Entrevista de João Cordeiro
“A indústria farmacêutica é subterrânea” . Diz João Cordeiro, da ANF, na primeira entrevista em dois anos.
João Cordeiro tem oito farmacêuticos na família, mas é a voz de muitos mais: ao todo, são 2749. Ele é o presidente da Associação Nacional das Farmácias, um dos lóbis nacionais mais fortes e assumidos do país. Talvez por isso João Cordeiro nunca dê entrevistas. Ele raramente fala ou aparece. Perante a força deste lóbi, o ministro da Saúde, Correia de Campos, tem Cordeiro na mira e com o dedo no gatilho. Apesar da pressão evidente, o presidente da ANF tenta transmitir um ar de indiferença, mas a irritação é notória. Sentado numa das dezenas de salas do edifício-sede da Associação, em Lisboa, garante que não está agarrado ao poder, apesar de estar na direcção há 33 anos. Para o provar, repetiu várias vezes: “Eu nem sequer tenho uma sala aqui”.
Perguntámos à directora clínica de uma farmácia o que achava do ministro da Saúde. A resposta foi imediata: “O ministro Correia de Campos é o meu inimigo número um.” O ministro da Saúde é, de facto, o inimigo número um dos farmacêuticos?
O ministro da Saúde tem massacrado injustamente o sector. É óbvio e evidente que tem uma agenda pessoal. Se compararmos o que está no programa do Governo com a prática do Ministério da Saúde vemos que quase não há uma medida que seja coincidente. E mais: há medidas fundamentais que estão no próprio programa do Governo e que não são implementadas. Temos estado a ser massacrados por Correia de Campos.
A que se refere quando fala da agenda pessoal de Correia de Campos: a agenda do ministro não é coincidente com a do Governo?
Não. A política tem de ser transparente e tem de ser coerente. Os partidos elaboram os seus programas eleitorais e a partir daí há um programa de Governo. No entanto, a prática deste Executivo não corresponde minimamente ao que foi aprovado no Parlamento.
Dê-nos três exemplos dessa discordância.
A liberalização da propriedade das farmácias é um bom exemplo. A questão da saída das farmácias dos medicamentos não sujeitos a receita médica também é outro exemplo. Essa, então, foi fantástica, uma vez que foi anunciada na tomada de posse do Governo. A área da saúde e do medicamento é muito sensível para os portugueses e por isso os políticos usam-nas segundo as suas agendas pessoais. Um exemplo de uma medida que consta do programa e não está a ser implementada é a prescrição por Denominação Comum Internacional [receita pelo princípio activo], que consta aliás de todos os programas de todos os partidos políticos dos últimos doze anos.
Isso acontece porquê?
Não consta da agenda pessoal do ministro da Saúde.
Mas o que é que entende, afinal, por agenda pessoal?
A agenda do ministro da Saúde não corresponde à agenda do Governo, pelo menos à que foi anunciada nas eleições. Vejamos: nos medicamentos não sujeitos a receita foram definidos três grandes objectivos: redução dos preços dos medicamentos, o emprego para jovens farmacêuticos e o aumento do acesso [aos remédios].
Mas com os medicamentos fora das farmácias o acesso melhorou...
Melhorou porque há mais lojas?!
Há mais disponibilidade no mercado, pelo menos.
Desculpe, o acesso melhorou nas cidades, mas a acessibilidade [em termos nacionais] ficou totalmente desequilibrada. Neste momento, estão abertas quase 400 lojas, e fora das farmácias está 5% do mercado. Destes, cerca de 50% são vendidos no Continente. Portanto, e de forma objectiva, a única entidade que beneficiou dessa medida foi o Continente.
E as pessoas que frequentam o Continente…
Sim. E a indústria farmacêutica: a oferta aumentou, o consumo aumentou.
Tem algum número?
Ainda não tenho, mas aumentou em temos desses indicadores. Consumir medicamentos é negativo, principalmente de forma desregrada e sem controlo.
Mas estas medidas, mesmo fora do programa do Governo, não são benéficas para o consumidor?
Nós fazemos inquéritos à população e o que verificamos é que a liberalização da propriedade das farmácias não faz parte das vinte maiores preocupações. Está lá a preocupação com a qualidade dos serviços, dos hospitais, dos centros de saúde...
E no que diz respeito às farmácias?
A principal preocupação é o preço dos medicamentos, que estão caros porque a legislação não foi cumprida.
O farmacêutico português ganha, em margens de lucro, o mesmo que um espanhol?
Temos o melhor serviço de dispensa, cobertura e distribuição farmacêutica ao mais baixo custo na Europa. Estes dados são do Governo: até 2005 tínhamos uma margem de 20%, a França 26,67%, a Grécia 26%, Itália 26,7% e a Espanha 27,44%. Por isso é que somos massacrados. Por exemplo, o Governo decidiu a redução de preços de 6% em 2005 e em 2006. Nós somos um sector privado, por isso é estranho que seja o Ministério da Saúde, que consome 80%, a marcar o preço. Isto é mesmo uma aberração.
Acha que é com isso que a Autoridade da Concorrência se devia preocupar?
Já lhes falo sobre isso. O que eu queria aqui referir é que uma coisa é a redução dos preços em 6%. Obviamente que é uma medida penalizadora, mas nós aceitaríamos. O que se verificou é que a legislação não está a ser cumprida e, para além da redução de preços, reduziram-se as margens da distribuição de farmácia e do sector grossista, que já eram as mais baixas. Qual foi o impacto destas medidas? Num preço de 100 euros a indústria ganhava 72, a distribuição 8 e a farmácia 20. O que se verifica hoje é que o preço baixou 12%, logo as farmácias perderam 20% [da margem de lucro], a distribuição 24,87% e a indústria apenas 8,36%.
A certa altura constou que o primeiro-ministro chamou a si a negociação com a Associação Nacional das Farmácias e até os contactos consigo. É verdade?
As decisões são tomadas em nome do ministro da Saúde, mas é sabido que o primeiro-ministro, num certo momento, se envolveu pessoalmente no estabelecimento de um acordo.
Mas foi porque não era possível de outra forma?
Essa questão tem que a colocar ao primeiro-ministro. O ministro da Saúde esteve sempre presente, ainda que as negociações se tenham processado sempre no gabinete do primeiro-ministro.
Tem noção que, ao contrário das farmácias, a associação dos farmacêuticos tem má imagem. Qual o motivo?
O papel da Associação é defender as farmácias. As farmácias têm uma boa imagem e é esse o nosso objectivo. O facto de a ANF ter boa ou má imagem não me preocupa minimamente. Hoje nós desenvolvemos a estratégia que entendemos, definimos as políticas que consideramos adequadas, respeitando os interesses da população. Os nossos estatutos não visam ter boa imagem nos media. Não me sinto com má imagem. Nós somos é um mau exemplo...
Porquê?
Porque funcionamos, porque modernizamos o sector, porque temos políticas agressivas. Nós sempre defendemos, por exemplo, a prescrição por Denominação Comum Internacional. Obviamente que, ao fazê-lo, temos a indústria farmacêutica contra nós. E, como sabem, o poder no sector do medicamento não está na nossa Associação, mas sim em quem está calado e actua de forma subterrânea. São os embaixadores de países que têm farmacêuticas, são as visitas ao estrangeiro do Chefe de Estado ou do primeiro-ministro à indústria farmacêutica e a centros de investigação. Os laboratórios actuaram de forma muito inteligente e conseguiram transmitir que o lóbi perigoso era a ANF. Mais: a indústria tem uma máquina admirável que é a propaganda médica. São 6 mil funcionários que todos os dias contactam com seis ou sete pessoas influentes e líderes de opinião – os médicos – e conseguem promover um boato de Norte a Sul do país num só dia. Há aqui uma máquina.
Então acha que essa imagem negativa é provocada…
... pelas políticas que a Associação tem na área do medicamento.
Sim, mas também devido à influência da indústria farmacêutica…
Há outras razões. Nós somos um sector muito exigente. Quando o Estado não nos paga, exigimos o pagamento de juros, porque exigimos ter com o Estado a mesma relação que o Estado tem com o sector privado. O que eu não compreendo é como é que a indústria [farmacêutica] não faz isto. Eles conseguem milagres... Se eu tivesse uma margem [de lucro] igual à que a indústria tem possivelmente também não faria isso, estaria tão à vontade que… O que interessa à indústria é não mudar nada e para isso investe o que for preciso. Não consigo perceber como é que uma empresa assina um contrato que prevê prazos de pagamento a 90 dias e depois paga a dois anos e não acontece nada. Não consigo perceber como é que isto é possível: ou os preços estão errados ou obviamente isto tinha de ter consequências. Mas possivelmente a indústria poderá responder melhor. Nós somos um sector exigente com o Estado, com a componente política, somos um parceiro incómodo, mas se olhasse para trás e fizesse a minha análise pouca coisa mudaria. Somos um sector transparente. Há uma coisa que eu posso garantir: não actuamos debaixo da mesa. Aquilo que dizemos nas reuniões, dizemos através de documentos.
“Espero que seja ministro toda a legislatura”
“Espero que o senhor Correia de Campos seja ministro durante toda a legislatura”. Porquê? Porque “é importante que se avalie o impacto das várias medidas”, explica o presidente da Associação Nacional das Farmácias, considerando que “um dos problemas da Saúde é a instabilidade”. Diz João Cordeiro que já conheceu “17 ou 18 ministros da Saúde”, que são obrigados a “suportar as decisões de outras pessoas, o que é insustentável”. Um exemplo: os hospitais-empresa. “O que eu gostava, enquanto português, era que houvesse uma experiência de avaliação que dissesse se esses hospitais são bons ou maus”, diz o presidente da ANF, garantindo que “se fosse ministro das Finanças, não dava nem mais um cêntimo para a Saúde enquanto não houvesse garantias de que tinha capacidade de gestão e que as experiências são avaliadas”. Na entrevista, o Diário Económico tentou questionar Cordeiro sobre a política de saúde, mas João Cordeiro foi lapidar: “Não me vou pronunciar para não agravar o meu relacionamento com o ministro”.
“Sei que não sou simpático, mas tenho boa imagem”
“Sou eleito de três em três anos”, responde o presidente das farmácias quando é questionado sobre o facto de estar à frente da Associação há 33 anos. João Cordeiro garante que “não há comissões administrativas” e lembra que as últimas eleições, onde teve ‘apenas’ 70%, tiveram uma afluência que rondou os 90%. “Enquanto for eleito não será por ter má imagem pública que me vou condicionar para não me apresentar às eleições”, diz Cordeiro, para depois corrigir o tiro, dizendo: “Sei que não sou simpático, as pessoas que não me conhecem até acham que sou antipático, mas não me sinto com má imagem pública, e o importante é que as farmácias têm uma boa imagem junto dos portugueses”. João Cordeiro é reconhecido pelos seus pares e sabe-o. Muitos criticam a excessiva acutilância relativamente ao ministro da Saúde, mas na hora de escolherem entre os dois, optaram de forma cristalina pelo presidente da ANF. Não haverá um interesse escondido? Nem pensar, responde Cordeiro, esclarecendo que “a Associação tem um património de 150 ou 200 milhões de euros, mas nenhum membro da direcção tem qualquer tipo de remuneração, nem os quilómetros são pagos”. E, claro, pagam as quotas como qualquer outro sócio da ANF.
André Macedo, Mário Baptista e Sofia Lobato Dias, DE 24.07.07
João Cordeiro tem oito farmacêuticos na família, mas é a voz de muitos mais: ao todo, são 2749. Ele é o presidente da Associação Nacional das Farmácias, um dos lóbis nacionais mais fortes e assumidos do país. Talvez por isso João Cordeiro nunca dê entrevistas. Ele raramente fala ou aparece. Perante a força deste lóbi, o ministro da Saúde, Correia de Campos, tem Cordeiro na mira e com o dedo no gatilho. Apesar da pressão evidente, o presidente da ANF tenta transmitir um ar de indiferença, mas a irritação é notória. Sentado numa das dezenas de salas do edifício-sede da Associação, em Lisboa, garante que não está agarrado ao poder, apesar de estar na direcção há 33 anos. Para o provar, repetiu várias vezes: “Eu nem sequer tenho uma sala aqui”.
Perguntámos à directora clínica de uma farmácia o que achava do ministro da Saúde. A resposta foi imediata: “O ministro Correia de Campos é o meu inimigo número um.” O ministro da Saúde é, de facto, o inimigo número um dos farmacêuticos?
O ministro da Saúde tem massacrado injustamente o sector. É óbvio e evidente que tem uma agenda pessoal. Se compararmos o que está no programa do Governo com a prática do Ministério da Saúde vemos que quase não há uma medida que seja coincidente. E mais: há medidas fundamentais que estão no próprio programa do Governo e que não são implementadas. Temos estado a ser massacrados por Correia de Campos.
A que se refere quando fala da agenda pessoal de Correia de Campos: a agenda do ministro não é coincidente com a do Governo?
Não. A política tem de ser transparente e tem de ser coerente. Os partidos elaboram os seus programas eleitorais e a partir daí há um programa de Governo. No entanto, a prática deste Executivo não corresponde minimamente ao que foi aprovado no Parlamento.
Dê-nos três exemplos dessa discordância.
A liberalização da propriedade das farmácias é um bom exemplo. A questão da saída das farmácias dos medicamentos não sujeitos a receita médica também é outro exemplo. Essa, então, foi fantástica, uma vez que foi anunciada na tomada de posse do Governo. A área da saúde e do medicamento é muito sensível para os portugueses e por isso os políticos usam-nas segundo as suas agendas pessoais. Um exemplo de uma medida que consta do programa e não está a ser implementada é a prescrição por Denominação Comum Internacional [receita pelo princípio activo], que consta aliás de todos os programas de todos os partidos políticos dos últimos doze anos.
Isso acontece porquê?
Não consta da agenda pessoal do ministro da Saúde.
Mas o que é que entende, afinal, por agenda pessoal?
A agenda do ministro da Saúde não corresponde à agenda do Governo, pelo menos à que foi anunciada nas eleições. Vejamos: nos medicamentos não sujeitos a receita foram definidos três grandes objectivos: redução dos preços dos medicamentos, o emprego para jovens farmacêuticos e o aumento do acesso [aos remédios].
Mas com os medicamentos fora das farmácias o acesso melhorou...
Melhorou porque há mais lojas?!
Há mais disponibilidade no mercado, pelo menos.
Desculpe, o acesso melhorou nas cidades, mas a acessibilidade [em termos nacionais] ficou totalmente desequilibrada. Neste momento, estão abertas quase 400 lojas, e fora das farmácias está 5% do mercado. Destes, cerca de 50% são vendidos no Continente. Portanto, e de forma objectiva, a única entidade que beneficiou dessa medida foi o Continente.
E as pessoas que frequentam o Continente…
Sim. E a indústria farmacêutica: a oferta aumentou, o consumo aumentou.
Tem algum número?
Ainda não tenho, mas aumentou em temos desses indicadores. Consumir medicamentos é negativo, principalmente de forma desregrada e sem controlo.
Mas estas medidas, mesmo fora do programa do Governo, não são benéficas para o consumidor?
Nós fazemos inquéritos à população e o que verificamos é que a liberalização da propriedade das farmácias não faz parte das vinte maiores preocupações. Está lá a preocupação com a qualidade dos serviços, dos hospitais, dos centros de saúde...
E no que diz respeito às farmácias?
A principal preocupação é o preço dos medicamentos, que estão caros porque a legislação não foi cumprida.
O farmacêutico português ganha, em margens de lucro, o mesmo que um espanhol?
Temos o melhor serviço de dispensa, cobertura e distribuição farmacêutica ao mais baixo custo na Europa. Estes dados são do Governo: até 2005 tínhamos uma margem de 20%, a França 26,67%, a Grécia 26%, Itália 26,7% e a Espanha 27,44%. Por isso é que somos massacrados. Por exemplo, o Governo decidiu a redução de preços de 6% em 2005 e em 2006. Nós somos um sector privado, por isso é estranho que seja o Ministério da Saúde, que consome 80%, a marcar o preço. Isto é mesmo uma aberração.
Acha que é com isso que a Autoridade da Concorrência se devia preocupar?
Já lhes falo sobre isso. O que eu queria aqui referir é que uma coisa é a redução dos preços em 6%. Obviamente que é uma medida penalizadora, mas nós aceitaríamos. O que se verificou é que a legislação não está a ser cumprida e, para além da redução de preços, reduziram-se as margens da distribuição de farmácia e do sector grossista, que já eram as mais baixas. Qual foi o impacto destas medidas? Num preço de 100 euros a indústria ganhava 72, a distribuição 8 e a farmácia 20. O que se verifica hoje é que o preço baixou 12%, logo as farmácias perderam 20% [da margem de lucro], a distribuição 24,87% e a indústria apenas 8,36%.
A certa altura constou que o primeiro-ministro chamou a si a negociação com a Associação Nacional das Farmácias e até os contactos consigo. É verdade?
As decisões são tomadas em nome do ministro da Saúde, mas é sabido que o primeiro-ministro, num certo momento, se envolveu pessoalmente no estabelecimento de um acordo.
Mas foi porque não era possível de outra forma?
Essa questão tem que a colocar ao primeiro-ministro. O ministro da Saúde esteve sempre presente, ainda que as negociações se tenham processado sempre no gabinete do primeiro-ministro.
Tem noção que, ao contrário das farmácias, a associação dos farmacêuticos tem má imagem. Qual o motivo?
O papel da Associação é defender as farmácias. As farmácias têm uma boa imagem e é esse o nosso objectivo. O facto de a ANF ter boa ou má imagem não me preocupa minimamente. Hoje nós desenvolvemos a estratégia que entendemos, definimos as políticas que consideramos adequadas, respeitando os interesses da população. Os nossos estatutos não visam ter boa imagem nos media. Não me sinto com má imagem. Nós somos é um mau exemplo...
Porquê?
Porque funcionamos, porque modernizamos o sector, porque temos políticas agressivas. Nós sempre defendemos, por exemplo, a prescrição por Denominação Comum Internacional. Obviamente que, ao fazê-lo, temos a indústria farmacêutica contra nós. E, como sabem, o poder no sector do medicamento não está na nossa Associação, mas sim em quem está calado e actua de forma subterrânea. São os embaixadores de países que têm farmacêuticas, são as visitas ao estrangeiro do Chefe de Estado ou do primeiro-ministro à indústria farmacêutica e a centros de investigação. Os laboratórios actuaram de forma muito inteligente e conseguiram transmitir que o lóbi perigoso era a ANF. Mais: a indústria tem uma máquina admirável que é a propaganda médica. São 6 mil funcionários que todos os dias contactam com seis ou sete pessoas influentes e líderes de opinião – os médicos – e conseguem promover um boato de Norte a Sul do país num só dia. Há aqui uma máquina.
Então acha que essa imagem negativa é provocada…
... pelas políticas que a Associação tem na área do medicamento.
Sim, mas também devido à influência da indústria farmacêutica…
Há outras razões. Nós somos um sector muito exigente. Quando o Estado não nos paga, exigimos o pagamento de juros, porque exigimos ter com o Estado a mesma relação que o Estado tem com o sector privado. O que eu não compreendo é como é que a indústria [farmacêutica] não faz isto. Eles conseguem milagres... Se eu tivesse uma margem [de lucro] igual à que a indústria tem possivelmente também não faria isso, estaria tão à vontade que… O que interessa à indústria é não mudar nada e para isso investe o que for preciso. Não consigo perceber como é que uma empresa assina um contrato que prevê prazos de pagamento a 90 dias e depois paga a dois anos e não acontece nada. Não consigo perceber como é que isto é possível: ou os preços estão errados ou obviamente isto tinha de ter consequências. Mas possivelmente a indústria poderá responder melhor. Nós somos um sector exigente com o Estado, com a componente política, somos um parceiro incómodo, mas se olhasse para trás e fizesse a minha análise pouca coisa mudaria. Somos um sector transparente. Há uma coisa que eu posso garantir: não actuamos debaixo da mesa. Aquilo que dizemos nas reuniões, dizemos através de documentos.
“Espero que seja ministro toda a legislatura”
“Espero que o senhor Correia de Campos seja ministro durante toda a legislatura”. Porquê? Porque “é importante que se avalie o impacto das várias medidas”, explica o presidente da Associação Nacional das Farmácias, considerando que “um dos problemas da Saúde é a instabilidade”. Diz João Cordeiro que já conheceu “17 ou 18 ministros da Saúde”, que são obrigados a “suportar as decisões de outras pessoas, o que é insustentável”. Um exemplo: os hospitais-empresa. “O que eu gostava, enquanto português, era que houvesse uma experiência de avaliação que dissesse se esses hospitais são bons ou maus”, diz o presidente da ANF, garantindo que “se fosse ministro das Finanças, não dava nem mais um cêntimo para a Saúde enquanto não houvesse garantias de que tinha capacidade de gestão e que as experiências são avaliadas”. Na entrevista, o Diário Económico tentou questionar Cordeiro sobre a política de saúde, mas João Cordeiro foi lapidar: “Não me vou pronunciar para não agravar o meu relacionamento com o ministro”.
“Sei que não sou simpático, mas tenho boa imagem”
“Sou eleito de três em três anos”, responde o presidente das farmácias quando é questionado sobre o facto de estar à frente da Associação há 33 anos. João Cordeiro garante que “não há comissões administrativas” e lembra que as últimas eleições, onde teve ‘apenas’ 70%, tiveram uma afluência que rondou os 90%. “Enquanto for eleito não será por ter má imagem pública que me vou condicionar para não me apresentar às eleições”, diz Cordeiro, para depois corrigir o tiro, dizendo: “Sei que não sou simpático, as pessoas que não me conhecem até acham que sou antipático, mas não me sinto com má imagem pública, e o importante é que as farmácias têm uma boa imagem junto dos portugueses”. João Cordeiro é reconhecido pelos seus pares e sabe-o. Muitos criticam a excessiva acutilância relativamente ao ministro da Saúde, mas na hora de escolherem entre os dois, optaram de forma cristalina pelo presidente da ANF. Não haverá um interesse escondido? Nem pensar, responde Cordeiro, esclarecendo que “a Associação tem um património de 150 ou 200 milhões de euros, mas nenhum membro da direcção tem qualquer tipo de remuneração, nem os quilómetros são pagos”. E, claro, pagam as quotas como qualquer outro sócio da ANF.
André Macedo, Mário Baptista e Sofia Lobato Dias, DE 24.07.07
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