domingo, fevereiro 12, 2006

Recomendações da AdC

Terminou em 06.02.06 o período de discussão pública das recomendações da AdC para reforma do sector das farmácias devendo esta entidade reguladora manter na sua proposta ao Governo todos os princípios de liberalização que defende: propriedade, preços e instalação.(link)(link)
Neste contexto é importante conhecer o que pensa o bastonário da OF, José Aranda da Silva, sobre estas recomendações.
GH – Se as propostas da AdC sobre as farmácias forem aceites pelo MS, quais serão as consequências ?
AS – As recomendações da AdC não diferem muito das que foram divulgadas há seis meses. Há três componentes fundamentais em causa: a liberalização da propriedade da farmácia, a liberalização da instalação de farmácias e, por último, a liberalização dos preços dos medicamentos. A OF discorda da proposta. Já manifestou este sentir durante uma reunião com a AdC. E vou fazê-lo também por escrito. Esta posição não é puramente corporativa. A OF, enquanto instituição, deve defender o interesse público e é nessa perspectiva que não está de acordo com as recomendações que foram divulgadas.
Tenho conhecimento de que o Governo vai seguir algumas das recomendações, mas não todas...
GH – Já têm essa indicação ?
AS – Temos.
GH – Quais as componentes que vão ser preteridas ?
AS – Não sabemos os pormenores, mas temos conhecimento que o Governo quer mexer no regime de instalação das farmácias e podem ficar de fora as outras componentes.
GH – Quais as críticas que a OF faz à proposta da AdC ?
AS – A posição da AdC baseia-se num estudo encomendado à Universidade Católica do Porto, que, em nossa opinião e do ponto de vista científico, não está bem feito. Primeiro porque utilizam uma amostra que não é representativa da realidade europeia e, em segundo lugar, porque são utilizados neste estudo metodologias que não são adequadas nem ao Mercado da Saúde nem do medicamento (que são muito específicos, como sabe).
GH – Não concorda,então, com aquela opinião da AdC, segundo a qual abrindo as portas à liberalização do sector os preços dos medicamentos baixam ?
AS – Essa é outra questão interessante. O que se conhece de estudos independentes feitos noutros países diz-nos que as conclusões da AdC estão muito distantes da realidade. A liberalização das farmácias é uma realidade há dezenas de anos em alguns Estados – como o Reino Unido, a Irlanda, e USA – e em dois países, mais precisamente a Islândia e na Noruega, nos quais foram no final dos anos 90, tomadas medidas semelhantes às que o Governo português pretende levar a cabo. Os estudos, já publicados, demonstram que não só não houve abaixamento dos preços de medicamentos, como o Estado não poupou dinheiro nem controlou melhor o crescimento da despesa neste domínio e passou a ter mais dificuldades de intervir no sector. Mais preocupante é o facto de, nesses países, se ter registado a concentração de farmácias em quatro grandes grupos monopolistas.
GH – Prevê que isso aconteça em Portugal ?
AS – É do conhecimento público que há dois grandes grupos económicos interessados em que isso aconteça.
GH- Quais ?
AS – O grupo de distribuição bem como aquele que está associado à privatização do sector da Saúde. É importante dizer que a OF, enquanto entidade reguladora da profissão, defende o conceito de farmácias para a Saúde. Como muita gente sabe a Farmácia tem uma componente empresarial mas, além disso, é sem sombra de dúvida um sector que se engloba na prestação de cuidados de saúde à população. É essa tendência em toda a Europa.
O que a recomendação da AdC propõe é um modelo que está em contraciclo com estes princípios, apresentando a farmácia totalmente liberalizada (costumo dizer que até se pode vender tabaco), numa versão muito americanizada.
entrevista do bastonário da OF, José Aranda da Silva à GH (n.º 13).
POSTED BY XAVIER

ricardo said...
O bastonário aborda de forma correctíssima todos os pontos relacionados com o problema da liberalização das farmácias.
O interesse é não repetir os erros dos países referidos.
Importante a forma desassombrada com que AS se refere aos lobis interessados na liberalização desbragada das Farmácias.

tonitosa said...
Como questão de princípio, e apenas isso, considero que:
1. Deveria ser liberalizada a abertura de farmácias;
2. Deveria pôr-se fim à exclusividade da propriedade por farmacêuticos;
A isto deverá juntar-se uma forte regulamentação do sector (já existente) e a exigência de um responsável técnico licenciasdo em farmácia.

xavier said...
Aranda da Silva cumpriu o que disse nesta entrevista à GH, reclamar por escrito junto da AdC:
A Ordem dos Farmacêuticos (OF) está contra a possibilidade de as farmácias fazerem descontos nos medicamentos. Isto porque considera que é "um absurdo social" os doentes ficarem dependentes do preço que a farmácia da sua área praticar, introduzindo desigualdades no acesso aos remédios, em particular nas zonas do interior.
Uma posição que consta de um documento de 50 páginas enviado ontem à Autoridade da Concorrência, dia em que terminou o prazo para discussão pública do relatório daquele organismo sobre o sector da farmácia. As recomendações da AdC apontam para a liberalização da propriedade e das regras de abertura de farmácias, assim como para o fim dos preços fixos. Aquela entidade sugere ao Governo que mude a lei para que os actuais preços de venda ao público funcionem como limite - cada farmácia pode ou não baixá-lo.
Medida que não agrada ao organismo que representa os farmacêuticos. "Passaríamos a admitir cidadãos de primeira e de segunda uma apetecível avenida da capital oferece preços inferiores àqueles a que teria acesso um utente de uma farmácia de uma aldeia do interior. Localização e ou tão só o poder negocial de cada cidadão passam a ser factores de diferenciação no acesso à saúde, que se pressupõe igual", defende a Ordem.
O documento faz duras críticas e "rejeita as recomendações" do estudo. Além disso, põe em causa a metodologia utilizada, acusando-a de "falta de idoneidade e credibilidade". A começar na amostra de países que serviram de comparação ao modelo português. Isto porque os farmacêuticos dizem que os seis estados que foram tidos em conta "não são representativos", já que em 17 países "a propriedade de farmácias é exclusiva de farmacêuticos", tal como em Portugal.
Para a Ordem, os consumidores ficariam a perder com a liberalização, porque o sector acabaria nas mãos de grandes cadeias, o que limitariam a oferta. Além disso, lembra que a saúde não pode ser encarada como as outras áreas de negócio.
DN 07.02.06
Mário de Sá Peliteiro said...
Tonitosa, disse "Como questão de princípio, e apenas isso".
Já discutimos isso aqui mil e uma vezes, mas faço-lhe um desafio - assim uma espécie de ciberduelo (-: enuncie as vantagens, práticas, que prevê caso essas duas medidas sejam adoptadas e eu tento, humilde e civilizadamente, rebatê-las.
Sempre na perspectiva das populações, claro.
Quanto à forte regulamentação "já existente", queira informar-se o meu caro amigo Tonitosa de quantos funcionários há no Infarmed e ARSs para fiscalizar presencialmente laboratórios e outros detentores de AIM, armazenistas, farmácias e, agora, lojas de saúde.
Quanto ao responsável técnico, presumo que quisesse dizer em Ciências Farmacêuticas e não em Farmácia. É que há para aí uns cursos em enganam os alunos - com a conivência do ministério da educação, incrível! - e os licenciam em técnicos de farmácia, por abreviação, em farmácia.
Eduardo Faustino said...
Os Farmacêuticos e as farmácias portuguesas tinham todas as condições para funcionarem com parte das soluções dos graves problemas que o nosso país vai enfrentar nas próximas décadas a nível de saúde principalmente na prevenção; nos cuidados primários e no contributo para a redução dos custos com medicamentos;
Parece que não vai ser assim; As nossas energias vão-se virar integralmente para a cota de mercado; Os clientes serão segmentados; nichos de mercado explorados; custos serão cortados; os produtos serão merchandizados na justa medida da sua rentabilidade e eficácia... Apesar de não concordarmos,... todos os indicadores indicam que mesmo agora somos comparativamente muito eficientes, com qualquer modelo de Farmácia Europeu...
No outro dia quando recusei aviar um antibiótico a um utente que manifestamente sofria de uma virose sazonal; e lhe tentava explicar que apesar da substancia não ser muito tóxica, se podia estar a contribuir para causar resistências aos AB etc...etc... o homem interrompeu-me e disse...-Pois!!! Pois !!! Vocês farmacêuticos falam com a barriga cheia!!!... – Mas o Sócrates e a Autoridade da Concorrência vão tratar-vos da saúde...
Virou-me as costas, saiu e sinto que perdi um cliente...
O modelo proposto de Farmácia por Abel Mateus através das recomendações da AdC é o modelo de Farmácia Brasileiro... Parece que vai prevalecer , no Brasil anunciam-se descontos de 50% no preços dos medicamentos todavia não consta que no final os clientes paguem menos do que pagam neste momento os portugueses!!! No Brasil para quem conhece o sector funciona a chamada terapêutica da “Empurroterapia” uma parte substancial do salário dos chamados balconistas consiste na comissão sobre o valor das vendas... enfim o modelo de comércio retalhista de medicamentos proposto por Abel Mateus....
lisboaearredores said...
Assentemos nas três medidas:
a) liberdade de instalação de novas farmácias
b) liberdade de propriedade de farmácias, permanecendo a obrigatoriedade de controle técnico por parte de um licenciado em Ciências Farmacêuticas
c) liberdade de exercer descontos.
A componente que parece estar a causar maiores reacções é a c), embora naturalmentea as restantes também não sejam pacíficas.
Concentrando nos preços, a possibilidade de descontos a realizar pelas farmácias em si mesma só é efectiva caso os utentes/consumidores tenham a capacidade/possibilidade de comparar preços entre as diferentes alternativas de farmácia. E para uma farmácia vir a ter interesse nisso, as vendas que faz têm de ser suficientemente sensíveis a esses preços, de outro modo será um instrumento não utilizado.

Tem-se focado no receio de as farmácias entrarem em ciclos de redução de custos - diminuição de preços, com diminuição da qualidade do serviço que prestam (aconselhamento incluído). Ora, pode perfeitamente não suceder isso, e dado o actual ponto de partida, a prática de desconto ser até interpretada como um sinal de uma farmácia com menor nível de serviço. Não é certo que venha a ser uma prática corrente das farmácias, até porque devido ao elevado número de medicamentos que vendem, os custos de organização de seguir o que as farmácias mais próximas fazem será elevado. Só em estruturas comerciais que tenham muitas farmácias, e em que esta comparação e definição possa reunir economias de escala, fará sentido entrar numa politica de descontos. Assim, só com uma política de liberdade de propriedade e posterior concentração dessa propriedade em redes comerciais será de esperar que uma liberdade de descontos viesse a ter um efeito permanente na forma de funcionamento das farmácias.

Se seria bom ou mau, é também discutível, e a maior parte dos comentadores receia essa liberdade.

guidobaldo said...
Espero que o governo produza e apresente, como é de bom tom numa governação transparente, a modelização dos impactos de acordo com os possíveis cenários, contemplando também as implicações a montante e a jusante das farmácias, indústria e utentes, respectivamente.

Se a decisão for baseada no estudo da Universidade Católica encomendado pela AdC, então a situação é muito grave, pois o estudo enferma de erros metodológicos graves,peca por omissões de conceptualização e delineamento grosseiras e, pior do que tudo, as conclusões não expressam o evidenciado pelos resultados.
Neste sector crítico para a sociedade portuguesa, há que amarrar desde já os políticos à responsabilização pelas consequências dos seus actos.
Exemplifico: Publicamente pediremos contas pelo sistema nacional de farmacovigilância. Não aceito mexidas sem que, como cidadão, tenha garantias de segurança.
Vladimiro Jorge said...
Há aqui outro fenómeno interessante, que é o da brasileirização da Saúde em Portugal. Sobretudo desde que alguém com uma aura de "operário libertador das classes desfavorecidas" tão forte como Lula da Silva chegou ao poder, há em alguns sectores da esquerda portuguesa (ligados ao PS) uma espécie de má consciência em relação ao que os diversos governos fizeram por cá.
Deste modo, procura-se com afinco, entre a miríade de trapalhadas que o José Inácio tem feito do outro lado do atlântico, alguma coisa que possa ser transposta e atirada à cara dos liberais lusitanos. O caso das farmácias que dão descontos é ouro sobre azul, pois conjuga o melhor de dois mundos: num cenário de completa liberalização, desregulação e descontrolo do sector farmacêutico, há farmácias que oferecem ao povinho medicamentos a preços minimalistas. É o ovo de colombo de CC! A medida vem com o selo de qualidade do campeão dos proletários e aplica-se num contexto de vale tudo mercantilista. Ajuda a dar cabo da ANF e é um excelente cartão de visita para um governo de cuja sigla partidária faz parte o "S". Ganha o pobre, ganha o rico e todos entram no bailarico!
PS - Já algum dos frequentadores deste blogue visitou uma farmácia brasileira?
guidobaldo said...
Não vale a pena especular muito sobre a desregulação do sector farmacêutico (nas suas possíveis vertentes). Vamos assentar algumas coordenadas:
1º A decisão é política e não técnica;
2º Os interesses prevalecentes são de grupo(financeiros, comerciais e industriais) e não de saúde pública.
3º O governo tem a opinião pública esmagadoramente do seu lado, facto conseguido com demagogia e anos de diabolização da ANF (que, diga-se em abono da verdade, se foi pondo sempre e cada vez mais a jeito);
4º O movimento é trans-nacional (Islândia, Noruega, Reino Unido, França, Irlanda, Alemanha, por exemplo) e corresponde à prioridade dada, no processo de construção do mercado interno,às necessidades da indústria farmacêutica e à total ausência de iniciativa europeia na saúde.
5º Na sequência do "chumbo" da directiva dos serviços, vieram as autoridades da concorrência para conseguir o que por aquela via não foi conseguido.
6 A ERS e outros com poderes de tutela (INFARMED, p explo,) estranhamente nada disseram sobre o assunto.
7.Ninguém sabe exactamente o que o governo quer e/ou vai fazer: onde encaixa, por exemplo, a promessa das farmácias sociais ?
8. Os actuais proprietários de farmácia têm um problema. Os que defendem e pugnam por um modelo profissional estrategicamente orientado para a prestação de serviços desligado do valor comercial do "bem", têm um problema. Mas o governo tem um enorme problema: se não liberaliza o acesso à propriedade, que direi as cadeias de distribuição alimentar interessadas no negócio? Testas de ferro outra vez ? se não liberaliza a instalação tem um problema: e os farmacêuticos não propriétarios que querem ter farmácias ? se liberaliza tudo, então e as farmácias sociais, bandeira que foi da guerra de 2002 PS-ANF ?
Se não liberaliza os preços, quais os ganhos de mexer nas farmácias ? Se liberaliza os preços, que garantias de equidade no acesso, e que negócios irão acontecer (entre farmácias e clientes institucionais e diferenciação dos clientes de acordo com o volume de consumo e a capacidade de pagar) ? E como controla as importações/exportações paralelas ?
E que formatação(s)/medidas evitará(ão) integrações (verticais, horizontais ou ambas)?
Tudo, em Portugal, isto é tratado com os pés.
O Governo, com a responsabilidade que a si próprio criou, deve olhar para as seguintes situações:
- resposta do governo australiano à respectiva AdC;
- resposta do parlamento britânico à respectiva Adc (OFT - office of fair trading);
- alterações legislativas na Alemanha produzidas após a recomendação da respectiva AdC;
- o mesmo em relação à Irlanda
- alterações em França sem intervenção da AdC.
Aguardemos com serenidade.

Vladimiro Jorge said...
Agora a sério:
- O guidobaldo está, como sempre, cheio de razão;
- O lisboaearredores acertou na mouche.
Só fará sentido mexer nos preços num cenário de liberalização total. E neste cenário as farmácias prometidas às associações e doentes e IPSSs deixam de ter razão de ser. Ou seja, a sofreguidão anti-ANF conduziu CC a esta pequena trapalhada em forma de pescadinha de rabo na boca.
Em relação ao bastonário da OF, o mínimo que se pode dizer é que chegou atrasado. Enviar um texto de 50 páginas no último dia da discussão pública da proposta da AdC foi um gravíssimo erro político:os farmacêuticos (de todos os sectores de actividade!) andam há quase um ano a arder num lento e agonizante auto-de-fé público. Foram centenas as vezes em que nos diversos órgãos de comunicação social esta classe foi injustamente massacrada. Os instigadores das chamas eram frequentemente personalidades com posições de relevo no sector (governantes, membros de outras ordens profissionais, sindicatos, académicos, etc.). Perante tudo isto, o bastonário calou-se. Nos debates públicos, gaguejou e não soube responder. Perante o vazio, o líder de uma associação patronal (João Cordeiro, da ANF) surgiu como único defensor da classe. E quando finalmente o bastonário da OF decide falar, já a decisão estava tomada: Carmen Pignatelli quis brilhar em frente a Bill Gates e revelou parte do que aí vem e o próprio Aranda da Silva reconhece que sabe algo sobre a futura decisão... ou seja, AS entrou em campo na fase dos descontos (como diria Gabriel Alves, "no período de compensação de neutralizações"), em que o público até já começou a sair das bancadas e vai sozinho e sorridente para a área adversária. Vai ter azar, pois ninguém lhe vai sequer passar a bola nos 30 segundos que restam para o apito do árbitro. No fim, todos os jogadores correrão para o balneário e o bastonário ficará sozinho no relvado, finalmente com a bola à mercê. Até poderá chutar para a baliza, mas já lá não estará ninguém para ver o golo...

tonitosa said...
Ciberduelo, disse o colega Peliteiro!
Porquê? Confesso que gosto mais do jogo de equipa mas não estou aqui para jogar.
Quanto a licenciados em Farmácia ou em Ciências Farmacêuticas não me parece que para o caso seja assim tão importante o preciosismo. Desde que, como é evidente, se trate de cursos reconhecidos. Mas não é pelo nome que se lá vai. Há para aí tantas licenciaturas e especialidades, que nem bacharelatos deveriam ser!
Dito isto, não recuso expressar sobre a matéria algumas ideias.
1. - Liberalização da abertura (instalação) de novas farmácias.
Porque não? É caso para se perguntar: há razões para a não liberalização?
Há quem entenda que a qualidade dos serviços pode ser posta em causa face à redução de quotas de mercado. Pois bem, para além da regulamentação a que o sector tem que obedecer, serão os clientes em última análise a determinar quem lhes merece confiança ou não.
Mas, se existir como deve um Director Técnico caber-lhe-á a forte responsabilidade de um serviço que não ponha em causa a qualidade e sobretudo a segurança.
Com sabemos já hoje (embora raramente) acontecem situações de erro. Tenderão as mesmas a aumentar? Não necessariamente pelo aumento do número de farmácias porque há certamente a ética e a responsabilidade profissional. E há princípios deontológicos a que os técnicos são fiéis.
Se o negócio em si não for viável por "falta de volume de negócios", será o mercado a fazer o adequado ajustamento.
Mas a situação actual parece apontar no sentido de uma oferta insuficiente, a avaliar pelos resultados do negócio e particularmente pelos elevados montantes que os "compradores" estão dispostos a pagar pelos trespasses.
2. - Liberalização da propriedade das farmácias
A propriedade das farmácias, como de qualquer outro estabelecimento comercial ou industrial, não deverá ser exclusivo de ninguém. Porque razão não pode um cidadão investir as suas poupanças numa farmácia? Porque o negócio tem especiais características de rigor técnico? A isso se responde com a Direcção Técnica.
Porque razão alguém licenciado em CF/F e que não tem o correspondente Capital Financeiro não há-de poder encontrar quem possa ser seu parceiro no negócio?
Porque se corre o risco da sua "concentração" na propriedade de grandes grupos económicos? Deve pois defender-se o "pequeno" proprietário/licenciado em CF/F?Então porque se não protegem outros investidores e grupos profissionais?
Porque se não limita a propriedade de clínicas (medicina e veterinária) à titularidade dos médicos? E porque razão se admite que haja hospitais que não sejam detidos exclusivamente por médicos?
E porque razão as Sociedades de Revisores e Técnicos de Contas não hão-de ser um exclusivo de licenciados em Contabilidade?
E porque razão os laboratórios de análises clínicas não são propriedade exclusiva de licenciados com a correspondente formação?
Trata-se de um privilégio concedido aos Farmacêuticos que nada justifica e que parece ser único.
Corre-se o risco de grandes grupos entrarem no negócio criando-se um poder monopolista capaz de limitar a oferta? Se a liberalização passar pela abertura de farmácias os custos da entrada no sector baixarão muito significativamente e a oferta tenderá a aumentar. A par de grandes grupos haverá lugar para o "pequeno farmacêutico". Os grandes grupos não estão muito vocacionados para a proliferação de estabelecimentos comerciais e o comércio de medicamentos não é um comércio de massas.
Não me parece que se venha a assitir à abertura de estabelecimentos como: a "Zara dos medicamentos", o "Pingo Doce dos medicamentos", o Carrefour dos medicamentos", com publicidade do tipo "o mais barato da região" ou "nova baixa de preços dos medicamentos x ou y".
O comércio de medicamentos não é um monopólio natural. Já o mesmo se não poderá dizer ao nível da indústria onde se torna necessário proteger a recuperação de grandes investimentos efectuados na fase de investigação.
Ainda quanto ao poder monopolista, na verdade já hoje, através da ANF esse poder existe.
Por fim, como já referi trata-se de uma área onde a regulação tem que ser uma realidade. Se hoje ela é insuficiente ou não existe, é uma questão diversa da que aqui estamos a anlisar. O Estado, por outro lado, não poderá abdicar do seu poder de "grande comprador" e co-financiador do consumo.
A terminar, devo dizer que certezas em matérias de tão grande complexidade ninguém tem. Eu nem sequer pretendo ser um "expert" na matéria. A minha opinião é muito mais a do cidadão/consumidor que também tem alguns conhecimentos de economia e gestão.

Mário de Sá Peliteiro said...
Muito bem Tonitosa, eu aceito a sua escusa de duelo.
:-)
Joguemos pois em equipa, que é assim que temos feito aqui. E bem. Aprendemos todos uns com os outros e as nossas opiniões vão evoluindo - basta ver os comentários de há uns meses atrás e confrontá-los com os actuais para verificar uma evolução francamente positiva. A propósito, gostava de saber se a opinião do SemMisericórdia se mantém, se ainda defende entre outras coisas, qual Drácon, que os Farmacêuticos fossem remunerados abaixo do salário mínimo nacional...

tonitosa said...
Caro Peliteiro,
"Escusa" de duelo mas não de debate de ideias e se o mesmo acabar em duelo tudo bem, é porque outros se abstêm de participar. E parece não vir a acontecer. É grande o entusiasmo pelo tema.
Deixe-me só acrescentar ao meu comentário anterior que nesta matéria reconheço a outros colegas e a si, em particular, um conhecimento bem mais profundo que o meu.
A minha formação não é na área e apenas tenho opinião, como disse, como cidadão e cliente das farmácias. Admito que razões técnicas possam objectivamente desaconselhar a "liberalização" mas ainda não as vi claramente expressas neste blog.
guidobaldo said...
Tonitosa:
Sobre essa dos investimentos da indústria (IF) em I&D, vamos pensar um pouco.
Adianto alguns dados:
Segundo a IF um novo medicamento custa, em média, 100 milhões de contos. Segundo a IF entre 15% e 30% do volume de vendas é para I&D. Expliquem-me como é que o grupo BIAL desenvolveu 2 medicamentos.

guidobaldo said...
Perdão: não são "contos" são US Dollars

Mário de Sá Peliteiro said...
«Admito que razões técnicas possam objectivamente desaconselhar a "liberalização" mas ainda não as vi claramente expressas neste blog»
Amigo Tonitosa - permita-me tratá-lo por amigo, mas é assim que o considero assim como aos restantes comentadores deste excelente blogue; um dia destes temos que fazer uma jantarada ou uma patuscada qualquer para nos conhecermos melhor, num ambiente mais amigável que o do windows - neste blogue já foram apresentados imensos argumentos que desaconselham a liberalização da instalação e propriedade de farmácia. Eu, aqui e no meu pasquim, estou saturado de tanto falar no assunto e repito uma questão que me ocorre frequentemente e para a qual não tenho resposta:
Porque razão num blogue de Administradores Hospitalares se fala tanto de Farmácias e de medicamentos, sendo os textos sobre o tema dos mais comentados.
Sobre o "conhecimento mais profundo" que me atribui, agradeço, mas não aceito: sou um mero licenciado em C.Farmacêuticas com formação em Gestão, que para além de trabalho de secretária também tem experiência no balcão e até na bancada; não sou nenhum investigador ou estudioso do assunto, nenhum perito. Portanto as minhas opiniões se algum crédito tem é por serem feitas por alguém que está habituado a lidar com a "matéria" no mundo real e conhece bem as particularidades da "arte" e dos "artistas" do meio.
Respeito todas as Vossas opiniões - embora nem sempre concorde - porque tenho a certeza de serem sinceras e bem intencionadas, tendo muita honra e prazer em frequentar um blogue com participantes de tanta qualidade.