domingo, agosto 26, 2007

Discussão da Sustentabilidade


1.º - A responsabilidade da "fuga" do Relatório só ser atribuída aos elementos da comissão responsável pelo estudo ou ao gabinete do ministro onde o relatório foi entregue.

Apesar de tudo o que conhecemos, é surpreendente a facilidade com que o Relatório é desviado para o PSD e depois entregue pelas fontes a um jornalista da nossa praça para o "analisar" em capítulos diários na TV onde trabalha e depois postá-lo num blogue criado para o efeito.

E CC não fez nada?

A prosmicuidade entre jornalistas e poder político tem destas coisas.
joão pedro

2.º - Continuo a defender que o relatório da sustentabilidade do SNS, deveria ser, publicamente, discutido.
Aliás, julgo que, em termos metodologia processual e política, não pode ser de outro modo. Se não, é o descrédito, quando não, o desperdício pelo menos de tempo e a incapacadidade de entecipar soluções. Em termos financeiros não o será, porque parece que só o presidente da Comissão foi remunerado por este trabalho.

A feitura deste relatório - e a necessidade que o MS sentiu em promovê-lo - criou grande expectativa, pelo menos entre os profissionais de saúde. Entre eles, saliento, os economistas e gestores da saúde a quem o assunto mais directamente interessa.
Entre a população, haveria um interesse tecnicamente distante mas politicamente crucial. Para os portugueses, neste estudo, ao fim e ao cabo, poderia estar em jogo, não só um modelo de sustentabilidade, mas um outro aspecto muito mais crítico e fundamental - a sobrevivência do SNS, nos termos constitucionais.

Com algumas peripécias pelo caminho, o dito relatório, acabou por ser concluído e, no princípio do ano, foi entergue no MS.
Aí, começou uma inexplicada hibernação enquanto, às "pinguinhas", muitas vezes sob a forma de folhetim picaresco, iam - na imprensa (em alguma imprensa) - saíndo episódios (algumas vezes descontextualizados).

É do domínio público - embora não existam as tais "provas" provadas - que o bloqueio do andamento deste relatório partiu das mais altas instâncias do poder político, tendo CC ficado com o "menino no colo", prisioneiro destas decisões. Fundamentalmente, porque se levantou, nessas "fugas" de informação, a hipótese da criação de um "imposto especial para a Saúde" a fim de garantir, numa eventual adversidade orçamental, a sustentabilidade do SNS - nos termos constitucionais, isto é, na dependência do OGE.
Este propalado "imposto" - que finalmente integrava o relatório - ditou a morte política deste. Tocaram os sinos a rebate no seio dos núcleos estrategcos políticos e a inoportunidade de uma tal medida na segunda parte do ciclo legislativo, era determinante.
Sem, mais leituras, matou-se o relatório.

Quando, finalmente, o relatório saí a público, depois de rocambolescas pressões de blogs e do PSD (que fez uma entrega formal na AR antes da sua divulgação) - interessaria indagar quem desde há longo tempo tinha conhecimento deste relatório ? - era um documento - pejado de importantes informações sobre o estado da saúde em Portugal - incomodativo. Mais nada.

CC, na onda, promove-lhe as suas exéquias funebres ao afirmar que o mesmo não teria aplicabilidade nesta legislatura.
De que se queixa agora?

Esta a breve ( e triste) ressenha histórica e política da incrível "vida e morte" deste relatório.
Neste momento levantar a lebre da discussão é voltar "à vaca fria".
Na próxima legislatura será, com certeza, uma questão inadiável (com base neste ou noutro relatório).

Esperemos (lutemos para) que o SNS sobreviva até lá.
Este o nosso contributo possível e ... indispensável!

* Não resisto a reproduzir um poema inspirado no livro "MORTE E VIDA SEVERINA" de João Cabral de Melo Neto.

PIOR DO QUE A MORTE

O pior é que dizem: rezou.

Ele que sempre foi contra,
do contra, ateu,
agora que zerou,
creu?

Ele que sabia que a vida é coisa
de sempre não.
Sem fórmulas fáceis,
nem saídas para a dor
de cabeça
de pensar
de ser sem crer.

Ele que sabia que não há aspirina
contra o bolor.

Logo dirão que se inspirou,
e compôs de improviso
um soneto vendido,
dos que sempre enfrentou.
Dirão ainda que se converteu
e defendeu a vida devota,
a pacificação bovina,
a prédica dos pastores.

( Verbo e verba:
pragas velhas. )

E que se arrependeu do pecado
de ser exato, claro e enjoado.

Vida, te escrevo merda.
Às vezes fezes, mas sempre merda.
Fingida flor, feliz cogumelo,
caga e mela.
Sempre severa e cega
merda.

Triste é depender
de relatos carolas,
acadêmicos, cartolas.

Triste é depender
da leitura alheia,
fáceis falácias: farsas.

Triste é depender
dos olhos dos outros,
de voz de falsas sereias.

Triste é não poder mais
se defender.

Mas
um aqui, João,
incerto, grita
e insiste em não crer
na sua crença repentina,
que a morte (sua) desminta a obra (sua) vida.

Um aqui, João,
o tem por certo:
é mais díficil o não
crer, não
ceder, não
descer, não
conceder. Não.

Não, não orou.

Frederico Barbosa
10/10/99
É-Pá


3.º - Era de esperar face ao comportamento do MS.

Quando o relatório ficou concluído CC travou às quatro rodas seguindo as indicações do sinaleiro Sócrates.
Só a pedido do deputados da AR decidiu a publicação no Portal da Saúde.

Depois de ter sido submetido ao bombardeamento da oposição e da tia Zita.

Tudo o que se passou se afigura pouco sério, nada transparente.

E agora vêm pedir mais contributos ao zè povinho que já pagou mais um estudo para ficar na gaveta?

Este triste episódio faz-me lembrar o refrão de uma revista à portuguesa: «olhe, que nós somos putas, mas somos sérias.»
hospitaisepe


4.º - Pergunta cândida (possivelmente ignorante) que pode eventualmente entroncar-se na sustentabilidade do SNS:
- O recente (de hoje) veto do PR ao diploma (aprovado por unanimidade na AR) que aprovou "O regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas", interfere com o estatuto das PPP's?
É-Pá


5.º - A questão do estudo da Sustentabilidade do financiamento SNS foi mal gerida sobretudo pelo presidente da comissão (um licenciado em Direito!!!).
O presidente da Comissão não soube aproveitar alguns dos talentos que o Ministro da Saúde lhe meteu na equipa. Não soube envolver as profissões nos trabalhos da comissão. Não soube gerar debate nacional de forma estratégica e não soube evitar a saída de um dos mais importantes e influentes membros da equipa de trabalho técnico.

Sendo que o presidente da comissão, Prof. Jorge Simões, homem aqui do Norte, ambicionava ser um dos candidatos a substituir o actual ministro, isto correu-lhe tudo muito mal.

Veio a compreender-se que a saída de um dos membros da comissão foi o que melhor podia ter acontecido ao Ministro e que as suas motivações, conforme apresentadas em público, têm agora todo o apoio da opinião pública e das profissões da saúde. Agora compreendemos o que o jovem académico não queria explicitar na altura (talvez por medo de represálias de que não estará ainda livre).

A sustentabilidade do SNS não é uma questão exclusivamente financeira. E o relatório, como disse à imprensa, muito bem e com admirável coragem, esse ex-membro da comissão, podia ter sido produzido apenas por técnicos do ministério das finanças totalmente desconhecedores da realidade do sector da saúde. Tive oportunidade de ler os relatórios produzidos com propósitos semelhantes pelos canadianos e pelos ingleses e, depois de ler este português, fico com uma boa explicação de porque é que este país continua tão medíocre! Será que não havia gente mais conhecedora do sector da saúde para este desafio para além do incansável macro-economista Pitta Barros que carregou o piano sozinho?

E porque é que o Ministro não desafiou mais universidades a pensar sobre o assunto e apresentar propostas? Por exemplo, a Escola Superior de Gestão do Porto ou a Universidade Católica Portuguesa? Será porque, como sugere o ex-membro da comissão a propósito da proposta de acabar com os subsistemas, as propostas foram cozinhadas em reuniões paralelas aos trabalhos dos técnicos? Dá, de facto, essa sensação quando comprovamos que não são apresentadas grandes evidências que as justifiquem. E terá sido por isso que mais ninguém, para além dos membros da comissão, foi envolvido na elaboração das propostas?

Pois, se assim foi, ainda bem que há imprensa livre. Ainda bem que há jovens académicos e investigadores com coragem para recusarem uma espécie de 'colaboracionismo' discretamente corrupto.

Aqui da capital do Norte, fica o aviso á navegação: envolvam as pessoas que realmente interessam num processo de mudança com esta envergadura. Não o fechem em círculos previsíveis. Arriscam-se a grandes danos. Sobretudo para a sobrevivência do SNS.
Daniel


6.º - Chamo a atenção para o comentário anterior.
Um importante aviso à navegação.
E um alerta para o circulo cada vez mais fechado que se estabeleceu à volta do MS.
tambemquero

7.º - Aparentemente, não houve a arte de conseguir fazer aparecer o momento politico para gerar a discussão sobre a sustentabilidade do SNS.

Depois da TVI ter divulgado o que afinal se veio a revelar ser o verdadeiro relatório, e de o MS ter sumariamente arrumado a discussão, ficou claro que este relatório, com ou sem dissensões e saídas, teria o rumo dos anteriores, nomeadamente o mais recente, do CRES, de 1999 (acho).

Noto também que a "preocupação" com a ausência da discussão não foi suficiente para que muita gente lesse de facto o relatório e trouxesse para aqui os seus comentários e sugestões (mea culpa também, que nada escrevi ou comentei).

Como diz o Daniel, porque não envolver muito mais gente, agora, e fazendo um relatório "alternativo"?
lisboaearredores

8.º - Caro Daniel:

Tenho imensas dificuldades em aceitar que, o relatório sobre a sustentabilidade do SNS, "borregou", em virtude de incapacidades e tricas no interior da comissão.
Muito menos aceito que a causa remota esteja no elemento "desertor", a 2 dias da conclusão do relatório, falando em GDH's...
O relatório é um estudo técnico que, posteriormente, deveria sofrer uma análise política . Esta foi adiada e, em consequência, de evolução natural, o relatório caíu em lenta agonia.
Não concordo que a comissão tivesse como missão gerar uma discussão estratégica à sua volta.
Sejamos realistas. A Comissão tinha que construir um relatório com estudos e fundamentos técnicos e entregá-lo à entidade solicitante (MS) que depois o deveria trabalhar, politicamente. O MS não fez isso.
Optou por "suspendê-lo" ou se quisermos adiá-lo para a próxima legislatura (hiberná-lo).
Afirmar-se que as divergências (legítimas) do elemento que decidiu "desertar" da comissão, conquistaram "o apoio da opinião pública e dos profissionais de saúde" (mesmo sem ter havido qualquer debate público) é viver no Pais da Alce das Maravilhas. É confundir a nuvem com Juno.
Finalmente, as insunuações à volta de ocultas intenções do presidente da Comissão, mostram uma coisa que o texto pretende escamotear: a existência de jogos de poder no bastidor ou a vontade de um "lobby" para uma nova comissão, à boa maneira da OTA. Venha ela. Se há algo que faz falta são propostas alternativas, com uma única condição - desde que se debrucem sobre a sustentabilidade do SNS português. Para "encanar a perna à rã", não! Nem para alimentar folhetim no DE...

Fundamentalmente, o que correu mal neste processo deve-se ao MS e às pressões políticas que se geraram à sua volta que o tolheram e desmotivaram qualquer tipo de discussão
Embora, discorde de muitas das propostas do relatório, como por exemplo, a extinção da ADSE (já comentei isso neste blog), acho que devemos colocar os problemas no sítio certo.
O relatório não perdeu qualidade nem eficácia porque um dos seus elementos bateu com a porta. Isso pode existir na cabeça do núcleo dos seus amigos.
Uma comissão deve originar um núcleo de discussão coletiva e não vive da "genialidade" (aliás muito longe de comprovada) de um dos seus elementos.
Pode defender-se "amigos" com outros processos...
Assim não!
Pior será ainda socorrer-se de insunações que, não valozizando quem se pretende à ultrance defender e ilibar, acaba denegrir os todos. O que é "uma espécie de 'colaboracionismo' discretamente corrupto" ?

Declaração de interesses:
Sou íntimo amigo do Prof. Jorge Simões há dezenas de anos. Desde as velhas lutas académicas dos anos 60 e 70 e trabalhamos juntos no Teatro Universitário.
Tal situação nunca me impediu de criticar (o que achei merecedor disso) o relatório, em sucessivos comentários, neste blog.
Tal facto não mexeu um milimetro na nossa amizade pessoal. A frontalidade é indispensável no contexto da nossa amizade.

Nota: consegui chegar ao fim sem mencionar o nome do membro desertor. Custou!
É-Pá