domingo, julho 08, 2007

CC, conferência "Gestão Saúde em Portugal"

Sr. Bastonário da Ordem dos Economistas,
Minhas Senhoras e meus Senhores,


É com grande prazer que estou aqui, hoje, nesta Conferência sobre a Gestão da Saúde em Portugal.

Numa perspectiva estratégica, há que sublinhar que a finalidade da Política de Saúde é a obtenção de ganhos em saúde. Esta noção nem sempre está presente, com igual intensidade, na acção política dos diferentes governos.
As sociedades modernas investem na saúde e não apenas no tratamento da doença. Promover a saúde é um investimento social estratégico porque o futuro estado de saúde do país tem um forte impacto no desenvolvimento do país e influencia o grau de desigualdade económica e social entre os nossos concidadãos.
O Sistema de Saúde Português, tal como tem sido construído desde o 25 de Abril, inspira-se nos princípios do Modelo Social Europeu. O direito à saúde está constitucionalmente protegido e o nosso sistema de saúde é universal, compreensivo e tendencialmente gratuito.
Sabemos que o nosso sistema de saúde tem contribuído, muito, para os ganhos em saúde dos portugueses.
Os indicadores de saúde mais recentes mostram que tem havido melhorias no que respeita aos valores para a esperança de vida dos portugueses e, na área oncológica, melhorias na mortalidade por cancro do cólon e recto, da mama ou do colo do útero.
Por exemplo, a esperança de vida que, em 2001, era de 77,1 anos, à nascença, em 2005 aumentou 1,3 anos em apenas quatro anos.
A globalidade dos indicadores de saúde materna, neonatal e infantil continuam a apresentar melhorias, apesar de já nos situarmos, neste domínio, entre os melhores do mundo desenvolvido. A mortalidade neonatal tem baixado, tal como a mortalidade infantil. Em 2001, a mortalidade infantil apresentava o valor de cinco por cada 1000 nados vivos, mas em 2005 este número reduziu-se 32%, para 3,4 por mil, um dos melhores da União Europeia (EU). Em quatro anos poupámos quase 160 vidas infantis.
Tem havido melhorias também nas taxas de mortalidade em acidentes de viação bem como no número relativo de feridos graves.
Sabemos, no entanto, que há trabalho a desenvolver na área cardiovascular, em especial quanto à mortalidade por doença isquémica cardíaca e no tratamento dos casos de Acidente Vascular Cerebral. No domínio da saúde mental, outra das áreas prioritárias do nosso Plano Nacional de Saúde, há fundamentos para uma acção mais forte e para a reorganização dos serviços que está a ser preparada.
Para além da finalidade nobre dos sistemas de saúde, que é a de contribuírem decisivamente para os ganhos em saúde, espera-se, também, no caso dos sistemas de saúde de base europeia, que a acção pública na saúde contribua para a diminuição das desigualdades de resultados e para a redução das desigualdades no acesso à saúde.
São estes princípios que inspiram o Serviço Nacional de Saúde (SNS), elemento-chave na organização do sistema de saúde português.
O sistema de saúde português, tal como os seus congéneres europeus, tem-se, no entanto, defrontado com problemas de sustentabilidade financeira no médio prazo. Ou seja, com a possibilidade de, no futuro, não ser financeiramente suportável, a menos que medidas enérgicas sejam introduzidas no seu funcionamento e que conduzam ou ao abrandamento do ritmo de crescimento da despesa pública com a saúde ou ao aumento da receita.
Os gastos com a saúde, em Portugal, como nos países da UE e da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), têm crescido a um ritmo superior ao do crescimento económico, assumindo uma importância crescente face ao Produto Interno Bruto (PIB).
De acordo com dados da OCDE, o peso dos gastos públicos com a saúde em Portugal passou de 3,6% em 1980 para 7,2% em 2004, ou seja, duplicou em termos relativos nestes 25 anos.
Nos últimos 15 anos com informação comparável, entre 1990 e 2004, considerando a média dos países UE15, verificou-se que o peso dos gastos públicos no total dos gastos com a saúde tendeu a diminuir 1,3% mas em Portugal, no mesmo período, a proporção dos gastos públicos no total cresceu 6,4%, numa tendência inversa à da média UE15.
O contributo da componente pública dos gastos com saúde, para o aumento do valor relativo total dos gastos com saúde, ao contrário do que muitas vezes se assume, tem sido mais forte em Portugal do que na média da UE15 ou mesmo da OCDE, ao longo dos últimos quinze anos.
Por outras palavras, a despesa pública com saúde versus privada apresentou, nesse período, uma dinâmica de crescimento mais intensa do que em países congéneres. Possível sinal do nosso atraso relativo na construção do SNS, mas existe evidência de que este facto é também consequência de menor intensidade na introdução de políticas de contenção dos gastos públicos em Portugal, face aos demais países.
Quando analisamos a evolução comparativa dos gastos per capita, a preços constantes, e em paridades de poder de compra, verificamos, também, que o aumento da despesa pública em saúde é fortemente explicável pela evolução do factor preço, já que o crescimento da despesa per capita, por exemplo, em paridades de poder de compra não foi mais intenso do que nos países da média da UE15.
Isto significa que há que desenvolver medidas instrumentais que aumentem a eficiência e assegurem a sustentabilidade financeira do sistema de saúde e, em particular, do SNS.
Esta é uma condição indispensável para a defesa do modelo social, solidário e universal, que inspira o SNS.
Em última análise, a questão da eficiência e da eficácia do SNS, mais do que uma questão meramente orçamental, ou até apenas económica, torna-se uma questão ética. Se o SNS não for eficiente, não contribui para ganhos em saúde e jamais poderá ser justo. A ineficiência tem custos sociais elevados e irreversíveis.
Portanto, as reformas de gestão, que são instrumentais em relação ao objectivo último de promoção da saúde, ganham visibilidade dupla pois podem ser um garante da sustentabilidade do próprio sistema de saúde.
O Programa do actual Governo apresenta como uma das suas prioridades políticas a sustentabilidade financeira do SNS e o aperfeiçoamento da gestão do sector. O cumprimento rigoroso do orçamento do SNS torna-se assim uma necessidade de racionalidade interna para ganhos de eficiência, mas igualmente a forma de o Estado cumprir os seus compromissos externos determinados no âmbito da União Europeia.
As medidas de racionalização da despesa que têm sido desenvolvidas têm que ter, simultaneamente, um enfoque macroeconómico e um enfoque microeconómico. Sabemos que ambos os tipos de medidas são necessárias, mas também que, a prazo, apenas mudanças ao nível micro – as mudanças dos comportamentos e dos incentivos económicos - é que têm efeitos sustentados. Tal como na cirurgia da obesidade. Emagrece-se comendo menos, não propriamente apertando o estômago com banda gástrica.

Deixem-me, portanto, dar-lhes conta das principais linhas de reforma da gestão da saúde em Portugal:

1) Reforma dos Cuidados de Saúde Primários: queremos tornar o sistema menos hospitalocêntrico e mais orientado para a prevenção da doença, para a proximidade entre cidadão e médico de família, porque tal melhora a saúde e a eficiência global na gestão da saúde.
Daí a reforma dos Cuidados de Saúde Primários, assente na criação de Unidades de Saúde Familiares (USF), com profissionais motivados e incentivos à promoção da saúde e ao desempenho.
Funcionam já 65 USF e há mais oitenta em preparação. As 65 abertas cobrem já 900 mil cidadãos, cerca de 12% de população-alvo. Facultaram médico de família, pela primeira vez a mais de 95 mil cidadãos. E melhoram, comprovadamente, com base em cálculos independentes da Associação Portuguesa de Economia da Saúde (APES), a racionalidade do gasto da prescrição e a qualidade dos cuidados prestados.

2) Criação de uma rede de Cuidados Continuados a Idosos e Pessoas Dependentes, que não existia, causando pesados e dispendiosos re-internamentos em Hospitais de agudos, desadequados face às necessidades de reabilitação das pessoas.
A Rede alarga a compreensividade do nosso SNS e aumenta as responsabilidades do Estado em relação a estes cidadãos, antes sem resposta específica por parte do SNS.
Em pouco mais de ano e meio criaram-se 909 camas através das experiências piloto que trataram 1800 doentes em seis meses. Já se firmaram acordos com 56 instituições, por todo o país. Estamos no caminho de prestar cuidados de saúde de qualidade aos nossos idosos após a alta hospitalar, tratando-os de forma moderna, activa. Registaram-se 40% de altas no período considerado, com 65% dos doentes a atingir os objectivos previstos para a sua recuperação possível. E para os idosos menos favorecidos, grupo social especialmente frágil, criou-se um complemento social que lhes cobre encargos com medicamentos, óculos, lentes e próteses dentárias indispensáveis à sua vida diária.

3) Responsabilidade orçamental para garantir a sustentabilidade do SNS. Ou seja, acção pública dentro do orçamento da saúde. E sem pôr em causa, pelo contrário, melhorando, o acesso. Sabemos que todos os indicadores de utilização de serviços do SNS melhoraram entre 2004 e 2006.
Registaram-se crescimentos de 1,9% nas altas hospitalares, nas urgências 5,1%, nas consultas externas 9,8%, nas intervenções cirúrgicas regulares e de urgência 5,4%. E assiste-se a uma redução considerável do tempo de espera para cirurgia, já com menos de seis meses de demora mediana do SIGIC (sistema de gestão dos utentes inscritos para cirurgia).
Nos Centros de Saúde, os resultados deram-se no mesmo sentido, quanto às consultas programadas, que cresceram 2,3%, sobretudo nos doentes que procuram consulta pela primeira vez (mais 3,4%).
Esta maior exigência na gestão, que decorre de orientações políticas para a melhoria da relação custo–efectividade ao nível microeconómico, tem sido concretizada através do desenvolvimento de mecanismos de contratualização e monitorização, mais sistematizados e mais próximos.
Mas também através da aplicação de instrumentos típicos da gestão privada na procura da eficiência das instituições inseridas no SNS. Compras conjuntas, sistemas de informação inteligentes, mecanismos de reporte adequados, orientação para a melhoria do acesso e para objectivos claros, reforço das Administrações Regionais de Saúde, delegação de poderes com correspondente responsabilização.
Temos reorganizado os Hospitais do SNS com vista à eficiência de gestão e qualidade de serviço, transformando-os progressivamente em Entidades Públicas Empresariais (E.P.E.) e criando novos Centros Hospitalares sempre que tal significa melhores sinergias e trabalho em rede, com mais qualidade e segurança para as populações.
Temos flexibilizado regras de gestão e concentrado serviços e recursos sempre que tal significa melhor qualidade.
Esta concentração de serviços visa, mais do que tudo, dois objectivos: melhorar a qualidade e a segurança dos cuidados prestados aos utentes e uniformizar a equidade no acesso a tratamento com qualidade a todos os portugueses.
Neste caso, refiro-me em particular a três actividades que temos implementado:
- à concentração de Blocos de Partos, à requalificação da Rede Nacional de Urgência e Emergência e à substituição de SAP (Serviço de Atendimento Permanente) nocturnos, praticamente sem afluência de utentes do SNS, por consultas programadas ao longo do todo o dia.
Nem sempre têm sido bem entendidas estas medidas e a responsabilidade por este facto é, certamente, nossa. Mas, apesar de dificuldades de avaliação de tão breve e recente período, temos já indicações de melhoria de qualidade em termos da concentração de Maternidades e da requalificação de SAP.

Nas Maternidades, os dados que dispomos sobre o processo de reorganização, mostram que a assistência no parto no SNS oferece, agora, à mãe e ao filho serviços mais especializados e mais sofisticados, dando garantias de qualidade e segurança. Menores taxas de cesarianas, maior disponibilidade de serviços de ginecologia e mais cirurgias programadas. A lista de espera para cirurgia em Ginecologia reduziu-se em dias de espera, na generalidade dos serviços em que houve concentração. Alargou-se o acesso à preparação psico-profilática para o parto e aumentou o acesso à analgesia epidural. Melhorou a assistência neonatal nos hospitais de concentração.
Também no atendimento nos centros de saúde, os dados começam a demonstrar uma associação positiva com os novos serviços oferecidos nos locais onde o SAP nocturno cessou, quer por efeito de consulta regular aberta no Centro de Saúde até mais tarde, quer por efeito das USF. Aumentou generalizadamente o número de consultas programadas e o acesso à primeira consulta de médico de família.
É seguro afirmar que as reformas da qualidade (maternidades e urgências) estão a produzir os efeitos esperados: melhores e mais seguros serviços ao dispor dos cidadãos, com melhorias do atendimento diurno e transporte rápido nas situações agudas nocturnas.
Em termos de outras medidas com um importante impacto financeiro, podemos citar outras acções desenvolvidas na melhoria da gestão política do medicamento.
Em 2006 estimamos que foram conseguidos 126 milhões de euros de poupanças para o SNS. Gastos que evitámos por via de:
diminuição das comparticipações dos medicamentos em 6% do preço de venda ao público de todos os medicamentos, a redução em 5% do escalão máximo de comparticipação e a eliminação da majoração em 10% da comparticipação dos medicamentos genéricos.
Celebrámos um Protocolo com a Indústria Farmacêutica (APIFARMA), por três anos, com o objectivo de estabilização da despesa em medicamentos para o mercado ambulatório e, pela primeira vez, para o mercado hospitalar, com vista a facultar às empresas e aos serviços um quadro predeterminado de controlo do gasto convencional e de incentivo moderado à inovação hospitalar (4%).
Também na área dos convencionados foram reduzidos os preços, em média cerca de 4%, para algumas das áreas convencionadas.
Iniciámos a reforma da propriedade da farmácia e da venda de MNSRM (medicamentos não sujeitos a receita médica) fora das farmácias.
Liberalizámos a propriedade da farmácia e assinámos um protocolo com a Associação Nacional de Farmácias (ANF), que está a transformar a estrutura produtiva do sector, com melhoria do bem-estar social pelo aumento da concorrência e legalização da prática de descontos.
Sabemos que a despesa das famílias em medicamentos baixou 0,4% em 2006 em relação ao ano anterior.
Sabemos também que os Medicamentos das lojas de venda de MNSRM continuam em média 1% mais baratos que em Agosto de 2005, momento imediatamente antes da partida.
E sabemos ainda que a quota de genéricos no mercado total, atingindo 18% em Maio, torna mais acessível ao cidadão o preço de um número crescente de medicamentos de uso generalizado.
Em termos agregados, relativamente à situação financeira do SNS, já estamos em condições de afirmar que este será o terceiro ano consecutivo que, com praticamente o mesmo orçamento nominal (menor orçamento real) iremos cumprir boas contas, sem pôr em causa a qualidade dos cuidados de saúde.
Tal tem sido conseguido com uma gestão muito exigente e rigorosa, que é essencial à sustentabilidade do SNS.
Sabemos que o desafio da contenção de gastos e da própria sustentabilidade do sistema tem de ser vencido, em grande medida, ao nível da gestão das próprias instituições do SNS.
Por isso apostamos na disseminação das boas práticas de gestão e das experiências que, ao nível micro, as Instituições vão implementando. São exemplo os programas de melhoria que um conjunto de hospitais está a implementar, de acordo com o plano de negócios aprovado pela tutela, comprometendo e responsabilizando a gestão. Inovações na área da gestão da farmácia hospitalar, da racionalização da prescrição terapêutica, da garantia de qualidade, da gestão do agendamento em ambulatório, das compras conjuntas por agrupamentos de empresas públicas, entre outros aspectos.
E não esquecemos que o investimento na promoção da saúde dos portugueses, através da concretização do Plano Nacional de Saúde, com o envolvimento activo de toda a sociedade civil, é crucial para a sustentabilidade a prazo.
A actual discussão sobre a nova legislação do tabaco e a nova consciência social que as questões de saúde pública têm despertado é muito interessante e é um positivo sinal de mudança. As questões de saúde não podem introduzir factores de distorção de concorrência entre as empresas e todas as empresas deveriam enfrentar exactamente as mesmas exigências legais de protecção da saúde dos não fumadores, potenciadoras de maiores níveis de saúde futuros.
E cremos que estamos a conseguir objectivos de melhoria da segurança e qualidade, maior equidade no acesso aos cuidados e melhor racionalização do investimento na saúde, sem que tal signifique um aumento global do gasto do cidadão no ponto de encontro com o SNS.
Sabemos que o gasto privado aumentou um pouco no momento do internamento e na cirurgia ambulatória, por causa das novas taxas moderadoras que se introduziram. Embora sem significado visível, dados os baixos valores. Mas é certo que o gasto privado é menor no custo dos medicamentos e isto será cada mais visível no segundo semestre deste ano.
Não ignoramos, por outro lado, a existência de dificuldades localizadas no funcionamento do SNS. Sentidas, ao contrário do que se pensa, sobretudo nas zonas do litoral e sobretudo na periferia das grande cidades e margem sul do Tejo e não tanto junto das populações mais isoladas do interior. É no litoral que se encontra a menor densidade de médicos de família por habitante. Apesar do esforço dirigido que tem sido feito na formação mais intensa de internos em medicina geral e familiar, demorarão uns anos até que os recursos permitam uma mais eficaz correcção destas assimetrias, mesmo com o lançamento das USF e a reforma dos Centros de Saúde em curso.
Também no domínio das desigualdades no acesso e nos resultados em saúde dos portugueses, sabemos que existem, após todos os ajustamentos relevantes, diferenças inexplicáveis entre o acesso de homens e mulheres a serviços similares. E as explicáveis, mas inaceitáveis, desigualdades na saúde, com base na desigualdade do rendimento e do grau de educação. Que exigem respostas transversais e acções dirigidas a grupos específicos na Saúde. Orientação dos serviços para o cidadão. Na saúde, tal como nos demais domínios do serviço público. É nesta luta contra as desigualdades e a favor de uma saúde reprodutiva moderna e informada que conduza lentamente a novos patamares de natalidade, que se inscrevem as medidas de execução da nova legislação relativa ao planeamento familiar, à procriação medicamente assistida e à IVG (interrupção voluntária da gravidez), como último recurso de saúde em situação de procriação não desejada.

E concluo, afirmando que a modernização da gestão do SNS, a promoção da sua eficiência e eficácia, é condição da equidade e da qualidade na saúde. São estes os valores que nos movem.
O que desejamos construir é um sistema de saúde mais eficiente, mais justo, mais flexível e orientado para o cidadão. Socialmente mais útil.
CC, sede da Ordem dos Economistas, Lisboa - 27 de Junho de 2007