domingo, agosto 05, 2007

CC, entrevista JP, 05.08.07

Reprodução assistida comparticipada a 50 por cento

Correia de Campos defende que as mulheres que abortam e têm rendimentos deviam pagar taxas moderadoras
A prioridade dada à procriação medicamente assistida, PMA, lei que aguarda regulamentação há um ano, é igual ou superior à concedida ao aborto, afirma o ministro da Saúde, Correia de Campos. Ainda a braços com o processo de reorganização das urgências, o ministro admite dificuldades no recrutamento para reforçar o transporte pré-hospitalar. E por isso anuncia que vai buscar médicos ao estrangeiro, embora considere que o ideal seria que as vagas para a entrada no primeiro ano de Medicina em Portugal aumentassem de 1350 para 2000.

Por que é que a regulamentação da procriação medicamente assistida (PMA) está tão atrasada?
A regulamentação está feita. Para mim a grande importância é que não fique apenas limitada a pessoas com muito dinheiro. E não é nada fácil essa matéria.
Está a pensar fazer convenções com os centros privados?
Por que não? Esse ponto insere-se dentro das nossas prioridades.
Não tanto como o aborto: a regulamentação da interrupção voluntária de gravidez (IVG) a pedido da mulher cumpriu o prazo de seis meses, enquanto se aguarda pela da PMA há um ano.
A prioridade da PMA é igual ou superior à que damos ao aborto. Se estivéssemos desinteressados da questão da natalidade, fazíamos como outros países. Pegávamos numa quantia e dizíamos: cada criança que nasce recebe este dinheiro. Nós vamos dar um abono de família pré-nascimento, um incentivo a que as pessoas não recorram à IVG.
Como é que a PMA vai ser comparticipada?
Esta é uma técnica complexa, altamente dispendiosa e com uma taxa de sucesso baixa, cerca de 20 por cento. A estimativa é a de que, se tivéssemos uma comparticipação a 80 por cento, o gasto ascenderia a 51,7 milhões de euros.
E isso é muito ou pouco?
Quer um termo de comparação? A vacina do papiloma vírus dada só as raparigas que façam 11 anos este ano custa 25 milhões de euros. As vacinas todas [actualmente dadas nos centros de saúde] custam 10 milhões de euros. Mas o ónus financeiro é apenas um dos aspectos. O outro é o resultado prático. Se fizermos 15 mil ciclos [de tratamentos], com a taxa de sucesso a 20 por cento, teríamos 3 mil nascimentos adicionais. A questão é a de saber encontrar a comparticipação que seja aceitável pelo sistema e que permita induzir um grande número de casais a fazerem PMA, mas que também os leve a ter uma participação financeira.
A comparticipação nunca será de 100 por cento, portanto?
Teoricamente pode oscilar entre 10 a 80 por cento. Eu acho que, na condição actual, podíamos ir até 50 por cento, o que implicaria 24 milhões de euros adicionais.
De que depende essa decisão?
Depende da aprovação do Orçamento do Estado do próximo ano.
A isenção de taxas moderadoras para mulheres que abortam tem sido criticada, mesmo no seu partido...
Eu também critico, também gostaria de ter uma outra política. É um problema prático. Os critérios para a isenção de taxas moderadoras estão fixados. Incluem critérios perfeitamente identificáveis, de doenças catastróficas (cancro, sida), categorias sócio-profissionais (idosos, desempregados). Depois há uma categoria que são as grávidas e os menores de 12 anos. Se tivéssemos meios de identificar as mulheres que vão fazer IVG e têm posses para a pagar das que não têm, podíamos fazer a distinção. Mas não é fácil de criar, num curto prazo, os chamados "testes de meios". Perante o dilema de como diferenciar estas pessoas, na dúvida, optámos pela isenção, sabendo-se que a grande maioria das interrupções clandestinas, as mais perigosas, são efectuadas por mulheres de baixos estratos sócio-económicos, adolescentes.
A situação poderá ser revista?
Evidentemente que sim, mas o Governo não vai rever as taxas moderadoras neste mandato.
Falou da possibilidade de as madeirenses que querem fazer abortos virem à Maternidade Alfredo da Costa (Lisboa) e chegar-se a um acordo do ponto de vista orçamental no próximo ano. Quem pagaria a viagem?
O Governo da República está disponível para, se for necessário, ajudar a Madeira, mas a expensas da região.
Acha que o que as mulheres podem fazer é apresentar uma queixa judicial, como disse o Presidente da República?
Não tenho comentários a fazer. Não tenho posição de superioridade ou inferioridade moral, tenho posições objectivas. Houve um referendo, a que se seguiu uma lei da Assembleia da República e portarias. Eu considero esta evolução toda muito positiva - o facto de termos uma rede de 35 estabelecimentos públicos a fazer IVG -, quando muitos de nos pensávamos que isso não iria ser possível e que a esmagadora maioria dos casos ocorreria, como em Espanha, no sector privado.
Acha que isto não virá a acontecer no futuro?
Não. O nosso objectivo não é fazer abortos, é lutar contra aborto clandestino e evitar gravidezes não desejadas e por isso estamos a relançar fortemente o planeamento familiar.
De que forma ?
Reforçando a formação dos profissionais, médicos e dotando os centros de saúde dos meios medicamentosos de planeamento familiar. Quando chegámos, tínhamos 15 por cento dos centros de saúde com meios contraceptivos sem ruptura de stock, passámos para 35 por cento. Queremos chegar rapidamente a 65 por cento.
Como é que comenta a crítica dos objectores de consciência que comparam os cinco dias de prazo máximo para marcar uma consulta de IVG com os meses de espera para consultas de ginecologia onde estão em causa, por exemplo, lesões do colo do útero suspeitas?
As prioridades são hospitalares.
As prioridades também são governamentais...
As prioridades de organização de recursos são nacionais, governamentais. Estamos tão empenhados em prevenir as lesões do colo do útero, como em lutar contra o aborto clandestino, que também tem sequelas gravíssimas. Conseguimos fazer IVG com uma minoria de médicos. A esmagadora maioria dos recursos humanos, salas, equipamentos continua votada aos outros problemas.

Cem médicos uruguaios contratados para as VMER
Correia de Campos quer ter a reforma das urgências concluída no primeiro semestre do próximo ano.
Os críticos dizem que a reforma das urgências arrancou ao contrário. Não há ainda serviços de urgência básicos (centros de saúde requalificados), não foi reforçado o transporte pré-hospitalar e estão a encerrar-se SAP (serviços de atendimento permanente) e urgências.
Estamos a criar serviços de urgência básicos.
Mas ainda não estão a funcionar.
Não estão a funcionar com dois médicos, mas com um médico.
Isso é um SAP, não é uma urgência básica...
Ainda não estão a funcionar como urgência básica. Só se transforma em SUB quando tem dois médicos, dois enfermeiros e meios de diagnóstico.
Quando é que acha que a nova rede nacional de urgências vai estar completa e a funcionar?
Quero ter o processo concluído no primeiro semestre de 2008. Em 15 hospitais [cujas urgências vão fechar] celebrámos acordos com 11 [autarquias onde se localizam as unidades de saúde]. Falta a Régua, São João da Madeira, Anadia e Peniche. Estamos em conversações. Quando se assina um protocolo, não quer dizer que a urgência encerre imediatamente, há calendários de substituição e criação de alternativas.
Mas a reforma está atrasada. Por exemplo, no caso do Centro de Saúde de Odemira, que já devia ser uma urgência básica.
O Centro de Saúde de Odemira está reforçado com uma ambulância desde 16 de Julho, com um médico, um enfermeiro e um técnico auxiliar de emergência. E o facto de ter tido apenas duas saídas desde então não significa que não deva lá estar. É o embrião da SIV [viatura de suporte intermédio de vida, com enfermeiro e tripulante] e estamos a fazer o recrutamento para que as outras SIV do Alentejo possam ser instaladas.
Tinha dito que ia começar a funcionar na região até ao final de Junho. O que é que está a correr mal?
A parte dos recursos humanos é mais difícil. De 12 enfermeiras seleccionadas, nove não passaram no exame de condução. Também não são exames de condução normais. Nesta matéria o Instituto Nacional de Emergência Médica tem feito um esforço enorme. Entre 2004-06 o atendimento no 112 cresceu mais de 35 por cento, as saídas das viaturas médicas de emergência e reanimação [VMER] mais 27 por cento. E o número de VMER em Março deste ano atingiu 37, quando eram 29 em 2004.
Mas uma parte delas estão inoperacionais grande parte do tempo....
Alguma parte do dia, porque uma VMER precisa de 12 médicos.
Então como se pode resolver o problema?
Havendo mais médicos nos primeiros anos de Medicina. Neste momento há 1350 que entram nas faculdades por ano. A minha meta e a do senhor ministro da Ciência é chegar a 2000. Mas vamos ter que procurar outra solução neste período de transição, porque estamos com medo da crise demográfica dos médicos em 2012/2013. Provavelmente vamos ter que os ir buscar ao estrangeiro. Estamos em negociações para arranjar médicos para as VMER.
Com quem?
Com o Uruguai.
Uruguai? Porquê?
O Uruguai é a Suíça da América do Sul, tem uma única escola médica, o que garante qualidade, uma ministra da Saúde sensível ao problema, médicos em excesso. Ao mesmo tempo, iremos formar para o Uruguai médicos de alta diferenciação, através de um protocolo entre os dois governos.
Quantos médicos estão a pensar contratar?
Para já 100. Já temos o currículo, é preciso que haja uma faculdade de Medicina [em Portugal] que entenda que é semelhante ao nosso. Após esse reconhecimento, é necessário que a Ordem dos Médicos conceda autorização; caso contrário, só podem trabalhar sob a tutela de médicos portugueses.

Em Vieira do Minho estava em causa o interesse público
Correia de Campos reconhece que o caso de Vieira do Minho teve um efeito negativo, mas não se arrepende da exoneração.
Não está arrependido de ter exonerado a directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho?
Absolutamente. Reconheço que o despacho teve um efeito negativo, mas os dirigentes na administração pública têm leis. O Decreto-lei 24/84 diz que, no exercício das suas funções, estão exclusivamente ao serviço do interesse público. E têm o dever de actuar no sentido de dar confiança ao cidadão. Isto ajusta-se que nem uma luva ao caso de Vieira do Minho.
O interesse público estava em causa?
Claro. A imparcialidade foi violada numa sala pública, foi colocado um cartaz jocoso por um actor político de notoriedade local, desmontando a confiança na acção da administração.
O cartaz tinha uma afirmação sua ["Nunca vou a um SAP"]...
Uma afirmação minha e um comentário não inocente.
Recorrentemente consta que se vai embora.
(Gargalhadas). O Governo é um governo de legislatura.
Mas não o incomoda ser o ministro mais impopular?
Incomodava-me era se fosse o ministro mais popular, porque não estaria a fazer nada.

"A arte do possível"
A proposta do Governo sobre o tabaco previa a proibição em restaurantes com menos de 100 metros quadrados. Na AR a proibição passou a opcional. Como viu a alteração?
Tem que fazer essa pergunta aos parlamentares.
A lei segue o caso espanhol - dado pela Comissão Europeia como um mau exemplo.
A Comissão deseja que todos os países adoptem uma postura maximalista. Temos que equilibrar o desejo de maximalismo com a capacidade de cumprimento da lei. Já temos experiências de leis óptimas e duríssimas não cumpridas.
A anteproposta dizia que o exemplo espanhol não devia ser seguido.
A política é a arte do possível. Teria gostado que a proposta fosse aprovada na íntegra, mas há fases para tudo.
Entrevista de Alexandra Campos e Catarina Gomes , JP 05.08.07