sexta-feira, novembro 23, 2007

A OM não vai alterar o CD


«Ataque à autonomia dos médicos»

A Ordem dos Médicos (OM) não vai alterar o Código Deontológico (CD). É esta a resposta ao Ministério da Saúde (MS), que deu 30 dias à OM para que iniciasse o processo de alteração daquele código, com vista a ajustá-lo à lei, modificada pelo resultado do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez.

No último dia do prazo (15.11.07) o bastonário chamou os jornalistas para dar conta da decisão tomada pelo Conselho Nacional Executivo (CNE), com base no parecer dos serviços jurídicos da OM, do Provedor de Justiça e depois de ouvidos outros juristas. O órgão executivo da Ordem concluiu que o CD não tem de ser alterado, exactamente porque este, como qualquer regulamento, está sujeito à lei geral do País. «Havendo incompatibilidades entre um regulamento e a lei, é nosso entender que nos pontos em que isso acontece o regulamento não se aplica», argumentou o bastonário. Pedro Nunes não exclui a hipótese de os médicos virem a alterar o seu CD, mas não agora e muito menos por estas razões. «A atitude do Ministério da Saúde é uma violentação inominável da autonomia dos médicos e revela uma enorme arrogância, que naturalmente porá em causa as relações entre a Ordem e o Ministério», frisou. Para o dirigente, a questão não se resume ao aborto, trata-se, sim, de um ataque aos médicos e à sua autonomia, pelo que o CNE está pronto para enfrentar a tutela em tribunal, se for o caso. «A ética dos médicos não está à venda nem à mercê de qualquer partido ou ministério», sublinhou. Na conferência de Imprensa, Pedro Nunes alegou que com a manutenção do artigo que condena o aborto a OM pretende assinalar que o valor da vida é um ponto central. Além disso, frisou que a «Ordem não está a aconselhar os médicos a desrespeitar a lei», rejeitando assim a acusação que a atitude tomada é uma «teimosia».
Entretanto, o MS já fez saber que, perante a recusa da OM, vai apresentar uma queixa ao Ministério Público.

Novas regras para a Anestesiologia

O bastonário revelou ainda que o CNE aprovou um regulamento, no qual determina que um anestesiologista deve acompanhar, «em presença física», apenas um doente de cada vez, excepção feita aos casos de emergência. E, como lembrou o bastonário, «este regulamento será de cumprimento obrigatório por parte de todos os serviços».

Coincidências e intenções ocultas

Durante a conferência de Imprensa, Pedro Nunes voltou a lembrar que já está em preparação um projecto de alteração do CD, elaborado pela conselho consultivo de ética e deontologia da OM, que deverá ser colocado à consideração dos médicos em Janeiro do próximo ano, depois de passado o processo eleitoral. Quanto aos artigos que vão ser objecto de alteração, o bastonário sublinha que isso dependerá exclusivamente dos médicos. Por isso, o responsável considera «estranho que um Governo democrático tenha a pretensão de querer alterar as regras de conduta moral e ética de um grupo profissional apenas com o argumento de que a lei foi alterada».

Pedro Nunes insistiu em colocar a questão no plano ético e em afastar o referendo ao aborto desta questão. «A OM não está a aconselhar os médicos a não cumprir a lei, está a dizer que, do ponto de vista da ética, a vida é um valor primeiro e não negociável, como não é negociável a autonomia dos médicos», sublinhou.
O bastonário considera que a posição do ministro Correia de Campos é «indevida» e «inútil», uma vez que OM se terá já comprometido a não punir nenhum médico que faça um aborto nos termos da lei. E conclui que a atitude do governante só pode ter outras intenções: «Ou fazer uma demonstração espúria de poder» ou «querer distrair a opinião pública por eventualmente ter tomado medidas prejudiciais para o País».

Já Fernando Gomes fez questão de lembrar uma interessante coincidência. Segundo o dirigente do Conselho Regional do Centro (CRC), o ministro da Saúde interpelou a OM sobre este assunto já em Junho último, altura em que a Ordem terá respondido que o CD iria merecer a «ponderação e decisão dos órgãos próprios da instituição». E foi a 17 de Outubro, enquanto decorria uma sessão sobre o controlo electrónico da assiduidade com a ex-ministra da Saúde, Manuela Arcanjo, que Correia de Campos decidiu chamar de urgência o bastonário ao seu gabinete para lhe dar conta da necessidade de alteração do CD. Conclusão, diz Fernando Gomes: «Curiosamente, no dia seguinte as notícias que eram manchete nos matutinos não eram as das críticas da medida considerada populista pela professora Manuela Arcanjo, mas exactamente esta questão».
De resto, a direcção da OM ressalta que não foi a instituição que iniciou a contenda e que nada estaria a fazer se não defendesse a autonomia dos seus profissionais. «O CD é a consciência colectiva de uma classe profissional», acrescentou José Manuel Silva. O presidente do CRC alega que os fundamentos desta polémica não são sequer compreensíveis, uma vez que o CD já prevê, no seu artigo 3.º, a prevalência da lei sobre os princípios, quando há conflituosidade.

Posições contra

As reacções à decisão da OM não se fizeram esperar e vieram da própria classe. No mesmo dia, o Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto emitiu um comunicando para reafirmar a sua posição, várias vezes assumida pela voz de Rui Nunes, no sentido da alteração do CD. «Reitera-se a necessidade de adequar este código aos novos valores sociais e à nova ética médica, não por imposição do Ministério da Saúde, mas devido ao imperativo de adequar a deontologia médica ao sentir preponderante desta classe profissional», lê-se no referido comunicado.
Os dois candidatos a bastonário, Carlos Silva Santos e Miguel Leão, também reiteraram a sua posição, de resto já noticiada pelo nosso jornal (ver suplemento Eleições 2007 da edição de 29 de Outubro). Ambos defendem a alteração do CD, mas discordam da interferência do Ministério numa esfera de competência da Ordem.

Novas regras para a Anestesiologia

O bastonário revelou ainda que o CNE aprovou um regulamento, no qual determina que um anestesiologista deve acompanhar, «em presença física», apenas um doente de cada vez, excepção feita aos casos de emergência. E, como lembrou o bastonário, «este regulamento será de cumprimento obrigatório por parte de todos os serviços».
TM, 1.º caderno, 19.11.07