quarta-feira, dezembro 12, 2007

Mobilidade Especial


Sollari Allegro renitente em colocar funcionários no regime de mobilidade
«Acho que não tenho pessoal a mais»


O ex-presidente do extinto conselho de administração do Hospital Geral de Santo António (HGSA) e agora em cargo similar no Centro Hospitalar do Porto diz que dificilmente poderá «dispensar» funcionários ao abrigo do regime de mobilidade especial. E reclama que a formação dos internos seja paga pela ACSS e não pelos hospitais.
«Tempo Medicina»Já tem a lista de funcionários que vão ser colocados no regime de mobilidade especial?
Sollari Allegro — Não, o pessoal dos recursos humanos está a trabalhar nisso. Não sei bem qual é a situação. O que sei é que dificilmente podemos cumprir o que vem no despacho: não consigo ter só 25% de administrativos e auxiliares. É completamente impossível.

«TM»Mas este rácio não foi fixado para evitar demasiadas dispensas do lado do pessoal auxiliar e assim «poupar» nas do pessoal médico e de enfermagem? Ou a sua leitura é diferente?
SA — A minha leitura é que 25% é o limiar máximo para administrativos e auxiliares, e não consigo viver com isso.

«TM»Não tem ideia de quantos funcionários o HGSA poderá dispensar?
SA
— Não sei, nem sei se temos de dispensar algum. O pessoal está cá para trabalhar e se preciso dele não o vou dispensar. Não se podem pedir duas coisas ao mesmo tempo: ou produzo aquilo a que me comprometi, e para isso preciso das pessoas, ou não produzo o que prometi e dispenso-as. É evidente que acho que não tenho pessoal a mais.

«TM»Com a constituição do Centro Hospitalar do Porto, vai haver necessariamente fusão de serviços…
SA — Sim, provavelmente haverá. Nesta fase não, porque vamos tentar manter as coisas a funcionar. À medida que formos resolvendo os problemas e construindo o centro materno-infantil, aí já os juntamos todos. Tem de haver fusão, porque não pode existir duplicação dos serviços.

«TM»A ideia da junção tem a ver com melhor gestão das camas ou o grande objectivo é poupar em pessoal?
SA — O objectivo não é poupar em pessoal, é racionalizar. O nosso projecto até 2010 é reduzir os quadros em 100 pessoas. Foi isso que a tutela aprovou e nós trabalhamos em função daquilo que acordámos com a tutela.

«TM»Então os vossos «dispensáveis» já estavam contratualizados?
SA — Fizemos um plano de negócios a três anos, portanto o que vamos cumprir é o que nos propusemos e que a tutela aprovou. Não vou fazer uma coisa especial, a não ser que me dêem instruções diferentes.

«TM»Não encara a lei da mobilidade como uma instrução diferente?
SA — Terão de mo dizer especificamente. Então eu tenho um plano de negócios e agora há outra regra? Não sei se posso usar outra regra. O regime de mobilidade especial poderá servir como adicional para resolver situações que, de outro modo, não conseguiria resolver.

ACSS deve pagar formação dos internos

«TM»Na avaliação aos hospitais EPE, um dos critérios em que o HGSA apresentou uma execução menos favorável foi nos gastos com pessoal. Significa que tem mesmo de haver um corte nesta área?
SA — Até nem nos portámos muito mal nesse campo. É muito difícil manter um valor zero quando colocam cá pessoas que não pedimos, como sejam internos de especialidade. Como é que me podem depois pedir um aumento de zero nos custos com pessoal? É muito difícil cumprir essa exigência quando não sei exactamente quantas pessoas vão entrar aqui em 2008. E por cada médico que entra são mais 30 mil euros/ano.

«TM»É difícil compatibilizar a formação com o funcionamento de um hospital EPE?
SA — Não, não é difícil. Até seria fácil: diziam-me «vocês aceitam os internos para que têm capacidade formativa e a ACSS [Administração Central do Sistema de Saúde] paga». E fazia-se a formação de 60 por ano. Agora se somos nós a pagar tenho de saber quantos vão entrar, porque depois pedem-me responsabilidades pelos gastos, além de me pedirem responsabilidades pela qualidade da formação.

Centro Hospitalar do Porto trará mais eficiência

«TM»O Centro Hospitalar do Porto (CHP) já está a funcionar desde 8 de Outubro [esta entrevista foi concedida três dias depois]. O que é que muda na vida das três instituições?
SA — Para já, não vai mudar nada. Sou contra mudanças revolucionárias porque isso só serve para as coisas deixarem de funcionar. Hoje aprovámos a constituição de um conselho de gestão na Maternidade de Júlio Dinis e no Hospital de Maria Pia, para manter em funcionamento as duas instituições até o CHP amadurecer e constituirmos uma estrutura organizativa definitiva.

«TM»Esta fusão vai desequilibrar as contas?
SA — O que está previsto no plano de negócios é que, no primeiro ano, tenhamos um saldo negativo de 19 milhões de euros, sete no segundo ano e a partir do terceiro ano [em 2010] as contas voltam a estar equilibradas.

«TM»O que espera de novo, em termos assistenciais e de desempenho, com o CHP?
SA
— Mais eficiência. Com os mesmos recursos, fazer mais, e com os conhecimentos que advêm destas instituições, conseguir um melhor nível de formação profissional em todas as áreas. Em terceiro lugar, espero aumentar a segurança dos doentes. No fundo, os custos unitários por doente descem porque há maior eficiência. Obtêm-se ganhos em saúde de duas maneiras: com custos mais baixos e qualidade aumentada.

«TM»Foi nomeado para presidir ao conselho de administração do CHP. Iria sentir-se bem se tivesse sido outro o escolhido?
SA
— Depende da pessoa. Ninguém é insubstituível. Tinha pena, porque tenho um projecto — a construção do centro de Cirurgia de ambulatório, a remodelação do hospital —, tudo coisas que já alimentamos há vários anos e não as concluir era frustrante. Mas sei que um dia o meu mandato vai acabar e isso não é nenhuma tragédia.

«TM»Está na administração do HGSA desde 2000, portanto conheceu os três modelos de gestão: SA [director clínico], SPA e agora EPE. Qual é o melhor?
SA — Entre SA e EPE não acho que haja diferença nenhuma. O modelo SA trouxe duas coisas fundamentais: competição — nenhum sistema funciona se não houver competição — e negociação, que nos permitiu reduzir muito os custos da aquisição. Por outro lado, a competição levou-nos a ser mais exaustivos na medição do que fazemos, no cálculo dos custos, na produção. Foram essas as grandes vantagens do sistema SA e agora do EPE.
Mas gostava que houvesse maior competição. Competir também com os privados.

«Ponto» não aumenta a produção

«TM»Como foi a reacção ao «ponto»?
SA — Começámos agora em seis serviços e até ao fim do ano vamos generalizar a toda a instituição. Fomos mesmo obrigados a isso. A reacção cara a cara foi pouca, mas há alguma resistência passiva. Pessoas que se esquecem de marcar e depois vêm justificar a ausência, mas já contávamos com isso.

«TM»Esta resistência poderá levar à diminuição da produtividade?
SA — A produção não vai aumentar por causa de marcar o ponto. Acho que alguns médicos que têm alternativa, se forem obrigados a cumprir com rigor o horário vão embora, mas não serão tantos como ouvi dizer. Alguns sectores de médicos que têm uma clínica privada forte podem não estar para cumprir com rigor o horário que lhes é pago e achar que não vale a pena trabalhar nessas circunstâncias.

«TM»Então alguns não cumpriam o horário?
SA — Em teoria cumpriam, na prática, se calhar não. Porque nós controlamos a produção dos médicos e se a produção diminuir chamamos o médico e perguntamos-lhe o que se passa. O controlo é feito não pelo horário mas pela actividade.

Falta de oftalmologistas resolve-se com optometristas

«TM»Também no HGSA, é na Oftalmologia que há um maior défice de médicos…
SA — A Oftalmologia está numa fase de transformação. Passou a ser uma especialidade de ambulatório e tem a desvantagem de ser uma actividade muito continuada, muito rápida e nem toda a gente acompanhou essa transformação. Não temos propriamente falta de oftalmologistas, temos 22 e eles fazem milhares de consultas e quase seis mil cirurgias/ano.
Em Portugal há muita coisa que o oftalmologista faz e não devia fazer. Receitar óculos: a refracção não é um problema que originalmente seja dos oftalmologistas, é dos técnicos de Oftalmologia, e os nossos oftalmologistas fazem muitas tarefas que são dos optometristas e não gostam que contratemos outros profissionais para fazer essas tarefas. Toda a refracção, com excepção de patologia mais grave, devia ser feita por optometristas, porque até aquelas «maquinetas» fazem isso.

«TM»Então não concorda com o ministro quando diz que é preciso contratar oftalmologistas estrangeiros para suprir a falta que temos desses especialistas?
SA — Para já, tinha de ter a certeza de que há falta de oftalmologistas em Portugal, e não sei se há… Acho que é uma questão de preço.

Relações pessoais facilitam gestão

«TM»Sente-se satisfeito com o trabalho desenvolvido até agora?
SA — Sinto. Poderíamos ter feito mais mas é sempre assim, nunca estou completamente satisfeito. Há paz social no hospital, não prejudicámos ninguém, tentámos que o hospital funcione melhor, aumentámos a acessibilidade, melhorámos as instalações. Não está tudo feito, mas felizmente que não, assim temos que fazer nos próximos anos.

«TM»Estes resultados têm só a ver com o factor tempo ou há uma empatia especial consigo por ser médico?
SA — É evidente que há, porque eu sou uma pessoa da casa. Conhecem-me todos, vários deles trabalharam comigo e se digo que é assim é porque é assim, porque eu não lhes vou mentir. Não é meu costume. Mas não é por ser médico, é por ser da casa. A vantagem de ser médico tem a ver com o facto de estarmos a tratar doentes. É mais fácil para quem está no «negócio».

«TM»O próximo objectivo é ser ministro da Saúde?
SA
— Não, eu não sou político, sou politizado, mas não sou político, sou conselheiro para a área da Saúde [do CDS/PP]. Sou cidadão, tenho opções políticas que nunca escondi a ninguém, mas tanto administro com um ministro socialista como com um ministro do PSD, do PP, desde que não me ofendam pessoalmente. Estabelecem as regras do jogo e eu cumpro, quando elas não me servirem, vou embora.

«Este ministro entende de Saúde»

«TM»Enquanto presidente do CA trabalhou com dois ministros, Luís Filipe Pereira e agora Correia de Campos. Nota grandes diferenças?
SA — Podem achar que é graxa ao dr. Correia de Campos, mas gosto de trabalhar com este ministro porque entende de Saúde. É muito difícil trabalhar com pessoas exteriores ao sistema, porque não sabem de Saúde e muitas das decisões que tomam são casuísticas. Este ministro e os secretários de Estado são pessoas do sistema e entendem o que estamos a dizer. Discuti muito com pessoas que não faziam a mínima ideia do que estavam a fazer e tomavam decisões que eram casuísticas.

«TM»Está a falar de Luís Filipe Pereira?
SA
— O dr. Luís Filipe Pereira é uma pessoa muito inteligente, é um gestor mas sabe muito pouco de Saúde, portanto dependia muito das informações que lhe davam. E muitas vezes as decisões que tomava não eram as mais racionais. Eram mais influenciadas por razões políticas, ou outras. Para quem está no terreno é um bocado desagradável, porque não sabe o que vai passar-se a seguir. Gerir é escolher e prever. E a previsão era um bocado difícil porque as políticas eram sempre muito casuísticas. Mas tomou uma medida corajosa ao empresarializar 30 hospitais de uma vez só. Também fez uma boa política de genéricos.

Alert P1 complicado

«TM» Há uns tempos queixou-se da ineficácia do Alert P1. Como é que estão as coisas agora?
SA — Não tenho notícias recentes. As últimas que tive eram péssimas, não tinham resolvido problema nenhum e continua a dar muitos incómodos. Continuam a vir [os doentes] sem informação clínica e nós precisamos disso para decidir a prioridade dos doentes na consulta.

«TM»Mas a ideia do Alert P1 era, exactamente, simplificar o processo de marcação das consultas…
SA — Os processos continuam a vir incompletos porque os centros de saúde, de uma maneira geral, não têm meios informáticos para enviar os exames e a informação complementar relativa ao doente. Quando se criou o Alert P1 tinha de se pensar nisto tudo, eu não posso pedir uma consulta sem mandar elementos clínicos porque são eles que permitem priorizar os doentes.

Indústria trava genéricos

«TM»Aplaudiu a política dos genéricos, mas a verdade é que a sua implementação não tem tido o sucesso esperado. Na sua opinião, porquê?
SA — Em Portugal, a Indústria tem muita força e tem feito resistência à implementação dos genéricos. E a Ordem dos Médicos defendeu uma posição contra os genéricos que não é muito racional. O que os médicos precisam é de receitar princípios activos. Não preciso de saber se estou a receitar um medicamento de um laboratório ou de outro. Ao médico isso não interessa rigorosamente nada.

«TM»A Ordem ainda vai a tempo de mudar de política?
SA — Penso que sim. Os genéricos são um bem que se faz à sociedade. Compra-se o mesmo produto por um preço mais vantajoso. O Estado gasta menos e o cidadão também. Não nos podemos esquecer de que Portugal tem uma das percentagens mais elevadas de gastos com a Saúde na Europa e uma parte substancial desses gastos é com medicamentos. Não faz sentido fazer marcha-atrás no uso de genéricos.

Competir com o sector privado

«TM»O que gostaria de fazer mais para competir com o sector privado?
SA
— Gostaria de poder investir nos sectores em que achasse interessante investir e de poder resolver certos problemas de custos com os quais «levo em cima» e dos quais dificilmente aceitarei ser responsável.

«TM»Deixar essa escolha nas mãos dos CA pode ser perigoso. Podem optar por investir apenas nas áreas mais lucrativas...
SA
— Não, ao contratualizar negociamos e quem negoceia comigo tem de apresentar as alternativas. Gostava que o sistema tivesse mais competição porque é assim que melhora. É claro que essa competição leva sempre a um excesso de capacidade instalada e depois teríamos de disputar a clientela dentro do sistema, mas era do que eu gostava.

«TM»A empresarialização da Saúde pode, facilmente, conduzir a fenómenos de selecção adversa dos doentes. Já há casos identificados. Como é que se resolve?
SA - Negociando contratos-programas, e quem fizer selecção adversa é penalizado financeiramente

«TM» E como é que isso se identifica?
SA
— Se eu tenho um serviço de Oncologia que vê 400 novos doentes/ano e só faço quimioterapia em 50, é esquisito. Quem vê os doentes e depois não os trata alguma coisa de estranho se passa. Não estou a dizer que é directo nem fácil, mas é exequível fazer controlo da selecção adversa.
TM 1.º caderno, 22.10.07

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