Eduardo Barroso
“É impensável achar que em Portugal se possa fazer um transplante de forma ilegal”
A nova Autoridade para os Serviços de Sangue e Transplantação entrou em funcionamento recentemente e o seu dirigente, Eduardo Barroso, já aponta um aumento na taxa de doação de 25 dadores por milhão de habitantes. A sensibilização dos profissionais é uma das palavras-chave. Este novo organismo já preparou diversas iniciativas legislativas e está em marcha a criação de uma Entidade Verificadora de Admissibilidade em cada hospital que tenha condições para fornecer dadores.
Gestão Hospitalar (GH) – É o novo responsável pela nova Autoridade para os Serviços de Sangue e de Transplantação (ASST). Quais são as funções deste novo organismo?
Eduardo Barroso (EB) – A ASST foi criada em 27 de Outubro de 2006, pelo Decreto-Lei n.º 212/2006. Responde a uma exigência da União Europeia para regular os serviços de sangue e de transplantação.
GH – Depende directamente do ministro?
EB – Dependemos directamente do Sr. Ministro. No caso do transplante, havia a Organização Portuguesa de Transplante (OPT), que era uma estrutura com pouco peso político e meramente organizativa. Todas as suas atribuições passaram para nós.
A ASST tem, portanto, como missão garantir a qualidade e a segurança em relação à dádiva, colheita, análise, processamento, armazenamento e distribuição de sangue humano e de componentes sanguíneos, bem como à dádiva, colheita, análise, processamento, preservação, armazenamento e distribuição de órgãos, tecidos e células de origem humana.
Tem seis atribuições principais como propor medidas de natureza política ou legislativa em matérias relacionadas com as suas atribuições e participar na definição estratégica global de desenvolvimento da colheita e transplantação; definir e implementar medidas de controlo; organizar acções de fiscalização; instituir e manter um registo dos serviços manipuladores de tecidos e células; manter Registo Nacional de Dadores de Células Estaminais de Medula Óssea, de Sangue Periférico ou de Cordão Umbilical e fazer o intercâmbio de informações com entidades comunitárias e internacionais no domínio do sangue e da
transplantação.
GH – A ASST já produziu alguma recomendação a nível legislativo?
EB – Em relação ao sangue não vou falar muito porque a minha subdirectora, a Dr.ª Alice Cordeiro, é que tem esse pelouro, sugerindo uma conversa para aprofundar o assunto. Tudo o que sejam medidas nesta área e a articulação com o Instituto Português do Sangue é com ela. As coisas estão a avançar com muita sintonia entre este Instituto e a ASST. Por exemplo, está a ser tratada a centralização da coordenação dos serviços de sangue e a auto-suficiência em componentes e derivados do sangue.
O objectivo de uma autoridade deste tipo é garantir a qualidade e certificar as estruturas. É evidente que não é punir nem perseguir.
Em relação ao transplante é a mesma coisa, só que temos ainda uma incumbência importante que é tentar implementar a transplantação em Portugal. Na estrutura da ASST eu tenho o pelouro total, tenho uma subdirectora que tem a responsabilidade da área do sangue – no fundo isto é uma direcção bicéfala! Em relação ao transplante criámos um coordenador nacional de transplantação – o Dr. João Rodrigues Pena, um homem de uma craveira intelectual excepcional – e um coordenador nacional de colheita – a Dr.ª Maria João Aguiar, a melhor escolha para o cargo.
Já propusemos ao Sr. Ministro algumas medidas legislativas que estão a ser estudadas.
A nova Autoridade para os Serviços de Sangue e Transplantação entrou em funcionamento recentemente e o seu dirigente, Eduardo Barroso, já aponta um aumento na taxa de doação de 25 dadores por milhão de habitantes. A sensibilização dos profissionais é uma das palavras-chave. Este novo organismo já preparou diversas iniciativas legislativas e está em marcha a criação de uma Entidade Verificadora de Admissibilidade em cada hospital que tenha condições para fornecer dadores.
Gestão Hospitalar (GH) – É o novo responsável pela nova Autoridade para os Serviços de Sangue e de Transplantação (ASST). Quais são as funções deste novo organismo?
Eduardo Barroso (EB) – A ASST foi criada em 27 de Outubro de 2006, pelo Decreto-Lei n.º 212/2006. Responde a uma exigência da União Europeia para regular os serviços de sangue e de transplantação.
GH – Depende directamente do ministro?
EB – Dependemos directamente do Sr. Ministro. No caso do transplante, havia a Organização Portuguesa de Transplante (OPT), que era uma estrutura com pouco peso político e meramente organizativa. Todas as suas atribuições passaram para nós.
A ASST tem, portanto, como missão garantir a qualidade e a segurança em relação à dádiva, colheita, análise, processamento, armazenamento e distribuição de sangue humano e de componentes sanguíneos, bem como à dádiva, colheita, análise, processamento, preservação, armazenamento e distribuição de órgãos, tecidos e células de origem humana.
Tem seis atribuições principais como propor medidas de natureza política ou legislativa em matérias relacionadas com as suas atribuições e participar na definição estratégica global de desenvolvimento da colheita e transplantação; definir e implementar medidas de controlo; organizar acções de fiscalização; instituir e manter um registo dos serviços manipuladores de tecidos e células; manter Registo Nacional de Dadores de Células Estaminais de Medula Óssea, de Sangue Periférico ou de Cordão Umbilical e fazer o intercâmbio de informações com entidades comunitárias e internacionais no domínio do sangue e da
transplantação.
GH – A ASST já produziu alguma recomendação a nível legislativo?
EB – Em relação ao sangue não vou falar muito porque a minha subdirectora, a Dr.ª Alice Cordeiro, é que tem esse pelouro, sugerindo uma conversa para aprofundar o assunto. Tudo o que sejam medidas nesta área e a articulação com o Instituto Português do Sangue é com ela. As coisas estão a avançar com muita sintonia entre este Instituto e a ASST. Por exemplo, está a ser tratada a centralização da coordenação dos serviços de sangue e a auto-suficiência em componentes e derivados do sangue.
O objectivo de uma autoridade deste tipo é garantir a qualidade e certificar as estruturas. É evidente que não é punir nem perseguir.
Em relação ao transplante é a mesma coisa, só que temos ainda uma incumbência importante que é tentar implementar a transplantação em Portugal. Na estrutura da ASST eu tenho o pelouro total, tenho uma subdirectora que tem a responsabilidade da área do sangue – no fundo isto é uma direcção bicéfala! Em relação ao transplante criámos um coordenador nacional de transplantação – o Dr. João Rodrigues Pena, um homem de uma craveira intelectual excepcional – e um coordenador nacional de colheita – a Dr.ª Maria João Aguiar, a melhor escolha para o cargo.
Já propusemos ao Sr. Ministro algumas medidas legislativas que estão a ser estudadas.
GH – Quais?
EB – Para além de termos de recriar novamente a estrutura do transplante – uma vez que a OPT desapareceu – embora na base da organização da colheita se mantenham os gabinetes. Ora nós propusemos medidas que têm a ver com o reforço das atribuições dos cinco gabinetes de colheita e a criação nos hospitais de um coordenador local de transplantação– que todos os hospitais com unidades de cuidados intensivos têm de passar a ter – e que têm funções específicas nos casos em que alguém morre em condições de ser dador e não está no registo dos não-dadores, para que não se percam esses órgãos.
Também propusemos algumas medidas no âmbito de leis anteriores que, devido ao progresso da medicina, já não se justificam.
GH – Tais como?
EB – Como a obrigatoriedade de haver um serviço de neurologia nos hospitais que têm condições para ser dadores. Um absurdo total! O diagnóstico por morte cerebral pode ser feito por outros médicos, com grande fiabilidade. Essa introdução na lei, que fazia sentido quando esta foi criada, colocava alguns hospitais com unidades de cuidados intensivos, mas sem essas valências, sem poderem fornecer dadores.
Outro aspecto legislativo muito importante tem a ver com a lei do dador vivo. Para garantir que esta lei possa ser aplicada salvaguardando o tráfico de órgãos ou interesses complicados, para ter a certeza que a dádiva é altruísta, não envolve pressões ou dinheiro, criámos a Entidade Verificadora de Admissibilidade (EVA), que é uma estrutura que existe nos hospitais, para acima das decisões médicas já tomadas, confirmar a total legalidade da doação.
GH – A EVA será constituída por quem?
EB – A lei obriga a que a nossa proposta seja conjunta das administrações dos hospitais com a ASST. Ou seja, o ministro nomeia, caso a caso, as EVA’s dos hospitais consoante a proposta da ASST e das administrações.
A primeira coisa que fizemos foi contactar as administrações e perguntar se concordavam ou não com a nossa proposta. Estamos a receber as respostas e está praticamente concluído.
A base será que a presidência da EVA pertencerá a alguém, o presidente ou outra pessoa, da Comissão de Ética com um representante da direcção clínica ou o director clínico. Isto ainda está em discussão, mas serão três pessoas – duas da Comissão de Ética do hospital e uma da direcção clínica.
Estas pessoas já irão decidir depois da triagem médica. Por exemplo, se uma mãe quer doar um rim a um filho, isto passa primeiro pela parte médica, que já tem regulamentação antiga para isso.
Será mais importante a sua supervisão no caso de dadores não aparentados para prevenir alguma pressão ou tráfico.
GH – Mas podem ser os próprios profissionais de saúde a levantar essa questão?
EB – Claro que podemos e já fazemos mesmo no âmbito da lei antiga. A primeira triagem somos nós! Mas vamos supor que passou por nós sem objecções. Depois a EVA ainda vem ver e reconfirmar ou não a decisão.
GH – A EVA analisará todos os casos?
EB – Todos os casos. Mesmo nos casos em que seja um pai a querer dar um rim a um filho. Mas, neste caso, penso que a EVA decidirá em cinco minutos – nós já fizemos o trabalho de casa!
Se houver dúvidas não se fará o transplante.
O importante é combater o tráfico e evitar os chamados casamentos brancos, uma vez que agora o cônjuge já pode dar.
GH – Esta preocupação com o tráfico e o comércio de órgãos é pertinente em Portugal?
EB – Sinceramente acho que não. Os nossos telhados não são de vidro, mas devemos estar atentos.
Nós somos um país de 10 milhões de habitantes, conhecemo-nos todos! É impensável achar que em Portugal se possa fazer um transplante de forma ilegal porque era preciso corromper uma cadeia hospitalar que se conhece toda.
Impossível!
Agora, já não diria impossível que alguém casasse por interesse e nós temos de ter muito cuidado.
GH – Em Portugal verifica-se um decréscimo de dadores?
EB – Tem havido oscilações. Temos estado quase sempre em terceiro ou quarto lugar, na Europa, na taxa de doação, o que não é mau!
Mas longe da Espanha, que tem 35 dadores por milhão de habitantes e nós temos à volta dos 19, 20. Muito à frente da Inglaterra, da Holanda e de muitos outros países europeus. Mas não arrancávamos desse lugar e percebia-se que tinha de se fazer alguma coisa.
Tenho de dizer, em primeira-mão, que, nos primeiros dez meses deste ano, a taxa de doação em Portugal subiu para os 25 dadores por milhão de habitante.
E a nossa taxa de colheita multi-orgânica também tem vindo a aumentar.
GH – Atribui essa subida a quê?
EB – Atribuo a duas coisas fundamentais: Mudou a OPT e tivemos outro tipo de aproximação. Escolhi para coordenadora nacional uma pessoa excepcional, a Dr.ª Maria João Aguiar, que na comunidade transplantadora, todos respeitam como uma das profissionais mais competentes na sua área. Já no fim do ano passado, ainda sem a nossa existência, se fez uma reunião, no âmbito de duas sociedades fundamentais – a Sociedade Portuguesa de Transplantação e a Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos.
Essa reunião foi a primeira que juntou as duas sociedades, o que é muito importante, porque os dadores vêm quase todos dos Cuidados Intensivos. Foi muito útil porque realçou a importância desses cadáveres ligados aos ventiladores.
As Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) não estão vocacionadas para ventilar
cadáveres mas para salvar pessoas.
O que é preciso perceber é que, quando alguém morre na UCI, e fica um cadáver ligado ao ventilador, pode ter de demorar mais um bocadinho de tempo a ser desligado porque se for um potencial dador de órgãos estes têm de ser aproveitados. Embora a lei não nos obrigues a pedir autorização à família, a maioria das vezes nós fazemo-lo e é preciso uma grande sensibilidade. Isto também se aprende, há cursos…
Uma das coisas que a ASST vai fazer é promover os cursos de coordenação de transplantação. Nem toda a gente está preparada para fazer essa abordagem da família. Nós, para o ano, vamos fazer esse curso em Portugal.
O curso faz-se em Barcelona e eles estão dispostos a vir a Portugal fazer o curso para 30 médicos e enfermeiros.
Cada vez há mais pessoas sensibilizadas para a importância da transplantação, daí que nós tenhamos crescido este ano. Também já fizemos visitas a hospitais, já falámos pessoalmente com as pessoas. É preciso estar no terreno, informar, motivar as pessoas.
GH – Vieram a público recentemente notícias que falavam de pulmões que eram desviados para Espanha…
EB – Não são desviados! A nossa obrigação não é só com Portugal, é também a Europa globalizada, o mundo. Nós no outro dia tivemos um fígado mas que não podia ser aproveitado em Portugal porque não havia um receptor para esse grupo sanguíneo e nós oferecemos o fígado a Espanha! Não foi desviado!
O que é um crime é perder-se um órgão.
Agora o pulmão… nós vamos preocuparmo-nos muito com o pulmão.
GH – Há problemas nessa área?
EB – Não havia pessoas para o fazer. Este ano já se fez transplante pulmonar outra vez. Só havia um centro para fazer pulmão em Portugal, que era o Hospital de Santa Marta. As pessoas que estavam ligadas à direcção do serviço mudaram. Neste momento, está o professor Fragata como director de serviço, muito interessado em colaborar, mas de qualquer maneira eles só têm dois candidatos para transplante inscritos, porque os médicos não mandam os doentes porque eles não respondiam.
Neste momento há outro grupo, que é do professor Manuel Antunes, em Coimbra, que se mostrou disponível para começar a tratar a área pulmonar em Portugal e vamos ter uma reunião em breve.
Eu penso que o ideal é ter sempre dois centros em Portugal para cada órgão. E a nossa política é fomentar isso. Até lá, não havendo centros que respondam, claro que os pulmões que foram colhidos foram enviados para Espanha. Felizmente, com um acordo que se fez no Norte em que alguns desses pulmões foram transplantados em doentes portugueses.
GH – A questão põe-se então mais ao nível da sensibilização dos profissionais do que da sua competência?
EB – É preciso muita disponibilidade, muita vontade, além do saber. Se não houver ninguém que queira fazer… Imagine que eu, que agora estou aqui, não tinha preparado a minha sucessão no serviço ou que o Dr. Pena não tinha preparado a sucessão no Curry Cabral…
GH – Defende uma crescente especialização e concentração de recursos?
EB – Mas com certeza! Há alguém que pense que os cirurgiões possam fazer de tudo e tudo muito bem? Por exemplo, a cirurgia dos tumores do recto muito baixo, com preservação do esfíncter anal, devia ser feita em Lisboa, só em dois ou três hospitais e não todos. É preciso casuística.
Nós não queremos ser os únicos a fazer a cirurgia do fígado em Lisboa mas mais do que dois centros é um exagero. Até porque tudo isto custa muito dinheiro e os doentes são prejudicados.
O transplante faz-se em todo Portugal em três centros, a cirurgia do fígado devia fazer-se em seis, o esófago devia fazer-se em três.
E os exemplos poderiam repetir-se. Devia-se dividir os profissionais por áreas de interesse e os internos para fazer a sua formação vão rodando. Só assim pode haver qualidade.
GH – Como vê a polémica à volta do transplante de células estaminais?
EB – Toda a gente está de acordo que as células estaminais devem ser usadas. O seu uso no processo terapêutico não está em causa. A grande polémica é a clonização de seres humanos ou a utilização de embriões… mas eu não entro nesta polémica, não me diz respeito.
GH – Como está a observar o decorrer da campanha para as eleições na Ordem dos Médicos?
EB – Mas há campanha? Eu não vi campanha nenhuma… Eu sou apoiante de qualquer candidato que tente afastar o actual Bastonário que acho que não prestigia a classe médica.
Sou apoiante do Dr. Miguel Leão.
Penso que quem tem a máquina da Ordem tem grandes possibilidades de ganhar. Isso passa-se também nos Colégios e em todo o lado. Aquilo é sempre ganho por quem domina o aparelho. Tenho pena que isso aconteça até porque tenho amigos que estão no Colégio e concordam comigo… era preciso renovar, qualificar, sermos mais exigentes.
É preciso não esquecer que nós temos a funcionar aí cirurgiões que compraram o título! Há cirurgiões que a prova para a Ordem não foi o exame público, com provas exigentes – que era de prestígio e que eu acho que faz uma falta brutal na qualificação dos cirurgiões portugueses.
Em relação ao actual Bastonário temos relações institucionais – para o Conselho Nacional de Transplantação nós convidámos a Ordem a nomear alguém. Agora, toda a gente sabe que eu não me sinto representado por este Bastonário.
Acho que não tem qualidade, que se impõe no mau sentido com insultos ao Ministério e com uma guerra aberta ao ministro porque, oportunistamente, pensa que lhe vai dar votos – e vai!
Este aumento de tom não é crítico, não é distante… é uma época negra da Ordem dos Médicos.
Tenho saudades de bastonários com a qualidade do professor Gentil Martins, do professor Machado Macedo. A transição com o professor Germano
de Sousa foi a transição para o desastre.
Acho que, neste momento, o Dr. Miguel Leão poderia fazer a rotura com a actual situação. GH
Nenhum Centro Europeu, tirando Londres, fez tantos transplantes como o Curry Cabral
GH – Falemos do Curry Cabral. Tem sido apontado como um sucesso na área da transplantação.
EB – Neste momento não sou director do Curry… não posso ser autoridade de mim próprio… mas continuo a operar. No meu decreto de nomeação vem expressamente que, dada a especificidade da minha área, posso continuar a exercer a minha actividade clínica. Nunca aceitaria este cargo se não o pudesse continuar a fazer.
O Centro Hepáto-Bilio-Pancreático e Transplantação do Hospital Curry Cabral era uma ideia minha de há muito anos e a única coisa em que eu divirjo do Dr. Pena – que é a pessoa que eu mais admiro e mais confio no transplante em Portugal. Nós tivemos origens diferentes. O Dr. Pena chega ao transplante hepático através de ser um transplantador. Eu vim de outra via, eu sempre quis ser um cirurgião hepático-biliar.
É a cópia de um modelo do Hospital Paul Brousse, em Paris, do professor Henry Bismuth, o cirurgião vivo mais importante da história da cirurgia do fígado moderna, que veio a Portugal inaugurar o nosso centro.
Tenho de destacar o apoio que a anterior administração nos deu para este projecto (Dr. Canas Mendes e o Dr. Ferraria Neto) e que a nova administração percebendo a sua importância e a sua relevância para o hospital, nos tem ajudado a crescer em harmonia com as outras valências do hospital.
Mas devo dizer que estou muito apreensivo porque acho que nós crescemos de mais.
GH – Porquê?
EB – Temos uma crise de crescimento. Nós estamos a operar muito – este ano já fizemos cerca de 110 transplantes hepáticos. Não há nenhuma centro europeu, tirando um em Londres, que tenha feito mais que nós!
É um problema porque, para além disto, nós também estamos a receber doentes de tumores do fígado, que não recebíamos e estamos a operar uma brutalidade de doentes. E para isso precisamos de nos organizar. E a nossa organização que estava muito bem dimensionada para um determinado valor e eu temo que, agora, tenhamos de – com o apoio da nossa administração e da direcção clínica – pôr os pés no chão e dizer calma, temos de nos organizar para estes números.
GH – Não têm profissionais suficientes?
EB – Médicos e enfermeiros temos, embora nalgumas áreas do aumento do internamento, precisemos de mais enfermeiros.
É um problema de organização. Estamos a discutir 20 a 40 doentes por semana,
em equipas multidisciplinares para saber quais é que operamos, quais é que transplantamos… depois temos as operações e ainda há o trabalho que sustenta isto tudo, as consultas, a organização, os doentes na enfermaria, os que estão na UCI … os cuidados intensivos têm sido óptimos mas eles próprios dizem que já não aguentam e têm de se reforçar… nós chegamos a ter sete doentes hepáticos internados na UCI.
Neste momento, o problema do Curry Cabral não é um problema de infra-estru-
turas – embora algumas já estejam a rebentar pelas costuras – é um problema de organização médica. E nós temos algumas carências importantes.
GH – Quais?
EB – A nível de secretariado clínico, por exemplo. Inclusivamente, uma das secretárias clínicas é paga por nós. Mas sobretudo precisamos de ser mais organizados.
GH – Mas vai manter-se o ritmo de operações?
EB – Esse já não volta para trás! A minha preocupação maior agora é a ASST e sabe-se que o meu tempo já não é mesmo…
Eu não sou uma personagem que vá dizer com falsa modéstia que não faço falta.
Faço… nem que seja pela minha agressividade, pela minha teimosia… Os meus
gritos fazem falta! A minha competência técnica claro que pode ainda ajudar. A
minha opinião e a minha capacidade de liderança são úteis.
entrevista de marina caldas, GH n.º 31
EB – Para além de termos de recriar novamente a estrutura do transplante – uma vez que a OPT desapareceu – embora na base da organização da colheita se mantenham os gabinetes. Ora nós propusemos medidas que têm a ver com o reforço das atribuições dos cinco gabinetes de colheita e a criação nos hospitais de um coordenador local de transplantação– que todos os hospitais com unidades de cuidados intensivos têm de passar a ter – e que têm funções específicas nos casos em que alguém morre em condições de ser dador e não está no registo dos não-dadores, para que não se percam esses órgãos.
Também propusemos algumas medidas no âmbito de leis anteriores que, devido ao progresso da medicina, já não se justificam.
GH – Tais como?
EB – Como a obrigatoriedade de haver um serviço de neurologia nos hospitais que têm condições para ser dadores. Um absurdo total! O diagnóstico por morte cerebral pode ser feito por outros médicos, com grande fiabilidade. Essa introdução na lei, que fazia sentido quando esta foi criada, colocava alguns hospitais com unidades de cuidados intensivos, mas sem essas valências, sem poderem fornecer dadores.
Outro aspecto legislativo muito importante tem a ver com a lei do dador vivo. Para garantir que esta lei possa ser aplicada salvaguardando o tráfico de órgãos ou interesses complicados, para ter a certeza que a dádiva é altruísta, não envolve pressões ou dinheiro, criámos a Entidade Verificadora de Admissibilidade (EVA), que é uma estrutura que existe nos hospitais, para acima das decisões médicas já tomadas, confirmar a total legalidade da doação.
GH – A EVA será constituída por quem?
EB – A lei obriga a que a nossa proposta seja conjunta das administrações dos hospitais com a ASST. Ou seja, o ministro nomeia, caso a caso, as EVA’s dos hospitais consoante a proposta da ASST e das administrações.
A primeira coisa que fizemos foi contactar as administrações e perguntar se concordavam ou não com a nossa proposta. Estamos a receber as respostas e está praticamente concluído.
A base será que a presidência da EVA pertencerá a alguém, o presidente ou outra pessoa, da Comissão de Ética com um representante da direcção clínica ou o director clínico. Isto ainda está em discussão, mas serão três pessoas – duas da Comissão de Ética do hospital e uma da direcção clínica.
Estas pessoas já irão decidir depois da triagem médica. Por exemplo, se uma mãe quer doar um rim a um filho, isto passa primeiro pela parte médica, que já tem regulamentação antiga para isso.
Será mais importante a sua supervisão no caso de dadores não aparentados para prevenir alguma pressão ou tráfico.
GH – Mas podem ser os próprios profissionais de saúde a levantar essa questão?
EB – Claro que podemos e já fazemos mesmo no âmbito da lei antiga. A primeira triagem somos nós! Mas vamos supor que passou por nós sem objecções. Depois a EVA ainda vem ver e reconfirmar ou não a decisão.
GH – A EVA analisará todos os casos?
EB – Todos os casos. Mesmo nos casos em que seja um pai a querer dar um rim a um filho. Mas, neste caso, penso que a EVA decidirá em cinco minutos – nós já fizemos o trabalho de casa!
Se houver dúvidas não se fará o transplante.
O importante é combater o tráfico e evitar os chamados casamentos brancos, uma vez que agora o cônjuge já pode dar.
GH – Esta preocupação com o tráfico e o comércio de órgãos é pertinente em Portugal?
EB – Sinceramente acho que não. Os nossos telhados não são de vidro, mas devemos estar atentos.
Nós somos um país de 10 milhões de habitantes, conhecemo-nos todos! É impensável achar que em Portugal se possa fazer um transplante de forma ilegal porque era preciso corromper uma cadeia hospitalar que se conhece toda.
Impossível!
Agora, já não diria impossível que alguém casasse por interesse e nós temos de ter muito cuidado.
GH – Em Portugal verifica-se um decréscimo de dadores?
EB – Tem havido oscilações. Temos estado quase sempre em terceiro ou quarto lugar, na Europa, na taxa de doação, o que não é mau!
Mas longe da Espanha, que tem 35 dadores por milhão de habitantes e nós temos à volta dos 19, 20. Muito à frente da Inglaterra, da Holanda e de muitos outros países europeus. Mas não arrancávamos desse lugar e percebia-se que tinha de se fazer alguma coisa.
Tenho de dizer, em primeira-mão, que, nos primeiros dez meses deste ano, a taxa de doação em Portugal subiu para os 25 dadores por milhão de habitante.
E a nossa taxa de colheita multi-orgânica também tem vindo a aumentar.
GH – Atribui essa subida a quê?
EB – Atribuo a duas coisas fundamentais: Mudou a OPT e tivemos outro tipo de aproximação. Escolhi para coordenadora nacional uma pessoa excepcional, a Dr.ª Maria João Aguiar, que na comunidade transplantadora, todos respeitam como uma das profissionais mais competentes na sua área. Já no fim do ano passado, ainda sem a nossa existência, se fez uma reunião, no âmbito de duas sociedades fundamentais – a Sociedade Portuguesa de Transplantação e a Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos.
Essa reunião foi a primeira que juntou as duas sociedades, o que é muito importante, porque os dadores vêm quase todos dos Cuidados Intensivos. Foi muito útil porque realçou a importância desses cadáveres ligados aos ventiladores.
As Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) não estão vocacionadas para ventilar
cadáveres mas para salvar pessoas.
O que é preciso perceber é que, quando alguém morre na UCI, e fica um cadáver ligado ao ventilador, pode ter de demorar mais um bocadinho de tempo a ser desligado porque se for um potencial dador de órgãos estes têm de ser aproveitados. Embora a lei não nos obrigues a pedir autorização à família, a maioria das vezes nós fazemo-lo e é preciso uma grande sensibilidade. Isto também se aprende, há cursos…
Uma das coisas que a ASST vai fazer é promover os cursos de coordenação de transplantação. Nem toda a gente está preparada para fazer essa abordagem da família. Nós, para o ano, vamos fazer esse curso em Portugal.
O curso faz-se em Barcelona e eles estão dispostos a vir a Portugal fazer o curso para 30 médicos e enfermeiros.
Cada vez há mais pessoas sensibilizadas para a importância da transplantação, daí que nós tenhamos crescido este ano. Também já fizemos visitas a hospitais, já falámos pessoalmente com as pessoas. É preciso estar no terreno, informar, motivar as pessoas.
GH – Vieram a público recentemente notícias que falavam de pulmões que eram desviados para Espanha…
EB – Não são desviados! A nossa obrigação não é só com Portugal, é também a Europa globalizada, o mundo. Nós no outro dia tivemos um fígado mas que não podia ser aproveitado em Portugal porque não havia um receptor para esse grupo sanguíneo e nós oferecemos o fígado a Espanha! Não foi desviado!
O que é um crime é perder-se um órgão.
Agora o pulmão… nós vamos preocuparmo-nos muito com o pulmão.
GH – Há problemas nessa área?
EB – Não havia pessoas para o fazer. Este ano já se fez transplante pulmonar outra vez. Só havia um centro para fazer pulmão em Portugal, que era o Hospital de Santa Marta. As pessoas que estavam ligadas à direcção do serviço mudaram. Neste momento, está o professor Fragata como director de serviço, muito interessado em colaborar, mas de qualquer maneira eles só têm dois candidatos para transplante inscritos, porque os médicos não mandam os doentes porque eles não respondiam.
Neste momento há outro grupo, que é do professor Manuel Antunes, em Coimbra, que se mostrou disponível para começar a tratar a área pulmonar em Portugal e vamos ter uma reunião em breve.
Eu penso que o ideal é ter sempre dois centros em Portugal para cada órgão. E a nossa política é fomentar isso. Até lá, não havendo centros que respondam, claro que os pulmões que foram colhidos foram enviados para Espanha. Felizmente, com um acordo que se fez no Norte em que alguns desses pulmões foram transplantados em doentes portugueses.
GH – A questão põe-se então mais ao nível da sensibilização dos profissionais do que da sua competência?
EB – É preciso muita disponibilidade, muita vontade, além do saber. Se não houver ninguém que queira fazer… Imagine que eu, que agora estou aqui, não tinha preparado a minha sucessão no serviço ou que o Dr. Pena não tinha preparado a sucessão no Curry Cabral…
GH – Defende uma crescente especialização e concentração de recursos?
EB – Mas com certeza! Há alguém que pense que os cirurgiões possam fazer de tudo e tudo muito bem? Por exemplo, a cirurgia dos tumores do recto muito baixo, com preservação do esfíncter anal, devia ser feita em Lisboa, só em dois ou três hospitais e não todos. É preciso casuística.
Nós não queremos ser os únicos a fazer a cirurgia do fígado em Lisboa mas mais do que dois centros é um exagero. Até porque tudo isto custa muito dinheiro e os doentes são prejudicados.
O transplante faz-se em todo Portugal em três centros, a cirurgia do fígado devia fazer-se em seis, o esófago devia fazer-se em três.
E os exemplos poderiam repetir-se. Devia-se dividir os profissionais por áreas de interesse e os internos para fazer a sua formação vão rodando. Só assim pode haver qualidade.
GH – Como vê a polémica à volta do transplante de células estaminais?
EB – Toda a gente está de acordo que as células estaminais devem ser usadas. O seu uso no processo terapêutico não está em causa. A grande polémica é a clonização de seres humanos ou a utilização de embriões… mas eu não entro nesta polémica, não me diz respeito.
GH – Como está a observar o decorrer da campanha para as eleições na Ordem dos Médicos?
EB – Mas há campanha? Eu não vi campanha nenhuma… Eu sou apoiante de qualquer candidato que tente afastar o actual Bastonário que acho que não prestigia a classe médica.
Sou apoiante do Dr. Miguel Leão.
Penso que quem tem a máquina da Ordem tem grandes possibilidades de ganhar. Isso passa-se também nos Colégios e em todo o lado. Aquilo é sempre ganho por quem domina o aparelho. Tenho pena que isso aconteça até porque tenho amigos que estão no Colégio e concordam comigo… era preciso renovar, qualificar, sermos mais exigentes.
É preciso não esquecer que nós temos a funcionar aí cirurgiões que compraram o título! Há cirurgiões que a prova para a Ordem não foi o exame público, com provas exigentes – que era de prestígio e que eu acho que faz uma falta brutal na qualificação dos cirurgiões portugueses.
Em relação ao actual Bastonário temos relações institucionais – para o Conselho Nacional de Transplantação nós convidámos a Ordem a nomear alguém. Agora, toda a gente sabe que eu não me sinto representado por este Bastonário.
Acho que não tem qualidade, que se impõe no mau sentido com insultos ao Ministério e com uma guerra aberta ao ministro porque, oportunistamente, pensa que lhe vai dar votos – e vai!
Este aumento de tom não é crítico, não é distante… é uma época negra da Ordem dos Médicos.
Tenho saudades de bastonários com a qualidade do professor Gentil Martins, do professor Machado Macedo. A transição com o professor Germano
de Sousa foi a transição para o desastre.
Acho que, neste momento, o Dr. Miguel Leão poderia fazer a rotura com a actual situação. GH
Nenhum Centro Europeu, tirando Londres, fez tantos transplantes como o Curry Cabral
GH – Falemos do Curry Cabral. Tem sido apontado como um sucesso na área da transplantação.
EB – Neste momento não sou director do Curry… não posso ser autoridade de mim próprio… mas continuo a operar. No meu decreto de nomeação vem expressamente que, dada a especificidade da minha área, posso continuar a exercer a minha actividade clínica. Nunca aceitaria este cargo se não o pudesse continuar a fazer.
O Centro Hepáto-Bilio-Pancreático e Transplantação do Hospital Curry Cabral era uma ideia minha de há muito anos e a única coisa em que eu divirjo do Dr. Pena – que é a pessoa que eu mais admiro e mais confio no transplante em Portugal. Nós tivemos origens diferentes. O Dr. Pena chega ao transplante hepático através de ser um transplantador. Eu vim de outra via, eu sempre quis ser um cirurgião hepático-biliar.
É a cópia de um modelo do Hospital Paul Brousse, em Paris, do professor Henry Bismuth, o cirurgião vivo mais importante da história da cirurgia do fígado moderna, que veio a Portugal inaugurar o nosso centro.
Tenho de destacar o apoio que a anterior administração nos deu para este projecto (Dr. Canas Mendes e o Dr. Ferraria Neto) e que a nova administração percebendo a sua importância e a sua relevância para o hospital, nos tem ajudado a crescer em harmonia com as outras valências do hospital.
Mas devo dizer que estou muito apreensivo porque acho que nós crescemos de mais.
GH – Porquê?
EB – Temos uma crise de crescimento. Nós estamos a operar muito – este ano já fizemos cerca de 110 transplantes hepáticos. Não há nenhuma centro europeu, tirando um em Londres, que tenha feito mais que nós!
É um problema porque, para além disto, nós também estamos a receber doentes de tumores do fígado, que não recebíamos e estamos a operar uma brutalidade de doentes. E para isso precisamos de nos organizar. E a nossa organização que estava muito bem dimensionada para um determinado valor e eu temo que, agora, tenhamos de – com o apoio da nossa administração e da direcção clínica – pôr os pés no chão e dizer calma, temos de nos organizar para estes números.
GH – Não têm profissionais suficientes?
EB – Médicos e enfermeiros temos, embora nalgumas áreas do aumento do internamento, precisemos de mais enfermeiros.
É um problema de organização. Estamos a discutir 20 a 40 doentes por semana,
em equipas multidisciplinares para saber quais é que operamos, quais é que transplantamos… depois temos as operações e ainda há o trabalho que sustenta isto tudo, as consultas, a organização, os doentes na enfermaria, os que estão na UCI … os cuidados intensivos têm sido óptimos mas eles próprios dizem que já não aguentam e têm de se reforçar… nós chegamos a ter sete doentes hepáticos internados na UCI.
Neste momento, o problema do Curry Cabral não é um problema de infra-estru-
turas – embora algumas já estejam a rebentar pelas costuras – é um problema de organização médica. E nós temos algumas carências importantes.
GH – Quais?
EB – A nível de secretariado clínico, por exemplo. Inclusivamente, uma das secretárias clínicas é paga por nós. Mas sobretudo precisamos de ser mais organizados.
GH – Mas vai manter-se o ritmo de operações?
EB – Esse já não volta para trás! A minha preocupação maior agora é a ASST e sabe-se que o meu tempo já não é mesmo…
Eu não sou uma personagem que vá dizer com falsa modéstia que não faço falta.
Faço… nem que seja pela minha agressividade, pela minha teimosia… Os meus
gritos fazem falta! A minha competência técnica claro que pode ainda ajudar. A
minha opinião e a minha capacidade de liderança são úteis.
entrevista de marina caldas, GH n.º 31
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