Assim comia Descartes
O apetite do Estado raramente se deixou direccionar pela racionalidade da reflexão estratégica. Ficou obeso.
Descartes foi o filósofo que esteve mais perto de conseguir resolver o dilema humano entre o sentimento de culpa e a obesidade. Conforme sugerido por Woody Allen na sua mais recente obra (Pura Anarquia, pp. 134), ao estabelecer a divisão entre o corpo e a mente, Descartes legou-nos a possibilidade de deixarmos o corpo empanturrar-se com as mais variadas iguarias, incluindo pasteis de nata, enchidos transmontanos e bacalhau à Zé-do-pipo, enquanto a mente se dedicaria à reflexão contemplativa. Ou seja, enquanto o corpo abusa do prazer de comer, a mente pensa, sem remorsos, algo deste género: não tenho nada a ver isso.
A distinção cartesiana entre corpo e mente (ou alma) reinterpretada por Allen, serve também para reflectir sobre alguns dos princípios em que assenta a forma irracional como o Estado age e pensa sobre si mesmo. O Estado separou a mente do corpo. O seu corpo, constituído por funcionários dedicados, viveu, durante as últimas décadas, um período de alegre festim que lhe permitiu empanturrar-se de recursos. O processo, dominado por uma incontrolável gula, não foi racional. O apetite do Estado raramente se deixou direccionar pela racionalidade da reflexão estratégica. Ficou obeso.
O corpo do Estado, no sentido de Woody Allen, nunca ligou quando a sua mente lhe falava da aplicação do critério do custo-benefício e gerou enormes desperdícios. No sector da Saúde em particular, o Estado nunca foi capaz de aplicar o teste do custo-benefício e decidir quais os serviços que devem ser prestados. No extremo, podemos propor à reflexão a premissa de que, por exemplo, nem todas as intervenções cirúrgicas promovem o melhor benefício possível. Algumas intervenções cirúrgicas promovem algum benefício mas não justificam a sua realização pois os seus efeitos sob a qualidade de vida do cidadão não promovem um balanço positivo após a aplicação de critérios de custo-benefício. Mas isto seria a mente do Estado a pensar.
Já o seu corpo, na sua turbulenta e gulosa avidez, compra e come tudo fazendo-se acompanhar de requintadas mitologias. As mitologias são como que uma espécie de molhos para acompanhar o prato principal dos festins: Sai uma apendicectomia com molho à la John Snow! diria, depois de baptizar o molho com o nome de um famoso pioneiro promotor da anestesia cirúrgica.
Ainda de acordo com Allen, com a morte de Deus anunciada por Nietzsche, tudo passou a ser permitido ao pequeno-almoço: profiteroles, amêijoas ou pernas de frango assado. Esta libertação dos mais profundos recalcamentos de tipo Freudiano, garantiram ao corpo do Estado uma série de mandatos em defesa do caciquismo: empregos para todos os camaradas e companheiros! Assim se passaram a cozinhar um variedade de suculentos pratos ainda que sempre com excesso de calorias.
E assim, nesta cisão entre o corpo e a mente do Estado, passaram algumas décadas. A gordura passou a ser, mais do que uma substância, a essência da substância. A busca por um corpo ideal, praticada pelos antigos Estados Grego e Romano, só muito recentemente foi redescoberta como uma ideologia para uma espécie de Estado do Futuro. Porém, como defende Allen, foi por culpa dos pré-socráticos (!) que as coisas chegaram a este ponto. Foram eles, nomeadamente Zenão, que estabeleceram a ideia de que o excesso de peso era uma ilusão. Pois, argumenta o autor, por mais que um Estado comesse, teria sempre metade da gordura de um Estado que nunca faz abdominais numa alusão, ainda que muito indirecta, aos Estados que, de quando em vez, entram numa guerra de prevenção para exercitar alguns dos seus músculos.
Entretanto, o Estado entrou em crise de identidade quando compreendeu que comer com base no princípio de Descartes não é saudável. Mas a fórmula de Nietsche, também não. Por isso há quem se congratule por Descartes ter demonstrado que Deus existe. Terá sido por isso que alguém introduziu taxas moderadoras nos sistemas de Saúde Europeus?
Valha-nos Woody Allen.
Descartes foi o filósofo que esteve mais perto de conseguir resolver o dilema humano entre o sentimento de culpa e a obesidade. Conforme sugerido por Woody Allen na sua mais recente obra (Pura Anarquia, pp. 134), ao estabelecer a divisão entre o corpo e a mente, Descartes legou-nos a possibilidade de deixarmos o corpo empanturrar-se com as mais variadas iguarias, incluindo pasteis de nata, enchidos transmontanos e bacalhau à Zé-do-pipo, enquanto a mente se dedicaria à reflexão contemplativa. Ou seja, enquanto o corpo abusa do prazer de comer, a mente pensa, sem remorsos, algo deste género: não tenho nada a ver isso.
A distinção cartesiana entre corpo e mente (ou alma) reinterpretada por Allen, serve também para reflectir sobre alguns dos princípios em que assenta a forma irracional como o Estado age e pensa sobre si mesmo. O Estado separou a mente do corpo. O seu corpo, constituído por funcionários dedicados, viveu, durante as últimas décadas, um período de alegre festim que lhe permitiu empanturrar-se de recursos. O processo, dominado por uma incontrolável gula, não foi racional. O apetite do Estado raramente se deixou direccionar pela racionalidade da reflexão estratégica. Ficou obeso.
O corpo do Estado, no sentido de Woody Allen, nunca ligou quando a sua mente lhe falava da aplicação do critério do custo-benefício e gerou enormes desperdícios. No sector da Saúde em particular, o Estado nunca foi capaz de aplicar o teste do custo-benefício e decidir quais os serviços que devem ser prestados. No extremo, podemos propor à reflexão a premissa de que, por exemplo, nem todas as intervenções cirúrgicas promovem o melhor benefício possível. Algumas intervenções cirúrgicas promovem algum benefício mas não justificam a sua realização pois os seus efeitos sob a qualidade de vida do cidadão não promovem um balanço positivo após a aplicação de critérios de custo-benefício. Mas isto seria a mente do Estado a pensar.
Já o seu corpo, na sua turbulenta e gulosa avidez, compra e come tudo fazendo-se acompanhar de requintadas mitologias. As mitologias são como que uma espécie de molhos para acompanhar o prato principal dos festins: Sai uma apendicectomia com molho à la John Snow! diria, depois de baptizar o molho com o nome de um famoso pioneiro promotor da anestesia cirúrgica.
Ainda de acordo com Allen, com a morte de Deus anunciada por Nietzsche, tudo passou a ser permitido ao pequeno-almoço: profiteroles, amêijoas ou pernas de frango assado. Esta libertação dos mais profundos recalcamentos de tipo Freudiano, garantiram ao corpo do Estado uma série de mandatos em defesa do caciquismo: empregos para todos os camaradas e companheiros! Assim se passaram a cozinhar um variedade de suculentos pratos ainda que sempre com excesso de calorias.
E assim, nesta cisão entre o corpo e a mente do Estado, passaram algumas décadas. A gordura passou a ser, mais do que uma substância, a essência da substância. A busca por um corpo ideal, praticada pelos antigos Estados Grego e Romano, só muito recentemente foi redescoberta como uma ideologia para uma espécie de Estado do Futuro. Porém, como defende Allen, foi por culpa dos pré-socráticos (!) que as coisas chegaram a este ponto. Foram eles, nomeadamente Zenão, que estabeleceram a ideia de que o excesso de peso era uma ilusão. Pois, argumenta o autor, por mais que um Estado comesse, teria sempre metade da gordura de um Estado que nunca faz abdominais numa alusão, ainda que muito indirecta, aos Estados que, de quando em vez, entram numa guerra de prevenção para exercitar alguns dos seus músculos.
Entretanto, o Estado entrou em crise de identidade quando compreendeu que comer com base no princípio de Descartes não é saudável. Mas a fórmula de Nietsche, também não. Por isso há quem se congratule por Descartes ter demonstrado que Deus existe. Terá sido por isso que alguém introduziu taxas moderadoras nos sistemas de Saúde Europeus?
Valha-nos Woody Allen.
Paulo Kuteev Moreira, DE 16.08.07
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