sexta-feira, setembro 21, 2007

CC, Entrevista Acção Socialista

“O nosso sistema de saúde é dos melhores do mundo”

Com o actual Governo a prestação dos serviços públicos de saúde obteve ganhos tão elevados e uma cobertura tão generosa como nunca antes se verificou.
Em entrevista ao “Acção Socialista”, Correia de Campos confirma que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) assegura actualmente préstimos que não consagrava e a custos substancialmente mais reduzidos quer para os utentes, quer para o Estado.
Segundo o ministro da Saúde, o objectivo do Governo sempre foi o de evitar o descontrolo financeiro e o consequente colapso do SNS, cenário que na sua perspectiva só iria favorecer o sector privado.

Rui Solano de Almeida

O socialista António Arnaut, considerado por muitos como o “pai” do Serviço Nacional de Saúde, dizia há poucas semanas, numa entrevista a um jornal nacional, que o actual Governo estava a matar o Serviço Nacional de Saúde.
Sente-se o responsável pela extinção do SNS ou estaremos, porventura, perante uma análise política pouco sustentada?
Sou há muitos anos amigo do António Arnaut. Fui, aliás, um dos seus colaboradores à época em que ele teve responsabilidades governativas. Tenho por ele o maior respeito e amizade. Trata-se contudo de uma pessoa pouco disponível para rever ideias feitas, à luz de novos dados. Tenho-lhe facultado, durante as várias conversas que temos tido, toda a informação necessária. Caso ele a tivesse lido e estudado com atenção, facilmente reconheceria que o compromisso público na saúde, actualmente e com este Governo, em particular, é o maior de sempre.
O Estado gasta, presentemente, na saúde algo que nunca gastou, tanto em termos absolutos, como relativos. Esta não é uma presunção minha, mas antes um facto comprovado pelos números.
Há cerca de vinte anos, segundo dados da OCDE, a parte privada (família) contribuía para o SNS com cerca de 44 por cento das despesas totais e o Estado punha o restante. Hoje, o panorama apresenta um quadro substancialmente inverso e os encargos das famílias não ultrapassarão os 28 por cento (2004). Nota-se, portanto, uma crescente responsabilização do Estado face às suas obrigações de financiamento público do sector da saúde. E se é verdade que sempre que a direita assume responsabilidades governativas, o Estado baixa o financiamento público na saúde, também está demonstrado que sempre que a esquerda é eleita para governar o país, o SNS volta a beneficiar de um maior esforço público. Ora poucos governos, desde o 25 de Abril de 1974, e sobre isto não tenho qualquer dúvida, canalizaram tanto investimento público para a saúde como o actual.

Então, a acusação segundo a qual este Governo está a entregar a saúde de mão beijada aos privados, descapitalizando o SNS, não lhe merece nenhuma credibilidade?
Absolutamente nenhuma. Não fora a gestão criteriosa que estamos a empreender no SNS, gastando melhor, sem todavia gastar menos, ele estaria a ser destruído, algo que jamais permitiremos, porque tanto para o Governo, como para mim ele é e vai continuar a ser uma das nossas mais importantes bandeiras políticas.
Tenho a certeza de que, a acontecer um descontrolo do SNS, algo, repito, que nunca iremos permitir que aconteça, só serviria os interesses dos que apostam nas insuficiências do sector público. O que posso garantir aos portugueses é que com este Governo o SNS será uma instituição ainda mais forte, segura e sempre ao serviço da população.

Quando fala numa gestão criteriosa quer dizer exactamente o quê?
Alguns exemplos: não permitir que existam horas extraordinárias em excesso. E neste particular, quero sublinhar que detectamos a prática corrente de horas extraordinárias que não se justificavam em absoluto. Perfaziam mesmo, na nossa opinião, um perfeito abuso.
Hoje sabemos e temos informação objectiva, de que havia médicos escalados para horas extraordinárias que nem sequer punham os pés no hospital. E não foram dois ou três ou quatro os casos que detectámos. Era algo que se estava a tornar banal. Hoje existe controlo sobre o trabalho extraordinário. Aqui temos já um primeiro ponto a favor de uma gestão mais apertada e mais rigorosa com ganhos evidentes, quer para utentes, quer para o Estado.
Por outro lado, deparamo-nos também com uma preocupante permissividade em relação aos recrutamentos, sobretudo aqueles que eram abertos de três em três meses, já que não havendo quaisquer requisitos para esse recrutamento, recorria-se, como norma, a conhecidos, amigos ou a familiares. Esta prática não é adequada numa sociedade democrática e tivemos que acabar com ela. Aqui está mais uma medida que concorre para ajudar a melhorar a gestão e a baixar as despesas.
Também em relação à política do medicamento não tenho dúvidas que temos vindo a desenvolver um trabalho de interesse público.
Nenhum Governo baixou, em dois anos sucessivos, 6 por cento do custo do preço dos medicamentos de venda a público como nós fizemos, e isto tanto em 2005 como também já este ano de 2007. Nunca tinha sido feito por Governo algum.

Mas se esta última medida, por exemplo, é considerada por todos como uma boa iniciativa do seu Ministério, importa saber se ela implicou algumas cedências do Governo aos interesses dos laboratórios ou à Associação das Farmácias.
Não houve qualquer cedência ou qualquer tipo de compensações para se poder ter atingido este objectivo, que hoje representa já uma realidade. Nem sempre o que se ouve coincide com a verdade e profetas da desgraça sempre houve. Temos que saber viver com essa realidade.
O que se passou foi algo de muito mais simples e transparente: o Governo foi firme e intransigente nos seus propósitos e na sua vontade no sentido de avançar com estas e outras medidas que se traduzem hoje num efectivo corte das despesas públicas com a saúde, como os inerentes benefícios para os utentes. Os parceiros sociais compreenderam a nossa razão e determinação.

E todos estes resultados foram alcançados depois de negociações ou foram medidas impostas de forma unilateral?
Este Ministério desde que tomou posse, há cerca de dois anos e meio, nunca avançou para nenhuma decisão sem antes ouvir todas as partes. Naturalmente que ouvimos e negociamos com os diversos parceiros também sobre este assunto, não deixando contudo de ser firmes.
O resultado prático está hoje à vista de todos. Pela primeira vez, em mais de 30 anos, fomos capazes de reduzir o preço dos medicamentos.
É claro que foi necessário proceder-se também a pequenos ajustamentos nas comparticipações que passaram de 70 para 69 pontos percentuais, nuns casos é de 40 para 37 ou de 25 para 20 por cento, noutros casos. Já no primeiro ano de entrada em vigor desta medida tínhamos reduzido de 100 para os 95 por cento, excepto nos chamados medicamento de sustentação de vida que se mantêm totalmente gratuitos para os utentes.

Mas num país onde existe ainda uma faixa alargada de população com parcos recursos financeiros, nomeadamente no escalão dos reformados, não será estar-lhes a pedir um esforço acrescido?
Não, e por uma razão simples. Porque para esse estracto socioeconómico o Governo aprovou, já este ano, um novo decreto-lei dirigido aos idosos realmente pobres, os beneficiários que têm rendimento abaixo do limiar dos 360 euros de pensão mensal. Para esses criámos um sistema especial de comparticipação de 50 por cento da parte não comparticipada. Algo que também não existia. Como também não existia a comparticipação, que passou a haver, quer para as próteses auditivas, oculares e dentárias.

E trata-se de um processo fácil para os beneficiários, de forma a poderem ser reembolsados rapidamente, ou terão que esperar meses ou anos como era norma nestes casos?
Neste momento já é um processo muito fácil e desburocratizado. Não vão ter que esperar muito tempo. O sistema está, aliás, articulado com a Segurança Social, através do complemento solidário de pensão. Conhece-se o número dos beneficiários que se podem enquadrar neste novo sistema, cerca de 35 mil, com tendência a subir, razão por que tenho a certeza que não vão haver problemas de morosidade nos reembolsos.
O que pretendemos, neste como nos restantes casos relacionados com a política de saúde, é sermos o mais possível selectivos. Não podemos dar tudo a todos. Tudo, só àqueles que efectivamente precisam e que não dispõem de meios económicos suficientes. Para esses o Estado tem de ter uma preocupação acrescida e terá sempre de responder presente.

Tudo a todos não é mesmo possível?
Claro que não. Era aliás altamente injusto que assim fosse. As famílias da classe média alta e alta têm, como todas as outras, o mesmo benefício, por exemplo, em relação à política do medicamento, mas já têm que pagar as taxas moderadoras das quais está isenta cerca de 55 por cento da população pertencentes aos grupos etários, sociais ou epidemiológicos que têm necessidade de protecção.

O Governo tem vindo a ser acusado pelos partidos à esquerda do PS de estar a privatizar a saúde. Há alguma verdade nesta tese?
A oposição tem sempre todo o direito de dizer o que lhe vier à cabeça. Mas tanto neste particular como na maioria das críticas que nos têm vindo a fazer, não tenho vislumbrado nenhuma razão substantiva para nos desviarmos do caminho que traçámos.
Nem este nem nenhum Governo anterior alguma vez dispuseram da possibilidade legal de evitar ou de proibir que a iniciativa privada abra uma unidade hospitalar, uma clínica ou qualquer outro estabelecimento ligado à saúde.
Temos uma economia aberta, mesmo que isso custe a algumas pessoas ou a alguns partidos políticos. O que eu fiz, enquanto ministro da Saúde, foi evitar a deterioração do SNS. E penso que o estamos a conseguir com sucesso.

O SNS continua, portanto, como uma prioridade para este Governo?
Alguns actores económicos alimentaram, porventura, a esperança que o SNS entrasse em colapso para que a partir daí lhes fosse fácil erguer, sobre os seus escombros, um sistema privado obrigando ou coagindo o Estado a celebrar com eles as necessárias convenções.
Este modelo, que esteve implícito em declarações públicas de alguns empresários, sempre mereceu da minha parte e da parte deste Governo uma frontal oposição.
Tive já aliás oportunidade, a este propósito, de afirmar publicamente que o sistema privado de saúde é em Portugal, tal como determina a Constituição, supletivo em relação ao serviço público e não, como alguns querem fazer crer, alternativo.

Há notícias que relatam a saída de um número significativo de médicos do SNS. O que se passa a este propósito?
São notícias que não só não correspondem à verdade, e as estatísticas provam-no, como tem sido exactamente o contrário que se tem verificado.
Ao todo foram 11 os médicos que abandonaram um dos grandes hospitais do Serviço Nacional de Saúde, poucos, muito pouco, portanto, em todo o país.
Em contrapartida há centenas de outros que todos os anos entram no sistema público.
O meu desejo é que todos aqueles que de facto têm intenção de sair o façam o mais depressa possível. Outros tomarão o seu lugar, pois há excelentes profissionais, em segunda linha, à espera de uma oportunidade.

Mas uma eventual sangria de médicos veteranos pode ou não criar alguns problemas ao sistema?
Pelo contrário. Pode até ser uma excelente solução. Não na perspectiva de uma sangria, uma vez que não há nem vai haver nenhuma saída em massa de médicos ou de outros profissionais de saúde do serviço público. O que é importante é que os profissionais que querem por vontade própria abandonar o SNS o façam se sentirem mais satisfação no privado que no público. Não podemos é estar constantemente a tentar gerir conflitos de interesse público-privados, que não ajudam em nada a estabilizar o SNS.

Mas a saída verificada até agora é ou não significativa?
Não, não é de todo sequer significativa. A este propósito o que eu penso é que os poucos que saíram ou os que entretanto já manifestaram interesse em sair do serviço público, estarão de volta dentro de dois anos. Não tenho sobre isso muitas dúvidas. É claro que se trata de matéria de fé, mas é a minha convicção.
O facto é que o SNS dispõe de excelentes profissionais com as mais diversas idades e é sobretudo isto que importa realçar e sublinhar.

Os dados que dispõe mostram que existe um aumento da qualidade dos serviços?
Os dados que existem, e que são do conhecimento público, mostram que os hospitais estão a prestar mais consultas, a oferecer internamentos de maior complexidade, um maior número de cuidados médicos, a praticar mais cirurgias de dia, garantindo sempre o crescimento da cirurgia programada e de urgência. As listas de espera, por outro lado, estão a diminuir como não se pensava possível, assim como os centros de saúde estão igualmente a dispensar melhores serviços, aumentando sempre o número das consultas prestadas.
Ora, perante esta realidade, facilmente comprovada pelos dados existentes, não se percebe como é que alguém, pode afirmar de forma leviana que os níveis de qualidade da saúde em Portugal estão a baixar, quando as estatísticas nos dizem que todos os indicadores estão a melhorar desde a mortalidade infantil, área em que nos posicionamos como um dos países mais desenvolvido do mundo, à mortalidade por cancro e por doenças cardiovasculares, apesar de alguns problemas aqui e ali.

E o que nos falta para termos uma grande saúde em Portugal?
Mas nós temos uma grande saúde em Portugal. E temos também um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Somos, por exemplo, o sexto país no planeta com a taxa mais baixa de mortalidade infantil, e isto num universo de quase 200 países. E de entre estes, há 30 no quadro da OCDE que são os mais ricos, e nós estamos em sexto lugar. A nossa esperança de vida, outro dos indicadores importantes para se avaliar a qualidade da saúde de um povo, tem vindo a aumentar constantemente e continuará a crescer.
Por outro lado, o nosso SNS começa a ser dos mais consistentes e sustentados do mundo, apesar dos erros cometidos ao longo do tempo e de alguns objectivos ainda não terem sido alcançados, tal como desejávamos, como é o caso, por exemplo, dos relacionados com a saúde dentária, sector onde aliás estamos já a dar os primeiros passos e com resultados excelentes, sobretudo ao nível dos serviços prestados aos mais pequenos entre os três e os cinco anos de idade e às grávidas.
É por isso que não entendo as críticas, sobretudo aquelas que têm origem em camaradas socialistas, que, recusando ser informados, se prestam ao papel lamentável de serem a caixa de ressonância dos partidos da oposição.
Temos, e disso tenho plena consciência, um longo caminho a percorrer, mas daí a dizer-se que este ministro da Saúde e este Governo estão a matar o Serviço Nacional de Saúde, para além de ser uma enorme injustiça, porque todos os indicadores nos dizem exactamente o contrário, é uma grande mentira que fica mal a quem a profere.
Acção Socialista, edição 1289 de 17.09.07

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