduzida. Ou terá?
Comecemos pela dita sistematização, façamos dela o ponto de partida para uma reflexão honesta e crítica.

Existe um código deontológico anacrónico que, nalgumas áreas, roça o ridículo e está objectivamente provado que os preceitos deontológicos não são cumpridos pelos clínicos, que há um franco desconhecimento do código deontológico por parte de muitos de nós, médicos, que é leviana a forma como os assuntos têm sido discutidos, apelando-se aos princípios deontológicos quando dá jeito e metendo-os debaixo do tapete quando são incómodos, e que existem pressupostos "morais puros" na base daquilo que deveria ser um código de conduta, sem valor de lei e passível de ser mudado e adaptado a novas realidades.

Quanto à cedência a "pressões externas", deixemo-nos de demagogias, elas existem e já serviram de mote para mudanças recentes. Só a título de exemplo, não foi assim que aconteceu com a revogação dos artigos 81.º e 82.º, levada a cabo pelo Conselho Executivo da Ordem dos Médicos a 19 de Julho de 2005, na sequência da acção da Autoridade da Concorrência?
Não me dá gozo nem rejubilo - bem pelo contrário, entristece-me - com a atitude de Correia de Campos, até porque é tomada fora de tempo e, por isso, perde em razão e ganha em hipocrisia, mas lamento que a ordem profissional a que pertenço se tenha posto a jeito e que, mais grave ainda, não tenha sido capaz de se antecipar - recordo que a questão já era referida em 2003.

Não está em causa apenas o artigo 47.º, todos sabemos isso, basta pensar na procriação medicamente assistida ou na esterilização reversível. Para quando uma discussão ampla e séria, no seio da classe e nos meios estatutariamente definidos como competentes, que traga alguma dignidade e reponha o real valor da tão apregoada deontologia médica e do nosso código deontológico em particular? Porque tarda?
A ética médica abrange a deontologia médica, mas não se esgota nela. Deixem-me só recordar que Jeremy Bentham, com a introdução do termo "deontologia", pretendia conseguir uma alternativa mais liberal ao termo e ao conceito da palavra "ética", tendo em conta que esta última, ao ocupar na forma qualitativa de conceito laico o lugar do termo religioso "moral", se tinha moralizado. Não estará a acontecer o mesmo com a dita deontologia?
Que queremos, de facto, fazer? O que representa o código? Para que serve? É para ser levado a sério? Existe um organismo internacional, a Associação Médica Mundial, da qual somos membros efectivos e que tem sido um espaço privilegiado para a discussão dos aspectos relativos à ética médica. Porque não dar-lhe um pouco mais de atenção? Parece-me que nada justifica fazer história de histórias sem história e, apesar de tudo, mais vale tarde do que nunca, digo eu. Médica, membro da Associação MPE
ana matos pires, JP 22.11.07