domingo, março 04, 2007

USF


As USF deram médico de família a 64 mil utentes, bem abaixo dos 225 mil estimados . Só metade dos centros de saúde avançou com novo modelo.

As paredes do futuro Centro de Saúde de Paço de Arcos (Oeiras) tinham sido pintadas há pouco, o espaço novo era amplo e luminoso. José João Mendonça, um dos médicos que acompanharam, em Agosto do ano passado, a visita do ministro da Saúde, Correia de Campos, ao local continua à espera de começar a trabalhar de acordo com o modelo de centro de saúde. A primeira unidade de saúde familiar (USF) arrancou faz hoje seis meses. Há atrasos e nem metade das 100 unidades previstas para 2006 estão a funcionar; há cerca de 64 mil portugueses que ganharam médico de família, um número muito abaixo dos 225 mil prometidos inicialmente pelo Governo.
"Continuo a acreditar no modelo, mas continuo à espera. É muito ingrata a indefinição", desabafa o médico de família José João Mendonça. A equipa de oito clínicos, oito enfermeiros e cinco administrativos que se candidataram consigo à USF de Paço de Arcos são uma das 26 candidaturas aprovadas que continuam à espera de avançar.

As USF são pequenos grupos de médicos, enfermeiros e administrativos que se juntam voluntariamente para, funcionando dentro de um centro de saúde de forma autónoma, gerirem os seus doentes. Um dos objectivos é que os clínicos alarguem a sua lista de utentes, fazendo diminuir as pessoas sem médico de família. Os profissionais passam, para isso, a receber incentivos remuneratórios ao seu desempenho, que só anteontem foram aprovados em Conselho de Ministros.

Necessárias 400 unidades
Em vez das 100 USF previstas para 2006 ficou-se a menos de metade: abriram 43 até final do ano. Estão hoje a funcionar 48. "Seriam precisas 400 USF para que o país deixasse de ter utentes sem médico de família" [que se estima serem 750 mil], refere Carlos Nunes, membro da Missão para os Cuidados de Saúde Primários.

Razões da demora? Obras de adaptação de edifícios, informatização dos serviços e dificuldades na transferência de profissionais, que precisam de ser substituídos quando abandonam os seus centros de saúde de origem - algo dificultado pela falta de médicos de família em algumas zonas, explica Luís Pisco, coordenador nacional da Missão para a Reforma dos Cuidados Primários.

Grande adesão no Norte
A grande adesão ao novo modelo teve lugar no Norte. E tal não aconteceu por acaso, nota o responsável: foi nesta região do país que arrancou em 1998 a experiência piloto que inspirou as USF. Nas 19 unidades a funcionar de acordo com o chamado regime remuneratório experimental os médicos já recebem de acordo com o seu desempenho: quanto mais trabalham, mais recebem. "No Norte há mais confiança no modelo, percebem melhor como funciona", sublinha Luís Pisco.

Grande parte das candidaturas veio do Porto (38), 14 de Braga, 19 de Lisboa, 14 de Setúbal, 13 de Santarém, 12 de Aveiro e 10 de Coimbra. Só nos distritos de Castelo Branco, Portalegre e Guarda não houve candidatos.

Os resultados das USF no terreno já se notam, comenta o presidente do conselho de administração do Hospital de Santa Maria da Feira, Hugo Meireles. Muitos dos que acorrem às urgências fazem-no por falta de consulta nos centros de saúde, nota. Atribui, por isso, à abertura da USF de Lourosa (uma das freguesias do concelho) e ao reforço das suas consultas a diminuição de 25 por cento das idas à urgência hospitalar da população daquela área.

Mas nem tudo correu bem desde o início. Ter no mesmo centro de saúde um grupo de profissionais autónomo que não responde à direcção do centro trouxe, por vezes, conflitos. Embora "ultrapassados", José Miguel da Conceição, o coordenador da USF de Condeixa, reconhece que houve "dificuldades" com os colegas com quem partilham o espaço no Centro de Saúde de Condeixa. "Havia médicos, enfermeiros e administrativos que não viam com bons olhos a nossa iniciativa."

O responsável lamenta também o atraso na aprovação dos incentivos remuneratórios aos profissionais que funcionam de acordo com este novo modelo. "Fomos uma espécie de carolas à espera de recompensas futuras."

Quem é muito crítico em relação a este modelo é o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. Guadalupe Simões, membro da direcção, afirma que o que está em causa neste modelo é "a quantidade dos actos prestados, mais do que a qualidade".
Médicos que já tinham nas suas listas de utentes 1500 pessoas são incentivados a alargá-las, nota. Para o sindicato, o modelo penaliza a relação de confiança com o utente e os cuidados de proximidade e não prevê a figura do enfermeiro de família, preconizada pela Organização Mundial de Saúde.
Jornal Público 04.03.07- Catarina Gomes


Preparação para o parto e pequenas cirurgias

Abertas também durante os fins-de-semana, preparação para o parto, consultas de desabituação tabágica, pequenas cirurgias, vigilância de diabetes e acções de educação para a saúde nas escolas são algumas das novas valências que alguns centros de saúde a funcionar de acordo com o modelo de unidade de saúde familiar (usf) oferecem aos utentes, afirma carlos nunes, membro da missão para os cuidados de saúde primários. cada usf tem que assegurar uma série de serviços obrigatórios, como o atendimento das 8h00 às 20h00, mas as unidades podem também oferecer serviços adicionais. a desabituação tabágica ou a preparação para o parto são dois dos exemplos. optaram por dar este tipo de serviços 16 das 48 unidades já a funcionar. ao mesmo tempo, houve usf que alargaram o horário. de um total de 124 candidaturas já aprovadas, 15 propõem o atendimento até às 22h00, 33 querem oferecer cuidados ao sábado e 20 também ao domingo e feriados. carlos nunes dá também o exemplo de doentes que precisam de mudar de penso todos os dias e que ficam sem cuidados de enfermagem ao fim-de-semana; algumas unidades propõem-se disponibilizá-los ao sábado e domingo. c.g.

Uma semana para ter consulta em Valongo
a Imagine que lhe telefonam do seu centro de saúde a perguntar por que razão não vai ao médico há mais de um ano. Fantasia? Não. Realidade, ainda que apenas para um pequeno número de privilegiados. É isto mesmo que tem acontecido - para grande surpresa dos próprios - a alguns dos inscritos na Unidade de Saúde Familiar (USF) de Valongo, uma das quatro primeiras a arrancar no país.
"A nossa prática é pró-activa. Vamos atrás das pessoas dos grupos de risco [como os diabéticos e os hipertensos]. O computador avisa quando alguém não tem consulta há mais de um ano", explica Margarida Aguiar, a coordenadora desta USF pioneira, que se espraia por uma parte do enorme primeiro piso do moderno edifício do Centro de Saúde de Valongo.
"Parece um bocadinho que andamos a perseguir os doentes", ironiza. Mas a ideia é "obter ganhos em saúde". Senão, não valia a pena mudar de paradigma. Na USF de Valongo os profissionais podem dar-se a esse luxo. Ao contrário do que acontece na maior parte dos centros de saúde das áreas suburbanas do Porto, ali todos os inscritos (14.150) têm médico assistente, sendo certo que cada clínico é responsável por cerca de 1750 pessoas (quando o máximo a que seriam obrigados se fica pelos 1500). Constituída por oito médicos (um dos quais vindo de fora), oito enfermeiros e seis administrativos, a unidade absorveu, assim, 3900 pessoas que estavam "a descoberto".
Até parece bom de mais para ser verdade. A sala de espera é ampla, há três aparelhos de televisão, uma máquina com bebidas e outra repleta de sanduíches, e uma pequena área, o "cantinho", como lhe chama Margarida Aguiar, para as mulheres que amamentam e as que estão grávidas. Mas nem sequer são essas as principais vantagens da USF, na perspectiva dos utentes. Veja-se a experiência de Cristina Cruz, de 34 anos, três filhos pequenos, que ao fim da tarde (a unidade está aberta das 8h00 até às 20h00, de segunda a sexta-feira) aguardava, serena, por uma consulta aberta (para atendimento de situações urgentes) no seu médico de família, depois de ter levado um dos filhos a uma consulta programada.
Antes de a USF abrir, para marcar um atendimento de rotina, tinha de esperar "um ou dois meses", enquanto hoje isso se consegue "de uma semana para a outra". Se, no passado, para ser vista numa consulta de recurso precisava de "uma, duas horas ou mais", agora, desde que haja consulta aberta, aguarda "no máximo meia hora", diz, enquanto os filhos correm pela sala.
Sentado ao lado, Carlos Pimenta também só debita elogios. Há pouco tempo num novo emprego, não lhe passava pela cabeça faltar para vir ao médico de família. Antes, se adoecesse tinha que sair mais cedo do trabalho e corria o risco de esperar, esperar e "não conseguir uma consulta de urgência". "Às vezes não havia vagas...". Agora, o problema não se põe, sequer. Com o horário semanal do seu clínico assistente na mão, sabe quais são os períodos em que ele está disponível para consultas sem marcação prévia. E, se ele faltar, Carlos não fica sem resposta. Os médicos comprometem-se a substituir os colegas ausentes.
É uma questão de organização e, sobretudo, de informação, muita informação mesmo. Para além das placas espalhadas um pouco por todo o lado (a especificar horários, tipos de consultas), há folhetos a explicar tudo e mais alguma coisa: o que é a USF, o horário dos médicos com os respectivos contactos, dicas para as futuras mães sobre o que se deve fazer nos primeiros dias após o nascimento, conselhos sobre a alimentação no primeiro ano de vida. Há consultas de saúde materna e infantil, planeamento familiar, para diabéticos, hipertensos, idosos, e uma consulta de cessação tabágica. Como é que se consegue fazer tanta coisa? "Há horário de entrada, mas não de saída", suspira a administrativa Carla Ribeiro.
A USF de Valongo também lucrou com o facto de já ter tudo preparado antes do arranque, por ser candidata ao Regime Remuneratório Experimental (RRE). Os médicos parecem satisfeitos: "Trabalhamos mais, mas é compensador", garante Bessa Cardoso. Não só do ponto de vista remuneratório (ao contrário do que acontece em outras USF, os incentivos ao desempenho são pagos desde o início em Valongo por causa da candidatura prévia ao RRE), mas sobretudo porque há uma "maior organização do serviço e menos pressão", explica o médico de cabelos grisalhos que ainda só não se habitou a fazer tudo no computador (as falhas do sistema informático constituem um problema). Antigamente, recorda, às segundas-feiras de manhã chegavam a juntar-se "30, 40, 50 pessoas" na sala de espera. "Era o caos, as pessoas acorriam em monte". Agora, "o esqueleto está feito, sentimos que estamos no bom caminho, mas isto ainda é passível de muita melhoria", admite. Um exemplo: as visitas domiciliárias dos médicos ficaram aquém do que estava programado. Mas, em contrapartida, as dos enfermeiros suplantaram as expectativas.
O reverso da medalha é que a procura da USF de Valongo foi tanta que, ao fim de dois meses, foi necessário fechar as inscrições. A unidade atingiu o seu tecto e os utentes do centro de saúde que sobraram estão agora remetidos ao piso de baixo, onde se continua a seguir o modelo convencional. Ali há 2700 pessoas sem médico de família a que os dois clínicos da especialidade e outro não especialista tentam dar a melhor resposta possível. Ficaram no rés-do-chão. "Assim não estranham tanto", brinca Margarida.
Alexandra Campos

Faltam médicos de família
É nas zonas suburbanas do Porto e Lisboa que há mais utentes sem médico de família. Em Setúbal, o problema atinge quase 30 por cento da população e em Braga também é grave - ambas são cidades que conheceram "um crescimento demográfico extraordinário", afirma Carlos Nunes, membro da Missão para os Cuidados de Saúde Primários.
Enquanto no interior do país a taxa de cobertura é total, ou é muito baixa a percentagem de utentes sem médico assistente, na Sub-Região de Saúde de Setúbal mais de um quarto (26,7 por cento) das pessoas inscritas não dispõem de clínico, revelam dados do Instituto de Gestão Informática e Financeira de Dezembro de 2005.
O Centro de Saúde da Amora está no topo da lista, com quase metade (48,1 por cento) dos inscritos sem clínico assistente, seguido de Santiago de Cacém (39,2 por cento), Sines e Alcácer do Sal (ambos com 36,6 por cento).
Nas sub-regiões de saúde do Porto e de Lisboa o problema também é grande, com 14,2 e 13 por cento do total de inscritos sem médico de família, respectivamente. Seguem-se Faro, Santarém e Braga, com 12,7, 10,4 e 9,7 por cento. Na situação ideal ou próxima do ideal estão as sub-regiões de saúde de Bragança (onde todos os inscritos têm médicos de família), Castelo Branco, Guarda, Beja e Portalegre (onde as percentagens de utentes sem clínico assistente atingem, no máximo, os 2,1 por cento).
A.C. e C.G.