Hospital da Luz (2)
Outro caso de uma figura pública . Nem Jorge Sampaio teve tanta exposição
Nem mesmo quando o antigo Presidente da República Jorge Sampaio foi operado ao coração e a um aneurisma se viu uma cobertura mediática semelhante à recebida agora pelo antigo internacional português Eusébio da Silva Ferreira.
Nesse final de Julho de 1996, os jornais, as rádios e as televisões estiveram em cima do acontecimento, não só pela gravidade da situação clínica do Chefe de Estado - uma malformação congénita no coração - que levou a que pela primeira vez no pós-25 de Abril um presidente fosse substituído temporariamente, mas também por uma guerra interna na classe médica devido a uma excessiva exposição mediática de um dos três cardiologistas que poderiam vir a ser escolhidos para operar Jorge Sampaio.
O presidente deu entrada no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, a 26 de Julho, tendo a imprensa tido acesso a informação sobre os procedimentos clínicos que a equipa médica iria seguir.
Mas apenas na tarde do dia da operação houve encontros com imprensa com a equipa médica responsável pela cirurgia a Jorge Sampaio, liderada pelo cirurgião João Queiroz e Melo. Foram dois boletins clínicos, o primeiro dos quais com os oito médicos que operaram o então Presidente.
A informação sobre o seu estado de saúde era actualizada nesse dia ao final da tarde.
Nos dias que se seguiram, a informação era sobretudo transmitida pela família do antigo chefe de Estado ou pelos assessores da presidência, que confirmaram os telefonemas e visitas recebidas por Sampaio em Santa Cruz. J.F.C.
a O internamento de Eusébio da Silva Ferreira no Hospital da Luz (HL), em Lisboa, deu à recém-inaugurada unidade da Espírito Santo Saúde uma exposição mediática sem precedentes. Pela primeira vez, a comunicação social teve informação clínica permanente sobre a saúde de uma vedeta e conferências de imprensa diárias às horas dos noticiários das televisões. É este é um novo modelo de comunicação a seguir pelas unidades de saúde?
Quando uma figura pública é internada num hospital ou clínica privada, a regra é geralmente o silêncio absoluto. Os jornalistas passam horas desdobrando-se em contactos, procurando localizar médicos ou enfermeiros conhecidos que lhes confirmem informação que a direcção do hospital não quer divulgar. A informação clínica sobre um doente é segredo profissional que só pode ser quebrado com a sua autorização ou da família, mas, mesmo quando essa permissão existe, a maioria das unidades restringe-a ao máximo.
Quando, na madrugada de sábado (21), Eusébio ficou internado no novo HL, os jornalistas tiverem acesso a informação clínica atempada, a respostas constantes, a conferências de imprensa sobre o seu estado de saúde. O modelo é usado com frequência em hospitais estrangeiros para grandes figuras, mas em Portugal nunca se tinha visto nada assim. O caso tem sido discutido entre os profissionais de saúde e muitos blogues que aludem a um eventual aproveitamento publicitário do HL.
"Achamos que seria preferível dar informação clara e regular do estado clínico, do que permitir que a comunicação social fizesse qualquer tipo de especulação sobre o caso ou que divulgasse informação deturpada", afirma José Roquette, director clínico do hospital privado. "Eusébio e os seus familiares deram-nos autorização para o fazer e qualquer um dos comunicados foi primeiro mostrado à sua família", esclarece.
Logo no sábado, os jornalistas montavam cerco ao hospital. Nessa tarde, o director da unidade de Cuidados Intensivos onde Eusébio ficou inicialmente internado, Andrade Gomes, falou aos jornalistas à porta da unidade. Ao final da tarde, era o director clínico que passava a dar a cara e a informação. No dia da operação ao jogador, os boletins clínicos passaram a ser divulgados em conferências de imprensa numa sala do hospital e à hora de abertura dos telejornais. "Foram as televisões que pediram as conferências a essa hora para entrarem em directo. A comunicação social deu um enorme destaque à situação clínica de Eusébio", justifica Roquette. "As conferências com boletins clínicos acabam no dia seguinte à operação, porque achamos que não havia mais informação clínica relevante a comunicar". Certo é que nem mesmo em 1996, quando o então Presidente da República Jorge Sampaio era operado ao coração, houve tantos boletins clínicos com equipas médicas.
O director clínico da Luz diz que, para a instituição - oficialmente inaugurada no mês passado -, a exposição mediática podia ser um pau de dois bicos. "Este processo só é novo porque se trata de uma figura como o Eusébio. Se a comunicação - que é uma área totalmente colateral à nossa vocação clínica - corresse mal, isso teria grande impacte no futuro do hospital", argumenta.
Dois responsáveis hospitalares contactados pelo PÚBLICO não têm dúvidas em afirmar que se esta situa-
ção tivesse ocorrido num hospital público, a postura teria sido bem mais discreta. O presidente do conselho de administração do Hospital de S. Sebastião, na Feira, considera "excessiva" a forma como a unidade lidou com o caso. "Apesar de reconhecer a importância mediática do Eusébio, como médico e como responsável de um hospital, considero que houve uma exposição excessiva do hospital. Conferências de imprensa com vários médicos e explicações técnicas complexas, que ninguém entendeu", diz Hugo Meireles. "O hospital aproveitou esta acontecimento inesperado. O problema do Eusébio é de alguma gravidade, mas há milhares de casos destes tratados nos hospitais públicos e com a melhor tecnologia."
Segundo o responsável do Hospital da Feira - a primeira unidade pública a seguir um modelo de gestão empresarial privada -, o facto de a unidade da Luz ter sido inaugurada recentemente pelo Presidente da República numa cerimónia mediática, contribui para a agravar a ideia de mediatismo excessivo da unidade. E defende que se Eusébio tivesse sido internado na Feira, a postura adoptada seria "a de fornecer informação de forma simples e com o mínimo de exposição pública do hospital".
O director da Urgência do Hospital de S. José, em Lisboa - por onde passaram inúmeras figuras mediáticas -, não censura a forma como o HL conduziu o processo e acha que há o direito de informar. "Mas, se fosse no Centro Hospitalar de Lisboa, haveria mais discrição e mais reserva", admite o cirurgião João Varandas Fernandes.
Nem mesmo quando o antigo Presidente da República Jorge Sampaio foi operado ao coração e a um aneurisma se viu uma cobertura mediática semelhante à recebida agora pelo antigo internacional português Eusébio da Silva Ferreira.
Nesse final de Julho de 1996, os jornais, as rádios e as televisões estiveram em cima do acontecimento, não só pela gravidade da situação clínica do Chefe de Estado - uma malformação congénita no coração - que levou a que pela primeira vez no pós-25 de Abril um presidente fosse substituído temporariamente, mas também por uma guerra interna na classe médica devido a uma excessiva exposição mediática de um dos três cardiologistas que poderiam vir a ser escolhidos para operar Jorge Sampaio.
O presidente deu entrada no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, a 26 de Julho, tendo a imprensa tido acesso a informação sobre os procedimentos clínicos que a equipa médica iria seguir.
Mas apenas na tarde do dia da operação houve encontros com imprensa com a equipa médica responsável pela cirurgia a Jorge Sampaio, liderada pelo cirurgião João Queiroz e Melo. Foram dois boletins clínicos, o primeiro dos quais com os oito médicos que operaram o então Presidente.
A informação sobre o seu estado de saúde era actualizada nesse dia ao final da tarde.
Nos dias que se seguiram, a informação era sobretudo transmitida pela família do antigo chefe de Estado ou pelos assessores da presidência, que confirmaram os telefonemas e visitas recebidas por Sampaio em Santa Cruz. J.F.C.
a O internamento de Eusébio da Silva Ferreira no Hospital da Luz (HL), em Lisboa, deu à recém-inaugurada unidade da Espírito Santo Saúde uma exposição mediática sem precedentes. Pela primeira vez, a comunicação social teve informação clínica permanente sobre a saúde de uma vedeta e conferências de imprensa diárias às horas dos noticiários das televisões. É este é um novo modelo de comunicação a seguir pelas unidades de saúde?
Quando uma figura pública é internada num hospital ou clínica privada, a regra é geralmente o silêncio absoluto. Os jornalistas passam horas desdobrando-se em contactos, procurando localizar médicos ou enfermeiros conhecidos que lhes confirmem informação que a direcção do hospital não quer divulgar. A informação clínica sobre um doente é segredo profissional que só pode ser quebrado com a sua autorização ou da família, mas, mesmo quando essa permissão existe, a maioria das unidades restringe-a ao máximo.
Quando, na madrugada de sábado (21), Eusébio ficou internado no novo HL, os jornalistas tiverem acesso a informação clínica atempada, a respostas constantes, a conferências de imprensa sobre o seu estado de saúde. O modelo é usado com frequência em hospitais estrangeiros para grandes figuras, mas em Portugal nunca se tinha visto nada assim. O caso tem sido discutido entre os profissionais de saúde e muitos blogues que aludem a um eventual aproveitamento publicitário do HL.
"Achamos que seria preferível dar informação clara e regular do estado clínico, do que permitir que a comunicação social fizesse qualquer tipo de especulação sobre o caso ou que divulgasse informação deturpada", afirma José Roquette, director clínico do hospital privado. "Eusébio e os seus familiares deram-nos autorização para o fazer e qualquer um dos comunicados foi primeiro mostrado à sua família", esclarece.
Logo no sábado, os jornalistas montavam cerco ao hospital. Nessa tarde, o director da unidade de Cuidados Intensivos onde Eusébio ficou inicialmente internado, Andrade Gomes, falou aos jornalistas à porta da unidade. Ao final da tarde, era o director clínico que passava a dar a cara e a informação. No dia da operação ao jogador, os boletins clínicos passaram a ser divulgados em conferências de imprensa numa sala do hospital e à hora de abertura dos telejornais. "Foram as televisões que pediram as conferências a essa hora para entrarem em directo. A comunicação social deu um enorme destaque à situação clínica de Eusébio", justifica Roquette. "As conferências com boletins clínicos acabam no dia seguinte à operação, porque achamos que não havia mais informação clínica relevante a comunicar". Certo é que nem mesmo em 1996, quando o então Presidente da República Jorge Sampaio era operado ao coração, houve tantos boletins clínicos com equipas médicas.
O director clínico da Luz diz que, para a instituição - oficialmente inaugurada no mês passado -, a exposição mediática podia ser um pau de dois bicos. "Este processo só é novo porque se trata de uma figura como o Eusébio. Se a comunicação - que é uma área totalmente colateral à nossa vocação clínica - corresse mal, isso teria grande impacte no futuro do hospital", argumenta.
Dois responsáveis hospitalares contactados pelo PÚBLICO não têm dúvidas em afirmar que se esta situa-
ção tivesse ocorrido num hospital público, a postura teria sido bem mais discreta. O presidente do conselho de administração do Hospital de S. Sebastião, na Feira, considera "excessiva" a forma como a unidade lidou com o caso. "Apesar de reconhecer a importância mediática do Eusébio, como médico e como responsável de um hospital, considero que houve uma exposição excessiva do hospital. Conferências de imprensa com vários médicos e explicações técnicas complexas, que ninguém entendeu", diz Hugo Meireles. "O hospital aproveitou esta acontecimento inesperado. O problema do Eusébio é de alguma gravidade, mas há milhares de casos destes tratados nos hospitais públicos e com a melhor tecnologia."
Segundo o responsável do Hospital da Feira - a primeira unidade pública a seguir um modelo de gestão empresarial privada -, o facto de a unidade da Luz ter sido inaugurada recentemente pelo Presidente da República numa cerimónia mediática, contribui para a agravar a ideia de mediatismo excessivo da unidade. E defende que se Eusébio tivesse sido internado na Feira, a postura adoptada seria "a de fornecer informação de forma simples e com o mínimo de exposição pública do hospital".
O director da Urgência do Hospital de S. José, em Lisboa - por onde passaram inúmeras figuras mediáticas -, não censura a forma como o HL conduziu o processo e acha que há o direito de informar. "Mas, se fosse no Centro Hospitalar de Lisboa, haveria mais discrição e mais reserva", admite o cirurgião João Varandas Fernandes.
Jornal Público 30.04.07
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