quinta-feira, maio 10, 2007

CC, seminário OM e FLAD

A “Governação do Sistema Nacional de Saúde” é, antes do mais, um exercício de influência e de reorientação estratégica.

É uma aposta na condução ética do sistema, privilegiando objectivos de serviço público:

- Garantir ganhos em saúde mensuráveis;
- Favorecer um sistema mais justo e que contribua para a diminuição da desigualdade nos resultados em saúde dos portugueses e portuguesas;
- Assegurar que o funcionamento do sistema seja mais eficiente e mais flexível, adaptado e adaptável às necessidades dos cidadãos.
Para que a Governação pública do sistema de saúde tenha qualidade, há pelo menos cinco condições a assegurar:

1. - Garantir a centralidade do cidadão no sistema;
2. - Promover a descentralização e responsabilização na gestão das organizações prestadoras;
3. - Exercer uma influência intersectorial e junto de actores sociais, que permita actuar sobre as determinantes da saúde e as desigualdades em saúde - que “escapam” à alçada exclusiva do Ministério da Saúde;
4. - Investir estrategicamente nos sistemas de informação;
5. - E planear a organização e a re-organização do sistema de saúde de modo coerente e integrado, em função das necessidades em saúde da população e da melhor evidência científica disponível sobre “o que funciona”.
Sabemos que o quadro da decisão e da acção política é complexo. Na Saúde, a decisão política é, goste-se ou não, influenciada por múltiplos factores, e a evidência científica é apenas um deles.

A ideologia, as questões éticas e as questões religiosas, os recursos financeiros limitados, a pressão da opinião pública e das associações de doentes, e a pressão dos lobbies , quer privados (indústria farmacêutica, fabricantes de equipamento, prestadores privados,..), quer os lobbies ligados ao sector público (sindicatos, grupos de profissionais, “burocratas”, poder regional e poder local..), são factores que condicionam, influenciam e moldam as decisões políticas na Saúde, a par com a evidência científica disponível relativamente à matéria em decisão.

Sendo esta uma realidade inquestionável, a luta de quem tem por obrigação garantir uma boa governação da saúde é a de favorecer a influência deste último factor na tomada da decisão. Ou seja, construir uma orientação política clara no sentido de a evidência científica ganhar peso, entre os factores que condicionam a tomada de decisão na Saúde, a todos os níveis decisores.

É, portanto, mais pragmático e mais útil falar em política de saúde alertada para a evidência (“evidence-aware policy”), uma formulação mais realista mais do que a, ideal e abstracta, política assente na evidência (“evidence-based policy”).

Decidir, politicamente, de forma alheada da evidência científica disponível, ou não a procurando, teria consequências desastrosas: aumento da ineficiência e injustiça do sistema, piores resultados em saúde e aumento da despesa (p. ex. despesa com medicamentos não sujeitos à devida avaliação fármaco-económica).

Assim, uma política de saúde consciente da evidência científica procura construir e considerar toda a informação válida disponível e relevante para decidir sobre a questão em causa, com o objectivo de obter ganhos em saúde de forma eficiente e efectiva.

E isto é válido ao nível das decisões políticas estratégicas, ao nível da gestão regional ou institucional e ao nível da prática clínica quotidiana.

Ora, como a existência e a disponibilidade de informação válida e relevante que apoie a tomada de decisões nem sempre são uma realidade, é absolutamente crucial investir nos sistemas de informação na saúde. Só com boa informação se pode realizar avaliação económica de tecnologias em saúde, incluindo a terapêutica medicamentosa, ou avaliação das necessidades de saúde e do impacto de medidas na saúde e na desigualdade em saúde. E só com boa informação se pode garantir uma eficaz gestão da doença, do risco clínico e a avaliação necessária e transparente dos profissionais, das equipas e das instituições que prestam cuidados.

Usar a melhor evidência disponível é importante não apenas para o desenvolvimento da política de saúde - informando “o que fazer” - , mas também, e cada vez mais, para a forma de implementação das políticas, informando qual o modo mais eficaz de implementar, no terreno, o que tiver sido decidido superiormente.

Há vários exemplos recentes, relativos a Portugal, sobre decisões políticas em Saúde informadas pela evidência científica:

1. - A aposta política na reforma dos cuidados de saúde primários, com o lançamento das unidades de saúde familiar e a reforma (em preparação) dos centros de saúde, indo ao encontro da lógica da prevenção da doença e da reorientação de um sistema demasiado hospitalo-cêntrico (e internamento-cêntrico) como é o nosso, para um sistema que privilegia a promoção da saúde e a adequada gestão das doenças crónicas, com melhor acesso ao médico e enfermeiro de família. A este propósito, inverteu-se já uma tendência instalada e perversa de abertura de vagas no internato médico que não correspondia às necessidades dos cidadãos portugueses, que precisam, sobretudo, de mais especialistas em medicina geral e familiar.

2. - A construção, em parceria com a Segurança Social, da Rede de Cuidados Continuados Integrados, que garante maior adequação dos cuidados às necessidades dos doentes; que favorece a diminuição das readmissões hospitalares e a qualidade de vida dos idosos e dependentes; e que assenta no alargamento das respostas do Serviço Nacional de Saúde, por si e com parceiros do sector social e privado.

3. - A concentração das salas de partos, informada pelo trabalho de peritos médicos da Comissão Nacional de Saúde Materno-infantil e com base em critérios de casuística adoptados internacionalmente, para favorecer a segurança clínica e a qualidade dos cuidados prestados às parturientes e aos recém-nascidos.

4. - A reconversão de Serviços de Atendimento Permanente com menos de cinco ou dez atendimentos por noite no período nocturno, servindo um número reduzido de utentes e com apenas aparente sensação de segurança nos casos urgentes, em horas de médicos de família, disponíveis para atender um número de utentes considerável que, até então, não tinham devida garantia de acesso, por incorrecta utilização dos recursos escassos. Em paralelo, para ampliar a qualidade e segurança da Rede de Emergência e Urgência, iniciou-se uma reforma destes cuidados, tecnicamente informada por uma comissão nacional de peritos, que conduzirá a uma melhoria na equidade territorial do acesso a cuidados de urgência, com um reforço dos meios do INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica e um aumento da segurança para os cidadãos.

5. - No domínio do consumo de medicamentos, introduziu-se racionalidade na decisão de autorização de novas terapêuticas no mercado, condicionando a autorização à devida avaliação fármaco-económica, sob responsabilidade do Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, distinguindo a “boa” inovação da inovação que gera desperdício de recursos, sem vantagem para os cidadãos.
Termino esta intervenção sublinhando que, a entidades como a Ordem dos Médicos ou as faculdades de ciências da saúde cabe um papel primordial no domínio da decisão baseada na evidência, quer no âmbito da vasta auto-regulação profissional que compete à Ordem e aos seus Colégios de Especialidades, como no âmbito da formação de novos profissionais e de actividades de investigação que as faculdades desenvolvem.

As nossas responsabilidades são grandes e o contributo que, todos, devemos dar para que as decisões políticas, clínicas e de gestão sejam, cada vez mais, assentes na melhor evidência científica disponível é considerável.
Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) - 4 de Maio de 2007.
O Ministro da Saúde , António Correia de Campos