Com o novo Tratdo
Acabaram- -se os álibis dos líderes europeus
Está feito. "Porreiro, pá!" O Tratado vai ser assinado em Lisboa. Os europeus não vão votar. Os equívocos estão desfeitos e até os polacos ficaram bem na fotografia. Mas falta o essencial: lembrar-se que os cidadãos querem actos, não palavras
AEuropa tem o seu novo tratado. Sócrates (e nós todos, supõe-se) passamos a ter o "Tratado de Lisboa". Os líderes europeus venceram todos. Dos gémeos polacos ao Presidente francês, a quem a imprensa de Paris atribuía a paternidade da solução de compromisso. Até o encabulado Gordon Brown, que enfrenta uma feroz oposição caseira à ratificação do acordo sem referendo, garante que ganhou.
Estamos pois todos felizes.
De certa forma, estamos: a partir de ontem, graças a este acordo, acabaram-se os álibis. Se a Europa necessitava de forçar a barra ao ponto de, sigilosamente, os seus líderes terem negociado em Berlim que um novo Tratado não seria submetido a qualquer referendo (com a excepção irlandesa, por razões constitucionais mas que nunca atrapalhará), então é altura de os cidadãos lhes exigirem o que prometeram. Em primeiro lugar, uma economia mais eficiente e competitiva. Em segundo lugar, uma voz no palco do mundo.
Veremos se isso vai acontecer, mas é de crer que, após o fracasso clamoroso (e inevitável, reconheça-se) da utópica "estratégia de Lisboa", as novas soluções emperrem onde costumam emperrar: na má vontade dos cidadãos. Na sua oposição a políticas que têm dificuldade em compreender e que os seus líderes, de forma cobarde, lhes apresentam muitas vezes como resultantes do "diktat" de Bruxelas e não da vontade própria.
Mais: no domínio da política externa, essencial para que a Europa deixe de ser o "anão político" de que falam os seus defensores mais entusiastas, nada de verdadeiramente substancial mudou. Talvez passe a haver o tal número de telefone para Kissinger telefonar quando quiser conhecer a posição da União, mas é pouco provável que toque muitas vezes. Ontem de manhã, aos microfones da Renascença, Loureiro dos Santos referia que nada podia mudar para melhor enquanto os países europeus não entenderem que têm de investir mais nas suas Forças Armadas. Nada indica que tal aconteça e os opting-outs do Reino Unido mostram que único exército europeu preparado para missões difíceis continuará a seguir o que em Londres se considerar prioritário, não o que for decidido em Bruxelas.
Uma Europa que não se entende sobre Mugabe, sobre o Kosovo, sobre a Turquia, sobre o Médio Oriente, sobre a posição face a Putin, não passará a entender-se só porque possui novos mecanismos de decisão. Pior: uma maior fluidez de processos, deixando para trás o princípio fundador do consenso, arrisca-se a alienar ainda mais as opiniões públicas que têm, sobre qualquer daqueles temas, sensibilidades bem diversas.
Assumindo correr o risco de ser cínico, esperemos que o ambiente de festa que se terá ontem respirado no Parque das Nações não represente apenas o costume: safámo-nos desta. E que o Tratado de Lisboa tenha melhor sorte do que a "Estratégia de Lisboa".
Vale a pena, quando nada limita a nossa liberdade de pensar, ser cínico. Quando, há poucas semanas, falou ao PÚBLICO, Peter Sutherland, antigo comissário europeu, disse alto o que pensam os líderes europeus. Primeiro, que "ter 28 países a fazer um referendo num tratado destes sem nenhum preço a pagar por dizer não significaria paralisar a Europa"; segundo, que uma vez aprovado o tratado nos parlamentos, passará a ser possível fazer a pergunta da chantagem, isto é, cada país poderá "perguntar à sua população se quer continuar ou sair" da União Europeia.
Sócrates, que nem sequer teve a frontalidade de dizer que não tenciona convocar um referendo (será que não percebe que todos conhecem o acordo dos líderes?, será que não entende que ninguém acredita que só se pode decidir depois de o Tratado ser assinado nos Jerónimos, a 13 de Dezembro?), pensa exactamente o mesmo que Sutherland. E, se não for o mesmo, é porque talvez até dispensasse os parlamentos da formalidade da ratificação.
Contudo a verdade é que, com ou sem referendo, aquilo que os portugueses exigem de Sócrates e do líder da oposição, Luís Filipe Menezes (que ao menos já disse o que pensava sobre o referendo), é que lhes expliquem o que, como pequeno país, ganhámos num acordo que é desfavorável aos pequenos países. Um acordo que retira poderes da Comissão Europeia (o habitual "advogado" dos pequenos) para os entregar a um Conselho e a um Parlamento Europeu onde o peso dos grandes será muito maior do que é hoje. Um acordo que agravou a falta de mecanismos de "freios e contrapesos" no processo de tomada de decisões. Um acordo que tornará impossível "flores" como a do belo "Tratado de Lisboa", pois com o fim das presidências rotativas tudo se centrará, ainda mais, em Bruxelas.
Por isso, na linha do mesmo cinismo de Sutherland, só resta dizer: "Porreiro, pá!" É que, afinal, ficámos os dois na fotografia. Eu, José Sócrates, e tu, Durão Barroso. Dois portugueses. O Mourinho, o Ronaldo e o Figo já não são os nossos únicos heróis.
"Porreiro, pá..."
Está feito. "Porreiro, pá!" O Tratado vai ser assinado em Lisboa. Os europeus não vão votar. Os equívocos estão desfeitos e até os polacos ficaram bem na fotografia. Mas falta o essencial: lembrar-se que os cidadãos querem actos, não palavras
AEuropa tem o seu novo tratado. Sócrates (e nós todos, supõe-se) passamos a ter o "Tratado de Lisboa". Os líderes europeus venceram todos. Dos gémeos polacos ao Presidente francês, a quem a imprensa de Paris atribuía a paternidade da solução de compromisso. Até o encabulado Gordon Brown, que enfrenta uma feroz oposição caseira à ratificação do acordo sem referendo, garante que ganhou.
Estamos pois todos felizes.
De certa forma, estamos: a partir de ontem, graças a este acordo, acabaram-se os álibis. Se a Europa necessitava de forçar a barra ao ponto de, sigilosamente, os seus líderes terem negociado em Berlim que um novo Tratado não seria submetido a qualquer referendo (com a excepção irlandesa, por razões constitucionais mas que nunca atrapalhará), então é altura de os cidadãos lhes exigirem o que prometeram. Em primeiro lugar, uma economia mais eficiente e competitiva. Em segundo lugar, uma voz no palco do mundo.
Veremos se isso vai acontecer, mas é de crer que, após o fracasso clamoroso (e inevitável, reconheça-se) da utópica "estratégia de Lisboa", as novas soluções emperrem onde costumam emperrar: na má vontade dos cidadãos. Na sua oposição a políticas que têm dificuldade em compreender e que os seus líderes, de forma cobarde, lhes apresentam muitas vezes como resultantes do "diktat" de Bruxelas e não da vontade própria.
Mais: no domínio da política externa, essencial para que a Europa deixe de ser o "anão político" de que falam os seus defensores mais entusiastas, nada de verdadeiramente substancial mudou. Talvez passe a haver o tal número de telefone para Kissinger telefonar quando quiser conhecer a posição da União, mas é pouco provável que toque muitas vezes. Ontem de manhã, aos microfones da Renascença, Loureiro dos Santos referia que nada podia mudar para melhor enquanto os países europeus não entenderem que têm de investir mais nas suas Forças Armadas. Nada indica que tal aconteça e os opting-outs do Reino Unido mostram que único exército europeu preparado para missões difíceis continuará a seguir o que em Londres se considerar prioritário, não o que for decidido em Bruxelas.
Uma Europa que não se entende sobre Mugabe, sobre o Kosovo, sobre a Turquia, sobre o Médio Oriente, sobre a posição face a Putin, não passará a entender-se só porque possui novos mecanismos de decisão. Pior: uma maior fluidez de processos, deixando para trás o princípio fundador do consenso, arrisca-se a alienar ainda mais as opiniões públicas que têm, sobre qualquer daqueles temas, sensibilidades bem diversas.
Assumindo correr o risco de ser cínico, esperemos que o ambiente de festa que se terá ontem respirado no Parque das Nações não represente apenas o costume: safámo-nos desta. E que o Tratado de Lisboa tenha melhor sorte do que a "Estratégia de Lisboa".
Vale a pena, quando nada limita a nossa liberdade de pensar, ser cínico. Quando, há poucas semanas, falou ao PÚBLICO, Peter Sutherland, antigo comissário europeu, disse alto o que pensam os líderes europeus. Primeiro, que "ter 28 países a fazer um referendo num tratado destes sem nenhum preço a pagar por dizer não significaria paralisar a Europa"; segundo, que uma vez aprovado o tratado nos parlamentos, passará a ser possível fazer a pergunta da chantagem, isto é, cada país poderá "perguntar à sua população se quer continuar ou sair" da União Europeia.
Sócrates, que nem sequer teve a frontalidade de dizer que não tenciona convocar um referendo (será que não percebe que todos conhecem o acordo dos líderes?, será que não entende que ninguém acredita que só se pode decidir depois de o Tratado ser assinado nos Jerónimos, a 13 de Dezembro?), pensa exactamente o mesmo que Sutherland. E, se não for o mesmo, é porque talvez até dispensasse os parlamentos da formalidade da ratificação.
Contudo a verdade é que, com ou sem referendo, aquilo que os portugueses exigem de Sócrates e do líder da oposição, Luís Filipe Menezes (que ao menos já disse o que pensava sobre o referendo), é que lhes expliquem o que, como pequeno país, ganhámos num acordo que é desfavorável aos pequenos países. Um acordo que retira poderes da Comissão Europeia (o habitual "advogado" dos pequenos) para os entregar a um Conselho e a um Parlamento Europeu onde o peso dos grandes será muito maior do que é hoje. Um acordo que agravou a falta de mecanismos de "freios e contrapesos" no processo de tomada de decisões. Um acordo que tornará impossível "flores" como a do belo "Tratado de Lisboa", pois com o fim das presidências rotativas tudo se centrará, ainda mais, em Bruxelas.
Por isso, na linha do mesmo cinismo de Sutherland, só resta dizer: "Porreiro, pá!" É que, afinal, ficámos os dois na fotografia. Eu, José Sócrates, e tu, Durão Barroso. Dois portugueses. O Mourinho, o Ronaldo e o Figo já não são os nossos únicos heróis.
"Porreiro, pá..."
José Manuel Fernandes, JP 20.10.07
<< Home