Pedro Nunes, entrevista
Pedro Nunes, Bastonário da Ordem dos Médicos, acusa o ministro da Saúde de ser desleal com os médicos. Ataca Correia de Campos pelas trapalhadas no fecho de Urgências e maternidades e afirma que o melhor seria o ministro dar algumas terras a Espanha para os portugueses terem direito aos tratamentos que lhes são negados em Portugal. Optimista, afirma que dentro de dez anos acaba a falta de médicos.
UMA SEDE BEM BONITA E MUITO ORIGINAL
Quarta-feira, dia de sol, a cheirar a Primavera. Uma entrevista marcada para a tarde, sem hora certa. O bastonário estava numa reunião em Coimbra, com a Secção do Centro da Ordem dos Médicos, e podia atrasar-se. Foi o que aconteceu.
Por um lado, ainda bem. E isto porque a equipa do CM teve direito não só ao tradicional café como a uma visita guiada pela sede da Ordem dos Médicos, uma bela vivenda na Av. Gago Coutinho, em Lisboa.
O interior é bonito, bem arranjado, com um auditório espectacular, uma sala de exposições espaçosa, com pinturas bonitas e outras assim-assim e um restaurante soberbo no rés-do-chão, aberto ao público, que a Ordem concessionou ao conhecido cozinheiro Luís Suspiro.
Mas a visita, feita com tempo, permitiu um passeio até à nova vivenda recentemente comprada mesmo ao lado da sede principal, que irá permitir juntar todos os serviços da Ordem no mesmo espaço. E, claro, Luís Suspiro não foi esquecido. Haverá a muito curto prazo um espaço para pequenas e médias festas que será explorado pelo cozinheiro do Cartaxo.
Com o tempo a correr docemente, sem pressas, chegou Pedro Nunes. Um encontro bem-disposto e uma história relembrada de um processo que a Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos tinha instaurado ao jornalista por uma história delicada que se teria passado na sede da Ordem.
“Pensava que não falava comigo depois desse processo”, atirou Pedro Nunes. Falamos, claro, e com todo o gosto. Histórias antigas recordadas com um enorme sorriso.
Correio da Manhã – O ministro Correia de Campos anda a fazer política baixa com os médicos?
Pedro Nunes – Anda a fazer política desleal com os médicos porque ele sabe que a Ordem dos Médicos sofreu uma alteração significativa com este mandato. A Ordem aposta na colaboração técnica com o Governo que estiver, qualquer Governo. Os médicos são portugueses e têm a obrigação estatutária de contribuir para a melhoria dos cuidados de saúde. E, portanto, o ministro Correia de Campos terá sempre da Ordem um comportamento leal. A Ordem não é uma sucursal da oposição, não é um partido político. E isto é válido para o ministro Correia de Campos como é válido para qualquer outro elemento que o Governo socialista ponha como ministro da Saúde.
– Sempre lhe disse que não era oposição?
– Sempre. Ele sabe isso. E estou perfeitamente à-vontade porque o afirmei até na minha campanha eleitoral para bastonário em 2004. A Ordem é leal, critica quando tem de criticar e aplaude quando tem de aplaudir.
– As relações com Correia de Campos são negativas?
– Não posso dizer que agora são negativas. Fizemos muito trabalho em conjunto, nomeadamente em matéria de internatos médicos, na clarificação das funções específicas da Ordem, com utilidade para o País, para os médicos e para ele. Mas há coisas inaceitáveis, em matérias sensíveis, nas reformas que estão a ser feitas. Por exemplo, a questão do encerramento das maternidades teve consequências políticas para o Governo mas também para os médicos. É óbvio que se houver muitos locais abertos há mais postos de trabalho.
– A Ordem apoiou o fecho das maternidades.
– Sim, é verdade. A Ordem manifestou o seu apoio ao ministro porque, mesmo os médicos perdendo postos de trabalho e horas extraordinárias, era uma vantagem para o País e para as pessoas que se concentrassem meios, que as condições de trabalho melhorassem, que as equipas técnicas fossem reforçadas, até porque havia maternidades a funcionar com um obstetra. Tudo isto era verdade.
– O que é que correu mal?
– É aí que eu falo em deslealdade. Foram fechadas maternidades para concentrar meios. E o que é que aconteceu? Fechou-se a maternidade de Mirandela, fechou-se a maternidade da Régua, as grávidas são transferidas para Vila Real e chega-se a Vila Real e encontra-se uma equipa abaixo do mínimo definido. Chega-se a Setúbal e há uma equipa abaixo do mínimo.
– Ou envia-se doentes para o estrangeiro, como no caso das grávidas de Elvas...
– Claro. Imagine se todos os ministros da União Europeia tivessem a lógica deste ministro. Não temos problema nenhum, pagamos ali ao país do lado e as mulheres vão lá ter filhos. Claro que ao fim de algum tempo não tínhamos serviços e os doentes iam ser tratados ao estrangeiro. Em última análise o Governo português pode pedir aos espanhóis que considerem que o nosso rei D. Dinis era um atrasado mental, revoga-se o Tratado de Alcanizes, que definiu as fronteiras com Espanha, e dá-se aos espanhóis uma série de terras, como Trás-os-Montes e a Beira Interior. Estamos perto de algumas cidades espanholas e resolve-se tudo. Ora a obrigação do ministro da Saúde português é garantir aos portugueses tratamentos no seu território.
– O ministro não cumpriu os compromissos?
– Não cumpriu. A Ordem dos Médicos acabou por dar cobertura técnica ao Ministério para fazer uma reforma e o ministro não cumpriu o acordo que tinha feito connosco e os compromissos assumidos publicamente. É aqui que falo em deslealdade.
– A deslealdade de que tem vindo a falar aconteceu só no caso das maternidades?
– Não. Deixe-me dar outro exemplo. Na matéria das Urgências o ministro nomeou uma comissão, não pediu opinião à Ordem, nem sequer pediu que a Ordem contribuísse para a nomeação dessa comissão. Mas é indiscutível que é formada por médicos de qualidade, que fizeram um trabalho competente e a Ordem obviamente apoiou-os.
– A Ordem não foi ouvida em todo o processo?
– Foi pedido um parecer e nós demos um parecer positivo ao trabalho da comissão, chamando a atenção para o facto de haver uma certa falta de ambição nos objectivos, isto é, era uma tentativa de criar uma rede de Urgências pelo mínimo. Mas imediatamente o ministro criou uma confusão pública entre a rede que a comissão das Urgências propôs e o encerramento de SAP – Serviços de Apoio Permanente –, que não fazem parte das Urgências e que a comissão nunca tinha proposto.
– Uma trapalhada?
– Uma trapalhada feita com o objectivo de encerrar os SAP e assim poupar algum dinheiro, colocando os médicos da comissão numa posição extremamente difícil, porque acabaram por ser eles o alvo das críticas, justas e perfeitamente lícitas, das populações. Não foi o ministro, que estava a encerrar o que ninguém lhe tinha dito para encerrar. O ministro usou a comissão como capa, como argumento para fechar serviços, que de facto não são de Urgência mas que enquanto não forem criados os tais serviços de Urgência que a comissão propôs não podem ser encerrados.
– Ficou irritado com o ministro algumas vezes. Uma delas foi com a história dos relógios de ponto nos hospitais. Porquê?
– Ai os relógios de ponto! No hospital com melhor produtividade, o Pedro Espano, em Matosinhos, avançou com a questão dos relógios de ponto. Foi uma mera manobra de Comunicação Social, de propaganda, para fazer passar a mensagem de que agora é que vamos ser duros e vamos conferir as horas. O que está a acontecer é que para instalarem os relógios de ponto tiveram de andar a negociar serviço a serviço, como andam a fazer com as autarquias, e chegaram à conclusão que todos eles trabalhavam mais do que as horas previstas. Quando acabarem as negociações e colocarem os relógios de ponto os serviços vão trabalhar menos.
– Correia de Campos está contra os médicos?
– Acho que não. Essas atitudes servem para desviar as atenções.
– A política de cortes financeiros está a pôr em causa a qualidade dos serviços de Saúde em Portugal?
– É evidente. Para o muito que há a fazer é preciso dinheiro. É claro que se pode obter ganhos de produtividade. Mas, como em qualquer empresa, esses ganhos conseguem-se com investimento. O que não se pode é aplicar políticas cegas e atirar as culpas para cima dos médicos quando as coisas correm mal.
– A Ordem não pede a demissão do ministro?
– Não, nem nunca pedirá. Nem deste nem de nenhum. Não são funções da Ordem. Há uma coisa que eu tenho como certa: a natureza tem horror ao vazio. Não há cadeiras de ministros vagas.
– Já trabalhou com vários ministros. Qual foi o melhor e o pior?
– Não faço rankings. Eu detesto rankings, não gosto quando fazem rankings dos médicos.
– Nem para o melhor nem para o pior?
– Nada.
– Mas houve algum que se destacasse por ser muito mau ou muito bom?
– Digo-lhe apenas que se as políticas da professora Manuela Arcanjo tivessem continuado hoje teríamos uma situação melhor na Saúde.
– Desconfia dos genéricos?
– Não ponho em causa os genéricos, ponho em causa a substituição. Ponho em causa que o médico receite o genérico do fabricante A e o farmacêutico venda o do fabricante B. Repare. Se um médico receita o genérico do mesmo fabricante a 50 doentes e todos aparecem com efeitos secundários é fácil determinar a causa. Se não souber não consegue perceber o que sucedeu.
– Acha normal que milhares de estudantes portugueses estejam a estudar Medicina no estrangeiro?
– Não é a Ordem que decide o número de estudantes que entra para a universidade todos os anos.
– Mas continua a haver falta de médicos? Até quando?
– Há tempos uma comissão presidida pelo prof. Alberto Amaral fez as contas e chegou à conclusão de que, para se manter o mesmo número de médicos, devemos formar 700 por ano. Para compensar os que temos a menos, devemos formar mil por ano. Neste momento as faculdades aceitam 1300, sem falar nos que estão no estrangeiro. Daqui a dez anos vai acabar a falta de médicos.
"CANDIDATO A NOVO MANDATO"
CM – Vai recandidatar-se a um novo mandato de bastonário?
Pedro Nunes – Essa é uma pergunta difícil. Mas... vou.
– Terá pelo menos um adversário em Dezembro, o doutor Miguel Leão.
– Mas isso não é novidade nenhuma. Já é candidato há dois anos.
– Para esta campanha quais serão as principais linhas de força da sua campanha?
– Independência, acima de tudo. A Ordem não pode ser do PS ou do PSD.
"SOU DO BENFICA, CLARO"
CM – É adepto de algum clube?
Pedro Nunes – Sou do Benfica, claro.
– Vai aos jogos ou prefere a televisão?
– Tenho lugar na Luz. Mesmo ao lado do meu filho. Sabe, é curioso, agora que ele já tem trinta anos o futebol funciona como um elo de ligação entre os dois. De 15 em 15 dias lá estamos, lado a lado, a ver os jogos do Benfica.
– Sempre quis ser médico?
– Sempre. Mas estive um bocado hesitante depois de ter feito um estágio de três meses no ‘Diário de Notícias’. Foi antes do 25 de Abril. Tudo começou no Liceu Pedro Nunes, quando fiz um jornal. Acho que não gostaram muito do que lá vinha e convidaram-me a fazer um curso, algo ligado à ex-Mocidade Portuguesa. Tive como colegas a Fernanda Mestrinho e o Jorge Leitão Ramos. Depois fiz o estágio e ainda concorri a um lugar no ex-SNI. A Fernanda foi admitida e o Pedro Feytor Pinto chamou-me e propôs-me um part-time muito bem pago. Imagine: davam-me 3800$00 e só lá tinha de ir duas vezes por semana.
"NUNCA FUI FILIADO EM PARTIDOS"
CM – Nunca esteve filiado num partido?
Pedro Nunes – Nunca estive em partido nenhum.
– Nem antes nem depois do 25 de Abril?
– Nunca estive, nem antes do 25 de Abril.
– Nessa altura era estudante universitário?
– Era. Mas nunca me filiei em nada.
– Porquê? Não gosta?
– Nunca estive. Olhe, antes do 25 de Abril era um perigoso esquerdista, depois passei a ser um perigoso fascista. E os que me chamavam essas coisas andaram depois de um lado para o outro e alguns já passaram por quase todos os partidos. É divertido. Tenho alguns amigos que já passaram por essas fases todas. E continuam amigos. Há outras questões mais importantes, como a lealdade e a fraternidade.
PERFIL
Pedro Manuel Mendes Henriques Nunes nasceu em Lisboa no dia 17 de Março de 1954. Casado, com um filho, fez o Secundário no Liceu Pedro Nunes, também em Lisboa, e formou-se em Medicina em Fevereiro de 1978 na Faculdade de Medicina da capital. Em 1986 acabou a especialidade em oftalmologia. Médico do Hospital Egas Moniz, dá consultas privadas em Lisboa e uma vez por mês em Castanheira de Pêra, terra da família do pai. Fundador do Sindicato Independente dos Médicos, teve alguns anos ligado à vida sindical. Já nos anos noventa entrou na Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos e em Dezembro de 2004 foi eleito bastonário da Ordem dos Médicos. O mais novo da história.
Quarta-feira, dia de sol, a cheirar a Primavera. Uma entrevista marcada para a tarde, sem hora certa. O bastonário estava numa reunião em Coimbra, com a Secção do Centro da Ordem dos Médicos, e podia atrasar-se. Foi o que aconteceu.
Por um lado, ainda bem. E isto porque a equipa do CM teve direito não só ao tradicional café como a uma visita guiada pela sede da Ordem dos Médicos, uma bela vivenda na Av. Gago Coutinho, em Lisboa.
O interior é bonito, bem arranjado, com um auditório espectacular, uma sala de exposições espaçosa, com pinturas bonitas e outras assim-assim e um restaurante soberbo no rés-do-chão, aberto ao público, que a Ordem concessionou ao conhecido cozinheiro Luís Suspiro.
Mas a visita, feita com tempo, permitiu um passeio até à nova vivenda recentemente comprada mesmo ao lado da sede principal, que irá permitir juntar todos os serviços da Ordem no mesmo espaço. E, claro, Luís Suspiro não foi esquecido. Haverá a muito curto prazo um espaço para pequenas e médias festas que será explorado pelo cozinheiro do Cartaxo.
Com o tempo a correr docemente, sem pressas, chegou Pedro Nunes. Um encontro bem-disposto e uma história relembrada de um processo que a Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos tinha instaurado ao jornalista por uma história delicada que se teria passado na sede da Ordem.
“Pensava que não falava comigo depois desse processo”, atirou Pedro Nunes. Falamos, claro, e com todo o gosto. Histórias antigas recordadas com um enorme sorriso.
Correio da Manhã – O ministro Correia de Campos anda a fazer política baixa com os médicos?
Pedro Nunes – Anda a fazer política desleal com os médicos porque ele sabe que a Ordem dos Médicos sofreu uma alteração significativa com este mandato. A Ordem aposta na colaboração técnica com o Governo que estiver, qualquer Governo. Os médicos são portugueses e têm a obrigação estatutária de contribuir para a melhoria dos cuidados de saúde. E, portanto, o ministro Correia de Campos terá sempre da Ordem um comportamento leal. A Ordem não é uma sucursal da oposição, não é um partido político. E isto é válido para o ministro Correia de Campos como é válido para qualquer outro elemento que o Governo socialista ponha como ministro da Saúde.
– Sempre lhe disse que não era oposição?
– Sempre. Ele sabe isso. E estou perfeitamente à-vontade porque o afirmei até na minha campanha eleitoral para bastonário em 2004. A Ordem é leal, critica quando tem de criticar e aplaude quando tem de aplaudir.
– As relações com Correia de Campos são negativas?
– Não posso dizer que agora são negativas. Fizemos muito trabalho em conjunto, nomeadamente em matéria de internatos médicos, na clarificação das funções específicas da Ordem, com utilidade para o País, para os médicos e para ele. Mas há coisas inaceitáveis, em matérias sensíveis, nas reformas que estão a ser feitas. Por exemplo, a questão do encerramento das maternidades teve consequências políticas para o Governo mas também para os médicos. É óbvio que se houver muitos locais abertos há mais postos de trabalho.
– A Ordem apoiou o fecho das maternidades.
– Sim, é verdade. A Ordem manifestou o seu apoio ao ministro porque, mesmo os médicos perdendo postos de trabalho e horas extraordinárias, era uma vantagem para o País e para as pessoas que se concentrassem meios, que as condições de trabalho melhorassem, que as equipas técnicas fossem reforçadas, até porque havia maternidades a funcionar com um obstetra. Tudo isto era verdade.
– O que é que correu mal?
– É aí que eu falo em deslealdade. Foram fechadas maternidades para concentrar meios. E o que é que aconteceu? Fechou-se a maternidade de Mirandela, fechou-se a maternidade da Régua, as grávidas são transferidas para Vila Real e chega-se a Vila Real e encontra-se uma equipa abaixo do mínimo definido. Chega-se a Setúbal e há uma equipa abaixo do mínimo.
– Ou envia-se doentes para o estrangeiro, como no caso das grávidas de Elvas...
– Claro. Imagine se todos os ministros da União Europeia tivessem a lógica deste ministro. Não temos problema nenhum, pagamos ali ao país do lado e as mulheres vão lá ter filhos. Claro que ao fim de algum tempo não tínhamos serviços e os doentes iam ser tratados ao estrangeiro. Em última análise o Governo português pode pedir aos espanhóis que considerem que o nosso rei D. Dinis era um atrasado mental, revoga-se o Tratado de Alcanizes, que definiu as fronteiras com Espanha, e dá-se aos espanhóis uma série de terras, como Trás-os-Montes e a Beira Interior. Estamos perto de algumas cidades espanholas e resolve-se tudo. Ora a obrigação do ministro da Saúde português é garantir aos portugueses tratamentos no seu território.
– O ministro não cumpriu os compromissos?
– Não cumpriu. A Ordem dos Médicos acabou por dar cobertura técnica ao Ministério para fazer uma reforma e o ministro não cumpriu o acordo que tinha feito connosco e os compromissos assumidos publicamente. É aqui que falo em deslealdade.
– A deslealdade de que tem vindo a falar aconteceu só no caso das maternidades?
– Não. Deixe-me dar outro exemplo. Na matéria das Urgências o ministro nomeou uma comissão, não pediu opinião à Ordem, nem sequer pediu que a Ordem contribuísse para a nomeação dessa comissão. Mas é indiscutível que é formada por médicos de qualidade, que fizeram um trabalho competente e a Ordem obviamente apoiou-os.
– A Ordem não foi ouvida em todo o processo?
– Foi pedido um parecer e nós demos um parecer positivo ao trabalho da comissão, chamando a atenção para o facto de haver uma certa falta de ambição nos objectivos, isto é, era uma tentativa de criar uma rede de Urgências pelo mínimo. Mas imediatamente o ministro criou uma confusão pública entre a rede que a comissão das Urgências propôs e o encerramento de SAP – Serviços de Apoio Permanente –, que não fazem parte das Urgências e que a comissão nunca tinha proposto.
– Uma trapalhada?
– Uma trapalhada feita com o objectivo de encerrar os SAP e assim poupar algum dinheiro, colocando os médicos da comissão numa posição extremamente difícil, porque acabaram por ser eles o alvo das críticas, justas e perfeitamente lícitas, das populações. Não foi o ministro, que estava a encerrar o que ninguém lhe tinha dito para encerrar. O ministro usou a comissão como capa, como argumento para fechar serviços, que de facto não são de Urgência mas que enquanto não forem criados os tais serviços de Urgência que a comissão propôs não podem ser encerrados.
– Ficou irritado com o ministro algumas vezes. Uma delas foi com a história dos relógios de ponto nos hospitais. Porquê?
– Ai os relógios de ponto! No hospital com melhor produtividade, o Pedro Espano, em Matosinhos, avançou com a questão dos relógios de ponto. Foi uma mera manobra de Comunicação Social, de propaganda, para fazer passar a mensagem de que agora é que vamos ser duros e vamos conferir as horas. O que está a acontecer é que para instalarem os relógios de ponto tiveram de andar a negociar serviço a serviço, como andam a fazer com as autarquias, e chegaram à conclusão que todos eles trabalhavam mais do que as horas previstas. Quando acabarem as negociações e colocarem os relógios de ponto os serviços vão trabalhar menos.
– Correia de Campos está contra os médicos?
– Acho que não. Essas atitudes servem para desviar as atenções.
– A política de cortes financeiros está a pôr em causa a qualidade dos serviços de Saúde em Portugal?
– É evidente. Para o muito que há a fazer é preciso dinheiro. É claro que se pode obter ganhos de produtividade. Mas, como em qualquer empresa, esses ganhos conseguem-se com investimento. O que não se pode é aplicar políticas cegas e atirar as culpas para cima dos médicos quando as coisas correm mal.
– A Ordem não pede a demissão do ministro?
– Não, nem nunca pedirá. Nem deste nem de nenhum. Não são funções da Ordem. Há uma coisa que eu tenho como certa: a natureza tem horror ao vazio. Não há cadeiras de ministros vagas.
– Já trabalhou com vários ministros. Qual foi o melhor e o pior?
– Não faço rankings. Eu detesto rankings, não gosto quando fazem rankings dos médicos.
– Nem para o melhor nem para o pior?
– Nada.
– Mas houve algum que se destacasse por ser muito mau ou muito bom?
– Digo-lhe apenas que se as políticas da professora Manuela Arcanjo tivessem continuado hoje teríamos uma situação melhor na Saúde.
– Desconfia dos genéricos?
– Não ponho em causa os genéricos, ponho em causa a substituição. Ponho em causa que o médico receite o genérico do fabricante A e o farmacêutico venda o do fabricante B. Repare. Se um médico receita o genérico do mesmo fabricante a 50 doentes e todos aparecem com efeitos secundários é fácil determinar a causa. Se não souber não consegue perceber o que sucedeu.
– Acha normal que milhares de estudantes portugueses estejam a estudar Medicina no estrangeiro?
– Não é a Ordem que decide o número de estudantes que entra para a universidade todos os anos.
– Mas continua a haver falta de médicos? Até quando?
– Há tempos uma comissão presidida pelo prof. Alberto Amaral fez as contas e chegou à conclusão de que, para se manter o mesmo número de médicos, devemos formar 700 por ano. Para compensar os que temos a menos, devemos formar mil por ano. Neste momento as faculdades aceitam 1300, sem falar nos que estão no estrangeiro. Daqui a dez anos vai acabar a falta de médicos.
"CANDIDATO A NOVO MANDATO"
CM – Vai recandidatar-se a um novo mandato de bastonário?
Pedro Nunes – Essa é uma pergunta difícil. Mas... vou.
– Terá pelo menos um adversário em Dezembro, o doutor Miguel Leão.
– Mas isso não é novidade nenhuma. Já é candidato há dois anos.
– Para esta campanha quais serão as principais linhas de força da sua campanha?
– Independência, acima de tudo. A Ordem não pode ser do PS ou do PSD.
"SOU DO BENFICA, CLARO"
CM – É adepto de algum clube?
Pedro Nunes – Sou do Benfica, claro.
– Vai aos jogos ou prefere a televisão?
– Tenho lugar na Luz. Mesmo ao lado do meu filho. Sabe, é curioso, agora que ele já tem trinta anos o futebol funciona como um elo de ligação entre os dois. De 15 em 15 dias lá estamos, lado a lado, a ver os jogos do Benfica.
– Sempre quis ser médico?
– Sempre. Mas estive um bocado hesitante depois de ter feito um estágio de três meses no ‘Diário de Notícias’. Foi antes do 25 de Abril. Tudo começou no Liceu Pedro Nunes, quando fiz um jornal. Acho que não gostaram muito do que lá vinha e convidaram-me a fazer um curso, algo ligado à ex-Mocidade Portuguesa. Tive como colegas a Fernanda Mestrinho e o Jorge Leitão Ramos. Depois fiz o estágio e ainda concorri a um lugar no ex-SNI. A Fernanda foi admitida e o Pedro Feytor Pinto chamou-me e propôs-me um part-time muito bem pago. Imagine: davam-me 3800$00 e só lá tinha de ir duas vezes por semana.
"NUNCA FUI FILIADO EM PARTIDOS"
CM – Nunca esteve filiado num partido?
Pedro Nunes – Nunca estive em partido nenhum.
– Nem antes nem depois do 25 de Abril?
– Nunca estive, nem antes do 25 de Abril.
– Nessa altura era estudante universitário?
– Era. Mas nunca me filiei em nada.
– Porquê? Não gosta?
– Nunca estive. Olhe, antes do 25 de Abril era um perigoso esquerdista, depois passei a ser um perigoso fascista. E os que me chamavam essas coisas andaram depois de um lado para o outro e alguns já passaram por quase todos os partidos. É divertido. Tenho alguns amigos que já passaram por essas fases todas. E continuam amigos. Há outras questões mais importantes, como a lealdade e a fraternidade.
PERFIL
Pedro Manuel Mendes Henriques Nunes nasceu em Lisboa no dia 17 de Março de 1954. Casado, com um filho, fez o Secundário no Liceu Pedro Nunes, também em Lisboa, e formou-se em Medicina em Fevereiro de 1978 na Faculdade de Medicina da capital. Em 1986 acabou a especialidade em oftalmologia. Médico do Hospital Egas Moniz, dá consultas privadas em Lisboa e uma vez por mês em Castanheira de Pêra, terra da família do pai. Fundador do Sindicato Independente dos Médicos, teve alguns anos ligado à vida sindical. Já nos anos noventa entrou na Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos e em Dezembro de 2004 foi eleito bastonário da Ordem dos Médicos. O mais novo da história.
António Ribeiro Ferreira, CM
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