Entrevista CC, SE, 27.01.06
As contas do SNS de 2005 deverão registar surpresas, com a despesa a evoluir melhor que as suas estimativas. Já há números finais?
As despesas orçamentais do sector vão crescer menos 1,1% do que estava previsto. O controlo orçamental conseguido deveu-se essencialmente à alteração da política do medicamento, onde se registou uma redução de 6% dos preços dos medicamentos; a redução de 5% dos meios complementares de diagnóstico (MCD) e, embora em escala menor, as despesas com pessoal, que se conseguiram reduzir no segundo semestre. Esta pequeníssima vitória deve-se a um esforço colectivo. Não seria conseguida sem o trabalho empenhado de muita gente - administrações, clínicos, enfermeiros, administrativos e o pessoal do serviço geral. E é alcançada com alguns sacrifícios da Indústria Farmacêutica, grossistas e retalhistas.
Ressalta uma política de responsabilização...
Reunimos já com 19 hospitais, em reuniões de cerca de duas horas, de Norte a Sul do País. Isto produz os seus frutos. As pessoas estão a perceber que esta política é para levar a sério e que pretendemos estar em cima do acontecimento. A execução do SNS tem agora um acompanhamento ao mês. Até aqui só acompanhávamos ao mês os medicamentos e os meios complementares de diagnóstico.
E as previsões para 2006?
São as que estão no Orçamento de Estado: obrigar o mercado ambulatório a um crescimento zero e limitar o aumento da despesa hospitalar com medicamentos aos 4%, fixar em 1,5% as despesas com pessoal, às quais acrescem mais 1,5% para os ordenados. Esperamos que se concretize a estimativa para este ano e provavelmente com uma redução do saldo negativo acumulado.
As poupanças virão da melhor utilização dos equipamentos de análises dos hospitais...
Os exames que possam ser feitos nos hospitais, naturalmente devem ser feitos através das Unidades Locais de Saúde. Sabemos que alguns hospitais recorrem ao exterior numa quantidade absurda ao nível dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Por exemplo, não fazia ideia que o Hospital de Santa Maria consome 10 milhões de euros, de um total de 300 milhões de euros de orçamento. É um absurdo que um hospital como o de Santa Maria não tenha capacidade para realizar todos os seus meios de diagnóstico.
Como inverter estas situações?
O que está previsto na lei que criou as EPE, é o próprio hospital organizar a empresa fornecedora dos diferentes meios de diagnóstico e terapêutica. Ou seja, tem o direito de constituir internamente uma SA, desde que mantenha a maioria do capital social, com o pessoal que hoje está nos laboratórios. No fundo, são uma peça interna do hospital, gerida de uma forma empresarial autónoma. Isto pode ser feito também fora dos hospitais ou inter-hospitais.
A lógica que subsistiu à passagem dos hospitais SA a EPE foi precisamente a de evitar que estes viéssem a ser privatizados, mas abre agora a porta à privatização de determinados serviços.
Não. Não existe nenhuma privatização de serviços, porque a maioria do capital social está perfeitamente salvaguardado.
Essas preocupações desembocam na necessidade de encontrar soluções para financiar a saúde, cada vez mais cara...
A primeira solução, aquela que estamos a cumprir, é demonstrar que se pode gerir o SNS com os recursos que temos. Por isso, quero apelar a todos os profissionais que sentem que o SNS é uma coisa deles - do ponto de vista social, político e económico danecessidade de estarem sintonizados com esta defesa. Caso contrário, o SNS não se aguenta. Eu estou empenhado em demonstrar que o modelo é economicamente viável. É a minha aposta. E os primeiros indícios são positivos.
Disse que ia criar uma comissão para olhar para esta questão da sustentabilidade financeira.
Está em vias de ser criada. Existe já um despacho preparado. Estamos a discutir com os principais intervenientes do sector. É possível que seja uma comissão que venha a ter apoio de uma organização externa.
Qual é a organização?
Estamos a pensar em comprar os serviços da OCDE que tem um know-how muito respeitado sobre esta matéria. Penso ter a comissão constituída no final de Fevereiro para apresentar um relatório até ao final do ano.
Vai ser apresentado um livro branco?
A ideia é apresentar primeiro um livro verde, no fundo um trabalho com a natureza de discussão.
Ainda em matéria de financiamento do SNS. Prevê aumentos das taxas moderadoras nas urgências dos hospitais?
A nova legislação aumenta um pouco mais as taxas para as urgências.
E vai avançar com a penalização das designadas falsas urgências?
Ainda não vai avançar. Estamos numa outra linha de trabalho. Queremos primeiro racionalizar e requalificar as urgências dos cuidados primários e hospitalares. Nos sítios onde existe hoje algumas urgências nocturnas com apenas dois ou três doentes por noite, nesses casos, pretendemos um aumento da disponibilidade de transportes, do acesso do call-center e do acesso a unidades móveis por pessoas mais idosas.
Quais são os planos para as urgências dos centros de saúde?
Queremos ter os apoios como há numa urgência básica de um hospital. O problema do encerramento das urgências não é económico-financeiro. Se fosse um problema financista as próprias autarquias que se sentem amputadas de um apoio à comunidade das 0 às 8 da manhã, certamente teriam a generosidade de apoiar esse custo por noite. É por razões de qualidade e de ineficiência. O acesso durante a noite a sítios onde só há médico, mais um enfermeiro e um profissional administrativo, além de ser constantemente questionado pela Ordem dos Médicos, causa uma sensação de falsa segurança.
Mas é essencialmente a ineficiência que tem criticado.
Cada vez que um médico de família está de serviço das 0 às 8 horas e faz uma, duas ou três consultas, está dispensado de trabalhar em metade do dia seguinte. Ora, se fizer uma média de 25 consultas por dia, o médico deixa de fazer um grande número de consultas quando está de noite. Portanto, aumenta logo a lista de espera, o desconforto, vai gerar novas idas ao SAP. O raciocínio aritmético também se aplica nas urgências hospitalares, nos casos em que os médicos de família utilizem uma parte do seu tempo contratual para fazerem urgências nos hospitais, mas estamos a acabar com este mecanismo.
O ano de 2006 será para arrumar a casa nos centros de saúde?
Sim. Mas, repare que temos este modelo de centros de saúde há cerca de 24 anos e, por outro lado, um conjunto de profissionais, cerca de 6.000, que estão em grupos etários muito avançados, com mais de 50 anos. Por isso, não podemos ter a ilusão de que vamos pedir a essas pessoas, no meio da sua vida, um esforço físico suplementar que os transforme em paladinos de um novo modelo. Há que esperar por novas gerações. Se vivemos tanto tempo com a reforma antiga, precisamos de 10 anos para ter uma nova reforma implantada.
A nível dos recursos humanos, que planos tem para a reforma da administração pública? Haverá reafectação de pessoal?
Certamente. Muitos dos profissionais das sub-regiões serão colocados noutros serviços de saúde, onde normalmente até escasseiam, onde há falta de pessoal administrativo e técnico.
E rescisões amigáveis?
A legislação só a conheço daquilo que vem nos jornais.
Quando começa o trabalho do controlador financeiro no seu Ministério?
A legislação foi aprovada em Conselho de Ministros e assim que sair sou o mais interessado em que haja um outro controller. A perspectiva de promulgação da Lei não me parece que seja má. Vamos admitir que a Lei esteja promulgada a 20 de Fevereiro e publicada ao fim de mais duas a três semanas. Depois, assim que o ministro das Finanças me proponha um controller, eu aceito-o imediatamente, na primeira oportunidade.
Ainda na racionalização das urgências nos hospitais, como está a alteração do critério de atendimento pelo critério geográfico?
Estamos a preparar um despacho que reforça uma orientação, que vinha já do tempo da ministra Leonor Beleza, que diz que cada mulher escolhe onde quer ter o seu filho. É assistida no período pré-natal o mais próximo possível do seu local de residência, mas depois escolhe onde quer ter o filho. Isso vai resolver metade dos problemas dos chamados "encerramentos das maternidades" - porque as maternidades continuam em funções. Há distritos do País que hoje fazem 250 partos por ano, mas quando olhamos as estatísticas de nascimento pela residência da mãe verificamos que foram mil os nascimentos. Esses ocorreram em hospitais circundantes, porque as mulheres já há muito tempo escolheram o sítio com mais segurança para ter a criança.
Qual é o balanço que faz da liberalização dos medicamentos não sujeitos a receita médica?
Ainda é muito cedo para fazer um balanço. Neste momento, não sou capaz de dizer se o preço médio de venda ao público já terá atingido o seu ponto baixo. Há só 54 lojas abertas. Há outras 20 que já estão licenciadas, mas ainda não estão abertas. Vamos em cerca de 75 lojas. Quando tivermos 200 lojas, vamos certamente observar a influência da flexibilização dos preços. Por outro lado, há uma outra componente decorrente do protocolo que estamos a preparar com a Indústria farmacêutica que é deixar de fixar o preço dos medicamentos e optar por estabelecer um tecto máximo. As farmácias poderão ainda passar a fazer publicidade interna, podendo anunciar descontos na venda de medicamentos. Tudo isto estimulará todo o mercado: os farmacêuticos, os grossistas e os próprios fabricantes.
Fomentar a concorrência é a palavra de ordem.
Esta instauração de competição é absolutamente essencial num mercado até aqui tão rigidamente regulado, onde alguém capturava os ganhos de eficiência e esse alguém nunca era o consumidor final.
Quando é expectável atingirem-se as 200 lojas?
Depende de muitos factores, nomeadamente a legislação que, entretanto, sair sobre as farmácias mas admito que no final de 2006 se esteja entre as 150 a 200 lojas.
Afirmou que vai ser estabelecido um tecto máximo para o preço dos medicamentos, que é uma das propostas da Autoridade da Concorrência...
Vai ser adoptada e fará, inclusive, parte do protocolo com a Apifarma para suster o aumento da despesa com medicamentos. Gostaria de realçar que todos os países na Europa estão fazer tectos de preços.
Para quando a fixação de um tecto máximo para o preço dos medicamentos?
Primeiro temos de firmar o protocolo com a Apifarma e depois preparar o dispositivo legal para o efeito.
Quais são as suas linhas gerais desse protocolo?
Se os gastos hospitalares ultrapassarem o limite de 4%, a indústria devolve ao Ministério esse montante para a constituição de um fundo dedicado para a investigação farmacêutica. Não é um dinheiro que se irá disseminar nas outras receitas do SNS, é um dinheiro destinado ao desenvolvimento da indústria farmacêutica em Portugal através de um fundo que será alimentado também com um crescimento muito pequeno na taxa de venda dos medicamentos, que reverte para o Infarmed. Em troca, os laboratórios têm a garantia que os preços dos medicamentos não aumentam este ano. Os laboratórios poderão sempre fazer um jogo de preços nos hospitais, subindo nuns e descendo noutros, desde que fiquem nos 4%.
O protocolo fará com que a dívida crónica à Indústria desça?
A dívida crónica dos hospitais à indústria não tem prejudicado rigorosamente nada a indústria porque esta aumenta os preços dos produtos para se ressarcir do atraso esperado nos pagamentos hospitalares. O último estudo dos hospitais S.A. do professor Miguel Gouveia demonstrou que nos medicamentos hospitalares as diferenças entre o pagamento atrasado e a horas representa uma taxa de juro implícita de 28% para os hospitais. É evidente que os fornecedores não têm sofrido, quando muito têm tido incerteza no pagamento, mas não prejuízo financeiro. Nós sabemos que a certeza do pagamento é muito importante. É isso que pretendemos garantir e, ao mesmo tempo, permite-nos ter uma negociação de preços com a indústria que hoje praticamente não existia, aqueles que fizerem melhor preço para o mesmo princípio activo ganharão.
Existem hospitais a mais, principalmente nas grandes cidades, como em Lisboa?
Não temos camas a mais. Mas quanto aos edifícios, sim. Temos uma herança do século passado, de estabelecimentos instalados na Almirante Reis. Recorde-se que havia um grande hospital em Lisboa, antes do terramoto, o Hospital de Todos os Santos, que ficava no Rossio. Mas foi destruído pelo terramoto e o Marquês de Pombal teve de colocar os doentes no Convento dos Jesuítas, em São José, nos Capuchos e em Santa Marta. Um hospital construído de raiz para o ser, temos o Santa Maria. Não há mais nada. E os que temos não possuem parques de estacionamento, nem fáceis acessibilidades. O acesso é um caos.
Qual é então a solução?
A solução é o Hospital Oriental da Cidade de Lisboa, um hospital único para recolher estes antigos estabelecimentos que faziam parte dos Hospitais Civis de Lisboa, que infelizmente se deixaram atomizar. O Hospital Oriental de Lisboa deverá ser relativamente grande, com toda a tecnologia, com 600 a 700 camas, para que permita a libertação destes velhos espaços onde se desenvolveu a medicina portuguesa durante séculos. Não podemos é encerrar hospitais sem abrir outro.
Para quando o novo Hospital?
Penso que até ao fim do mês vamos ter notícias sobre a sua implantação, a sua indispensabilidade e provavelmente a sua prioridade.
Pedi a um grupo universitário da Escola de Gestão da Universidade do Porto para fazer a análise das prioridades das parcerias público-privadas. Este hospital não estava sequer incluído nas PPP's, mas passou a estar. No final do mês terei uma ideia mais precisa da prioridade para cada um. Esses hospitais vão depois ser lançados à cadência de um por semestre.
E onde ficará localizado?
Há um velho terreno no vale de Chelas que há muito está destinado para a sua construção. Todavia esse terreno já sofreu uma amputação de cerca de 12%. Todos os presidentes da Câmara de Lisboa têm mantido aquele terreno para o Hospital Oriental, ou chamemos-lhe Hospital de Todos os Santos, que será provavelmente o nome que vai ter. Já estou em conversações com o presidente da autarquia de Lisboa.
Como vai ser o investimento?
Será feito através de parceria público-privada, envolvendo um investimento entre 170 e 200 milhões de euros.
Para além do tecto máximo do preço dos medicamentos, vai adoptar as restantes propostas da Autoridade da Concorrência?
Ainda é cedo para falarmos sobre isso. Por um lado, ainda não temos oficialmente as recomendações da Autoridade da Concorrência. Só as teremos depois de 5 de Fevereiro, dia em que termina a consulta pública. Depois desta data certamente que a Autoridade da Concorrência vai reformular as suas propostas, o que levará mais algum tempo. Admito, assim, que as propostas cheguem ao Governo entre o final de Fevereiro e o início de Março.
Destaca-se nessas propostas a denúncia do acordo com a ANF.
É público e notório que este Governo até ao fim do primeiro semestre deste ano denunciará o acordo. E também é público e notório que queremos fazer um novo acordo. Como sabem a Lei do Orçamento permite que o Governo possa denunciar esse acordo mais cedo, que a data de 30 de Junho prevista no acordo em vigor, desde que tenha cumprido nessa data todos os pagamentos às entidades com quem fez o acordo.
Quais serão os moldes de um novo acordo?
Temos o maior interesse em ter a ANF como parceiro. Apesar de não ser um parceiro cómodo, é um parceiro disciplinado e tem auto representatividade. Agora será nos termos que o Governo entender, não estaremos mais submetidos à ditadura de uma regra que foi criada devido às fragilidades financeiras do Estado. Para isso, o Estado está a organizar a sua máquina de pagamentos para evitar qualquer fragilidade financeira e garantir que nas datas previstas os pagamentos cairão na conta dos farmacêuticos. Os acordos futuros serão individuais e não colectivos.
Quer especificar?
Os acordos serão entre cada farmácia e o Ministério. Será provavelmente, ainda não está definido, um contrato de adesão que cada farmácia celebra com o Ministério.
Outras tentativas para reformular o acordo com a ANF não resultaram. A maioria das farmácias passou procurações para a ANF...
Desconheço isso. O que posso dizer é que as farmácias são livres. Agora terão é de fazer um acordo individual com o Ministério da Saúde, indicando uma conta bancária para onde será depositado o dinheiro. Se elas quiserem indicar uma conta corrente que pertence a uma entidade que lhes cobra depois uma intermediação é com elas, mas certamente perderão dinheiro nestas circunstâncias.
Retira-se, assim, uma forte componente do poderio financeiro da ANF, esvaziando o seu objecto social...
O objecto social da ANF é a defesa dos interesses dos seus associados. Prossegue também interesses públicos respeitados. Não é esvaziar o seu objecto social, é esvaziar uma certa deriva que ocorrer nos últimos anos, que permitiu transformar a ANF num potentado económico avassalador. A ANF tem as farmácias fidelizadas através deste mecanismo financeiro, vende-lhes os seus equipamentos e pretende concentrar verticalmente na fileira do comércio de medicamentos, ficando a dominar uma parte do mercado grossista, e até, eventualmente, fabricando. Esta violação de regras de concorrência é prejudicial para o interesse dos cidadãos.
Não é essa a via que garante ter os medicamentos mais baratos...
Não. Mas não é só a questão do preço. As farmácias são poucas, têm de ser em maior número, têm de estar mais disponíveis e acessíveis a toda a população, sobretudo de noite quando se vem de uma urgência. Esse tipo de acessibilidade não é garantido no contexto actual.
As decisões têm de ser bem pensadas. O que nos motiva é o interesse público - esta é a nossa responsabilidade. Não estamos aqui para fazer a vida negra à ANF, muito menos aos farmacêuticos e às farmácias que, aliás, têm dado um contributo muito importante para a melhoria das condições de saúde dos portugueses. A nossa motivação é melhorar as condições de acesso dos portugueses aos bens de saúde. E fálo-emos sem ruptura da estabilidade económica do sector das farmácias e do grossista.
Vai acabar com a exclusividade da propriedade das farmácias apenas para farmacêuticos?
É uma das propostas do relatório publico da Autoridade da Concorrência. Veremos qual é a proposta final.
Mas qual é a sua opinião?
Não tenho opiniões pessoais, nem estados de alma nesta matéria. Eu represento o interesse público, não me pronuncio sobre essa matéria.
Carlos Caldeira, João Vieira Pereira e Lígia Simões, 27.01.06, Semanário Económico
As despesas orçamentais do sector vão crescer menos 1,1% do que estava previsto. O controlo orçamental conseguido deveu-se essencialmente à alteração da política do medicamento, onde se registou uma redução de 6% dos preços dos medicamentos; a redução de 5% dos meios complementares de diagnóstico (MCD) e, embora em escala menor, as despesas com pessoal, que se conseguiram reduzir no segundo semestre. Esta pequeníssima vitória deve-se a um esforço colectivo. Não seria conseguida sem o trabalho empenhado de muita gente - administrações, clínicos, enfermeiros, administrativos e o pessoal do serviço geral. E é alcançada com alguns sacrifícios da Indústria Farmacêutica, grossistas e retalhistas.
Ressalta uma política de responsabilização...
Reunimos já com 19 hospitais, em reuniões de cerca de duas horas, de Norte a Sul do País. Isto produz os seus frutos. As pessoas estão a perceber que esta política é para levar a sério e que pretendemos estar em cima do acontecimento. A execução do SNS tem agora um acompanhamento ao mês. Até aqui só acompanhávamos ao mês os medicamentos e os meios complementares de diagnóstico.
E as previsões para 2006?
São as que estão no Orçamento de Estado: obrigar o mercado ambulatório a um crescimento zero e limitar o aumento da despesa hospitalar com medicamentos aos 4%, fixar em 1,5% as despesas com pessoal, às quais acrescem mais 1,5% para os ordenados. Esperamos que se concretize a estimativa para este ano e provavelmente com uma redução do saldo negativo acumulado.
As poupanças virão da melhor utilização dos equipamentos de análises dos hospitais...
Os exames que possam ser feitos nos hospitais, naturalmente devem ser feitos através das Unidades Locais de Saúde. Sabemos que alguns hospitais recorrem ao exterior numa quantidade absurda ao nível dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Por exemplo, não fazia ideia que o Hospital de Santa Maria consome 10 milhões de euros, de um total de 300 milhões de euros de orçamento. É um absurdo que um hospital como o de Santa Maria não tenha capacidade para realizar todos os seus meios de diagnóstico.
Como inverter estas situações?
O que está previsto na lei que criou as EPE, é o próprio hospital organizar a empresa fornecedora dos diferentes meios de diagnóstico e terapêutica. Ou seja, tem o direito de constituir internamente uma SA, desde que mantenha a maioria do capital social, com o pessoal que hoje está nos laboratórios. No fundo, são uma peça interna do hospital, gerida de uma forma empresarial autónoma. Isto pode ser feito também fora dos hospitais ou inter-hospitais.
A lógica que subsistiu à passagem dos hospitais SA a EPE foi precisamente a de evitar que estes viéssem a ser privatizados, mas abre agora a porta à privatização de determinados serviços.
Não. Não existe nenhuma privatização de serviços, porque a maioria do capital social está perfeitamente salvaguardado.
Essas preocupações desembocam na necessidade de encontrar soluções para financiar a saúde, cada vez mais cara...
A primeira solução, aquela que estamos a cumprir, é demonstrar que se pode gerir o SNS com os recursos que temos. Por isso, quero apelar a todos os profissionais que sentem que o SNS é uma coisa deles - do ponto de vista social, político e económico danecessidade de estarem sintonizados com esta defesa. Caso contrário, o SNS não se aguenta. Eu estou empenhado em demonstrar que o modelo é economicamente viável. É a minha aposta. E os primeiros indícios são positivos.
Disse que ia criar uma comissão para olhar para esta questão da sustentabilidade financeira.
Está em vias de ser criada. Existe já um despacho preparado. Estamos a discutir com os principais intervenientes do sector. É possível que seja uma comissão que venha a ter apoio de uma organização externa.
Qual é a organização?
Estamos a pensar em comprar os serviços da OCDE que tem um know-how muito respeitado sobre esta matéria. Penso ter a comissão constituída no final de Fevereiro para apresentar um relatório até ao final do ano.
Vai ser apresentado um livro branco?
A ideia é apresentar primeiro um livro verde, no fundo um trabalho com a natureza de discussão.
Ainda em matéria de financiamento do SNS. Prevê aumentos das taxas moderadoras nas urgências dos hospitais?
A nova legislação aumenta um pouco mais as taxas para as urgências.
E vai avançar com a penalização das designadas falsas urgências?
Ainda não vai avançar. Estamos numa outra linha de trabalho. Queremos primeiro racionalizar e requalificar as urgências dos cuidados primários e hospitalares. Nos sítios onde existe hoje algumas urgências nocturnas com apenas dois ou três doentes por noite, nesses casos, pretendemos um aumento da disponibilidade de transportes, do acesso do call-center e do acesso a unidades móveis por pessoas mais idosas.
Quais são os planos para as urgências dos centros de saúde?
Queremos ter os apoios como há numa urgência básica de um hospital. O problema do encerramento das urgências não é económico-financeiro. Se fosse um problema financista as próprias autarquias que se sentem amputadas de um apoio à comunidade das 0 às 8 da manhã, certamente teriam a generosidade de apoiar esse custo por noite. É por razões de qualidade e de ineficiência. O acesso durante a noite a sítios onde só há médico, mais um enfermeiro e um profissional administrativo, além de ser constantemente questionado pela Ordem dos Médicos, causa uma sensação de falsa segurança.
Mas é essencialmente a ineficiência que tem criticado.
Cada vez que um médico de família está de serviço das 0 às 8 horas e faz uma, duas ou três consultas, está dispensado de trabalhar em metade do dia seguinte. Ora, se fizer uma média de 25 consultas por dia, o médico deixa de fazer um grande número de consultas quando está de noite. Portanto, aumenta logo a lista de espera, o desconforto, vai gerar novas idas ao SAP. O raciocínio aritmético também se aplica nas urgências hospitalares, nos casos em que os médicos de família utilizem uma parte do seu tempo contratual para fazerem urgências nos hospitais, mas estamos a acabar com este mecanismo.
O ano de 2006 será para arrumar a casa nos centros de saúde?
Sim. Mas, repare que temos este modelo de centros de saúde há cerca de 24 anos e, por outro lado, um conjunto de profissionais, cerca de 6.000, que estão em grupos etários muito avançados, com mais de 50 anos. Por isso, não podemos ter a ilusão de que vamos pedir a essas pessoas, no meio da sua vida, um esforço físico suplementar que os transforme em paladinos de um novo modelo. Há que esperar por novas gerações. Se vivemos tanto tempo com a reforma antiga, precisamos de 10 anos para ter uma nova reforma implantada.
A nível dos recursos humanos, que planos tem para a reforma da administração pública? Haverá reafectação de pessoal?
Certamente. Muitos dos profissionais das sub-regiões serão colocados noutros serviços de saúde, onde normalmente até escasseiam, onde há falta de pessoal administrativo e técnico.
E rescisões amigáveis?
A legislação só a conheço daquilo que vem nos jornais.
Quando começa o trabalho do controlador financeiro no seu Ministério?
A legislação foi aprovada em Conselho de Ministros e assim que sair sou o mais interessado em que haja um outro controller. A perspectiva de promulgação da Lei não me parece que seja má. Vamos admitir que a Lei esteja promulgada a 20 de Fevereiro e publicada ao fim de mais duas a três semanas. Depois, assim que o ministro das Finanças me proponha um controller, eu aceito-o imediatamente, na primeira oportunidade.
Ainda na racionalização das urgências nos hospitais, como está a alteração do critério de atendimento pelo critério geográfico?
Estamos a preparar um despacho que reforça uma orientação, que vinha já do tempo da ministra Leonor Beleza, que diz que cada mulher escolhe onde quer ter o seu filho. É assistida no período pré-natal o mais próximo possível do seu local de residência, mas depois escolhe onde quer ter o filho. Isso vai resolver metade dos problemas dos chamados "encerramentos das maternidades" - porque as maternidades continuam em funções. Há distritos do País que hoje fazem 250 partos por ano, mas quando olhamos as estatísticas de nascimento pela residência da mãe verificamos que foram mil os nascimentos. Esses ocorreram em hospitais circundantes, porque as mulheres já há muito tempo escolheram o sítio com mais segurança para ter a criança.
Qual é o balanço que faz da liberalização dos medicamentos não sujeitos a receita médica?
Ainda é muito cedo para fazer um balanço. Neste momento, não sou capaz de dizer se o preço médio de venda ao público já terá atingido o seu ponto baixo. Há só 54 lojas abertas. Há outras 20 que já estão licenciadas, mas ainda não estão abertas. Vamos em cerca de 75 lojas. Quando tivermos 200 lojas, vamos certamente observar a influência da flexibilização dos preços. Por outro lado, há uma outra componente decorrente do protocolo que estamos a preparar com a Indústria farmacêutica que é deixar de fixar o preço dos medicamentos e optar por estabelecer um tecto máximo. As farmácias poderão ainda passar a fazer publicidade interna, podendo anunciar descontos na venda de medicamentos. Tudo isto estimulará todo o mercado: os farmacêuticos, os grossistas e os próprios fabricantes.
Fomentar a concorrência é a palavra de ordem.
Esta instauração de competição é absolutamente essencial num mercado até aqui tão rigidamente regulado, onde alguém capturava os ganhos de eficiência e esse alguém nunca era o consumidor final.
Quando é expectável atingirem-se as 200 lojas?
Depende de muitos factores, nomeadamente a legislação que, entretanto, sair sobre as farmácias mas admito que no final de 2006 se esteja entre as 150 a 200 lojas.
Afirmou que vai ser estabelecido um tecto máximo para o preço dos medicamentos, que é uma das propostas da Autoridade da Concorrência...
Vai ser adoptada e fará, inclusive, parte do protocolo com a Apifarma para suster o aumento da despesa com medicamentos. Gostaria de realçar que todos os países na Europa estão fazer tectos de preços.
Para quando a fixação de um tecto máximo para o preço dos medicamentos?
Primeiro temos de firmar o protocolo com a Apifarma e depois preparar o dispositivo legal para o efeito.
Quais são as suas linhas gerais desse protocolo?
Se os gastos hospitalares ultrapassarem o limite de 4%, a indústria devolve ao Ministério esse montante para a constituição de um fundo dedicado para a investigação farmacêutica. Não é um dinheiro que se irá disseminar nas outras receitas do SNS, é um dinheiro destinado ao desenvolvimento da indústria farmacêutica em Portugal através de um fundo que será alimentado também com um crescimento muito pequeno na taxa de venda dos medicamentos, que reverte para o Infarmed. Em troca, os laboratórios têm a garantia que os preços dos medicamentos não aumentam este ano. Os laboratórios poderão sempre fazer um jogo de preços nos hospitais, subindo nuns e descendo noutros, desde que fiquem nos 4%.
O protocolo fará com que a dívida crónica à Indústria desça?
A dívida crónica dos hospitais à indústria não tem prejudicado rigorosamente nada a indústria porque esta aumenta os preços dos produtos para se ressarcir do atraso esperado nos pagamentos hospitalares. O último estudo dos hospitais S.A. do professor Miguel Gouveia demonstrou que nos medicamentos hospitalares as diferenças entre o pagamento atrasado e a horas representa uma taxa de juro implícita de 28% para os hospitais. É evidente que os fornecedores não têm sofrido, quando muito têm tido incerteza no pagamento, mas não prejuízo financeiro. Nós sabemos que a certeza do pagamento é muito importante. É isso que pretendemos garantir e, ao mesmo tempo, permite-nos ter uma negociação de preços com a indústria que hoje praticamente não existia, aqueles que fizerem melhor preço para o mesmo princípio activo ganharão.
Existem hospitais a mais, principalmente nas grandes cidades, como em Lisboa?
Não temos camas a mais. Mas quanto aos edifícios, sim. Temos uma herança do século passado, de estabelecimentos instalados na Almirante Reis. Recorde-se que havia um grande hospital em Lisboa, antes do terramoto, o Hospital de Todos os Santos, que ficava no Rossio. Mas foi destruído pelo terramoto e o Marquês de Pombal teve de colocar os doentes no Convento dos Jesuítas, em São José, nos Capuchos e em Santa Marta. Um hospital construído de raiz para o ser, temos o Santa Maria. Não há mais nada. E os que temos não possuem parques de estacionamento, nem fáceis acessibilidades. O acesso é um caos.
Qual é então a solução?
A solução é o Hospital Oriental da Cidade de Lisboa, um hospital único para recolher estes antigos estabelecimentos que faziam parte dos Hospitais Civis de Lisboa, que infelizmente se deixaram atomizar. O Hospital Oriental de Lisboa deverá ser relativamente grande, com toda a tecnologia, com 600 a 700 camas, para que permita a libertação destes velhos espaços onde se desenvolveu a medicina portuguesa durante séculos. Não podemos é encerrar hospitais sem abrir outro.
Para quando o novo Hospital?
Penso que até ao fim do mês vamos ter notícias sobre a sua implantação, a sua indispensabilidade e provavelmente a sua prioridade.
Pedi a um grupo universitário da Escola de Gestão da Universidade do Porto para fazer a análise das prioridades das parcerias público-privadas. Este hospital não estava sequer incluído nas PPP's, mas passou a estar. No final do mês terei uma ideia mais precisa da prioridade para cada um. Esses hospitais vão depois ser lançados à cadência de um por semestre.
E onde ficará localizado?
Há um velho terreno no vale de Chelas que há muito está destinado para a sua construção. Todavia esse terreno já sofreu uma amputação de cerca de 12%. Todos os presidentes da Câmara de Lisboa têm mantido aquele terreno para o Hospital Oriental, ou chamemos-lhe Hospital de Todos os Santos, que será provavelmente o nome que vai ter. Já estou em conversações com o presidente da autarquia de Lisboa.
Como vai ser o investimento?
Será feito através de parceria público-privada, envolvendo um investimento entre 170 e 200 milhões de euros.
Para além do tecto máximo do preço dos medicamentos, vai adoptar as restantes propostas da Autoridade da Concorrência?
Ainda é cedo para falarmos sobre isso. Por um lado, ainda não temos oficialmente as recomendações da Autoridade da Concorrência. Só as teremos depois de 5 de Fevereiro, dia em que termina a consulta pública. Depois desta data certamente que a Autoridade da Concorrência vai reformular as suas propostas, o que levará mais algum tempo. Admito, assim, que as propostas cheguem ao Governo entre o final de Fevereiro e o início de Março.
Destaca-se nessas propostas a denúncia do acordo com a ANF.
É público e notório que este Governo até ao fim do primeiro semestre deste ano denunciará o acordo. E também é público e notório que queremos fazer um novo acordo. Como sabem a Lei do Orçamento permite que o Governo possa denunciar esse acordo mais cedo, que a data de 30 de Junho prevista no acordo em vigor, desde que tenha cumprido nessa data todos os pagamentos às entidades com quem fez o acordo.
Quais serão os moldes de um novo acordo?
Temos o maior interesse em ter a ANF como parceiro. Apesar de não ser um parceiro cómodo, é um parceiro disciplinado e tem auto representatividade. Agora será nos termos que o Governo entender, não estaremos mais submetidos à ditadura de uma regra que foi criada devido às fragilidades financeiras do Estado. Para isso, o Estado está a organizar a sua máquina de pagamentos para evitar qualquer fragilidade financeira e garantir que nas datas previstas os pagamentos cairão na conta dos farmacêuticos. Os acordos futuros serão individuais e não colectivos.
Quer especificar?
Os acordos serão entre cada farmácia e o Ministério. Será provavelmente, ainda não está definido, um contrato de adesão que cada farmácia celebra com o Ministério.
Outras tentativas para reformular o acordo com a ANF não resultaram. A maioria das farmácias passou procurações para a ANF...
Desconheço isso. O que posso dizer é que as farmácias são livres. Agora terão é de fazer um acordo individual com o Ministério da Saúde, indicando uma conta bancária para onde será depositado o dinheiro. Se elas quiserem indicar uma conta corrente que pertence a uma entidade que lhes cobra depois uma intermediação é com elas, mas certamente perderão dinheiro nestas circunstâncias.
Retira-se, assim, uma forte componente do poderio financeiro da ANF, esvaziando o seu objecto social...
O objecto social da ANF é a defesa dos interesses dos seus associados. Prossegue também interesses públicos respeitados. Não é esvaziar o seu objecto social, é esvaziar uma certa deriva que ocorrer nos últimos anos, que permitiu transformar a ANF num potentado económico avassalador. A ANF tem as farmácias fidelizadas através deste mecanismo financeiro, vende-lhes os seus equipamentos e pretende concentrar verticalmente na fileira do comércio de medicamentos, ficando a dominar uma parte do mercado grossista, e até, eventualmente, fabricando. Esta violação de regras de concorrência é prejudicial para o interesse dos cidadãos.
Não é essa a via que garante ter os medicamentos mais baratos...
Não. Mas não é só a questão do preço. As farmácias são poucas, têm de ser em maior número, têm de estar mais disponíveis e acessíveis a toda a população, sobretudo de noite quando se vem de uma urgência. Esse tipo de acessibilidade não é garantido no contexto actual.
As decisões têm de ser bem pensadas. O que nos motiva é o interesse público - esta é a nossa responsabilidade. Não estamos aqui para fazer a vida negra à ANF, muito menos aos farmacêuticos e às farmácias que, aliás, têm dado um contributo muito importante para a melhoria das condições de saúde dos portugueses. A nossa motivação é melhorar as condições de acesso dos portugueses aos bens de saúde. E fálo-emos sem ruptura da estabilidade económica do sector das farmácias e do grossista.
Vai acabar com a exclusividade da propriedade das farmácias apenas para farmacêuticos?
É uma das propostas do relatório publico da Autoridade da Concorrência. Veremos qual é a proposta final.
Mas qual é a sua opinião?
Não tenho opiniões pessoais, nem estados de alma nesta matéria. Eu represento o interesse público, não me pronuncio sobre essa matéria.
Carlos Caldeira, João Vieira Pereira e Lígia Simões, 27.01.06, Semanário Económico
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