Privados atraem médicos hi-tech
Carreiras Especialistas de topo estão a trocar o serviço público por tecnologia que o Estado não consegue pagar. A formação clínica é a aposta que se segue
O Serviço Nacional de Saúde está doente. Padece de uma “crise de identidade” e “não tem dinheiro” para se tratar. O diagnóstico é feito por alguns dos mais conceituados médicos portugueses que ‘fizeram as malas’ para o sector privado à procura de “melhores condições de trabalho”.
O otorrino João Paço foi dos primeiros a sair. Os anos 90 estavam a começar e só precisou de uma folha A4 para trocar Santa Maria pelo Hospital da CUF. “Era uma lista de equipamento que eu queria. Gastaria mais de 100 mil contos (500 mil euros) ao hospital e aceitaram”. O Grupo Mello — proprietário da unidade — fez o investimento, o sucesso confirmou-se e João Paço subiu os degraus até à direcção clínica. Passou pouco mais de um ano no cargo e o médico já tirou 35 clínicos ao Estado.
A remuneração é um dos atractivos óbvios — o especialista admite que “é um grande salto económico” — mas nem sempre determinante. “Os privados dão condições de trabalho únicas. Temos equipamentos que o sector público nem conhece”. Mas há mais ‘mimos’: a formação frequente em instituições estrangeiras de renome.
João Sá é um recém-chegado à medicina hospitalar privada e confirma o poder de atracção da tecnologia quando é preciso optar por um dos sistemas. Há um mês trocou a direcção clínica de São José pelo novo Hospital da Luz e a informatização contou. “Este é o hospital com que sempre sonhei, mas foi uma decisão difícil. Ainda estou a fazer o luto, foram 35 anos no Estado”. Todavia, o médico faz questão de dizer que o dinheiro não falou mais alto: “Com as horas extraordinárias e em regime de exclusividade ia ganhar quase o mesmo. Saí porque no público é tudo muito lento”.
O convite foi feito pelo antigo director do serviço de cirurgia cardiotorácica de Santa Marta, José Roquette. O cirurgião ‘trocou a bata’ no final do ano passado mas participou no projecto do Hospital da Luz (do Grupo Espírito Santo) desde o início — há seis anos. “Isto é um degrau na carreira: a possibilidade de escolher as equipas e a tecnologia. E não era possível fazer uma conciliação”.
Apesar de ter recusado sempre o vínculo da exclusividade no Estado, José Roquette agora mudou de ideias. “Aqui não há as baias das instituições públicas. Havia a sensação de crescer controlado por uma administração limitada por questões políticas”. Ao invés, na Luz “o céu é o limite. Quem quiser ganhar mais só tem de trabalhar mais”, garante.
E esta filosofia das unidades privadas parece agradar aos médicos, pelo menos aos 501 que no ano passado rescindiram contrato com a administração pública. O Ministério da Saúde registou ainda 175 pedidos de licença sem vencimento. A tutela não consegue detalhar, mas algumas destas licenças são, na prática, transferências para a medicina privada. E o mercado continua a crescer, agora com os Hospitais Privados de Portugal (HPP), da Caixa Geral de Depósitos, a construírem mais um hospital em Lisboa.
Ao Expresso, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada revelou projecções para que “os hospitais privados portugueses tenham até 2008 mais de 3000 camas disponíveis e representem cerca de 25% da capacidade cirúrgica nacional”. E dois anos depois, “em 2010, mais de 30% da população portuguesa estará coberta por um seguro de saúde”. José Roquette partilha desta opinião e até invoca a sabedoria popular: “Na saúde funciona o ditado vão-se os anéis, ficam os dedos”. Por isso, o assessor médico dos HPP e antigo director de Santa Marta, Maldonado Simões, não receia ficar com camas vazias.
A qualidade parece ser uma aposta ganha e os grupos privados têm dinheiro para investir e estão já a preparar a entrada na formação pós-graduada. Ou seja, na possibilidade dos médicos obterem a sua especialização em unidades fora do sistema estatal. Os hospitais CUF estão a preparar a apresentação do projecto à Ordem dos Médicos e os concorrentes da Luz admitiram ao Expresso que a sua estratégia passa por fazer o mesmo.
Semanário expresso, 05 Maio 2007
O Serviço Nacional de Saúde está doente. Padece de uma “crise de identidade” e “não tem dinheiro” para se tratar. O diagnóstico é feito por alguns dos mais conceituados médicos portugueses que ‘fizeram as malas’ para o sector privado à procura de “melhores condições de trabalho”.
O otorrino João Paço foi dos primeiros a sair. Os anos 90 estavam a começar e só precisou de uma folha A4 para trocar Santa Maria pelo Hospital da CUF. “Era uma lista de equipamento que eu queria. Gastaria mais de 100 mil contos (500 mil euros) ao hospital e aceitaram”. O Grupo Mello — proprietário da unidade — fez o investimento, o sucesso confirmou-se e João Paço subiu os degraus até à direcção clínica. Passou pouco mais de um ano no cargo e o médico já tirou 35 clínicos ao Estado.
A remuneração é um dos atractivos óbvios — o especialista admite que “é um grande salto económico” — mas nem sempre determinante. “Os privados dão condições de trabalho únicas. Temos equipamentos que o sector público nem conhece”. Mas há mais ‘mimos’: a formação frequente em instituições estrangeiras de renome.
João Sá é um recém-chegado à medicina hospitalar privada e confirma o poder de atracção da tecnologia quando é preciso optar por um dos sistemas. Há um mês trocou a direcção clínica de São José pelo novo Hospital da Luz e a informatização contou. “Este é o hospital com que sempre sonhei, mas foi uma decisão difícil. Ainda estou a fazer o luto, foram 35 anos no Estado”. Todavia, o médico faz questão de dizer que o dinheiro não falou mais alto: “Com as horas extraordinárias e em regime de exclusividade ia ganhar quase o mesmo. Saí porque no público é tudo muito lento”.
O convite foi feito pelo antigo director do serviço de cirurgia cardiotorácica de Santa Marta, José Roquette. O cirurgião ‘trocou a bata’ no final do ano passado mas participou no projecto do Hospital da Luz (do Grupo Espírito Santo) desde o início — há seis anos. “Isto é um degrau na carreira: a possibilidade de escolher as equipas e a tecnologia. E não era possível fazer uma conciliação”.
Apesar de ter recusado sempre o vínculo da exclusividade no Estado, José Roquette agora mudou de ideias. “Aqui não há as baias das instituições públicas. Havia a sensação de crescer controlado por uma administração limitada por questões políticas”. Ao invés, na Luz “o céu é o limite. Quem quiser ganhar mais só tem de trabalhar mais”, garante.
E esta filosofia das unidades privadas parece agradar aos médicos, pelo menos aos 501 que no ano passado rescindiram contrato com a administração pública. O Ministério da Saúde registou ainda 175 pedidos de licença sem vencimento. A tutela não consegue detalhar, mas algumas destas licenças são, na prática, transferências para a medicina privada. E o mercado continua a crescer, agora com os Hospitais Privados de Portugal (HPP), da Caixa Geral de Depósitos, a construírem mais um hospital em Lisboa.
Ao Expresso, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada revelou projecções para que “os hospitais privados portugueses tenham até 2008 mais de 3000 camas disponíveis e representem cerca de 25% da capacidade cirúrgica nacional”. E dois anos depois, “em 2010, mais de 30% da população portuguesa estará coberta por um seguro de saúde”. José Roquette partilha desta opinião e até invoca a sabedoria popular: “Na saúde funciona o ditado vão-se os anéis, ficam os dedos”. Por isso, o assessor médico dos HPP e antigo director de Santa Marta, Maldonado Simões, não receia ficar com camas vazias.
A qualidade parece ser uma aposta ganha e os grupos privados têm dinheiro para investir e estão já a preparar a entrada na formação pós-graduada. Ou seja, na possibilidade dos médicos obterem a sua especialização em unidades fora do sistema estatal. Os hospitais CUF estão a preparar a apresentação do projecto à Ordem dos Médicos e os concorrentes da Luz admitiram ao Expresso que a sua estratégia passa por fazer o mesmo.
Semanário expresso, 05 Maio 2007
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