terça-feira, janeiro 17, 2006

Plano Contingência contra Gripe das Aves

Hospital de S. João ultima plano contra gripe pandémica
O Hospital de São João, no Porto, está a finalizar um plano de contingência para uma eventual pandemia de gripe a pedido da Direcção-Geral de Saúde. "O plano prevê todas as situações possíveis, desde um doente que chega da Turquia num avião até à entrada simultânea de 60 pacientes contaminados com o vírus. A possibilidade existe e temos de estar preparados para ela", adiantou ao PÚBLICO António Ferreira, director clínico do hospital.
A primeira versão do documento deverá estar concluída até ao próximo dia 15 de Fevereiro, podendo a partir dessa altura servir de referência para outros estabelecimentos de saúde da região, referiu o director clínico.

"O plano nunca vai estar totalmente concluído, é algo que estará sempre sujeito a reajustes. Já temos um esqueleto que reúne os pontos essenciais", explica Margarida Tavares, a especialista em doenças infecciosas que, desde Novembro de 2005, tem trabalhado a tempo inteiro na elaboração do plano. O maior desafio deste tipo de documento é, explica a médica, equacionar vários cenários hipotéticos ao mesmo tempo. Como se fosse uma equação com demasiadas incógnitas (ver caixa).

Não se sabe qundo o vírus H5N1, o responsável pela gripe das aves, poderá chegar a Portugal, se é que algum dia chegará. Também se ignora se esse vírus passível de afectar humanos conseguirá, após eventuais mutações, adquirir uma forma transmissível de pessoa para pessoa. "Estamos a trabalhar com uma situação desconhecida, mas ao mesmo tempo a fazer um grande esforço para responder às orientações do Centro Regional de Saúde Pública e da Organização Mundial de Saúde", confessa a especialista, que integra uma equipa multidisciplinar com 25 membros. Face às incertezas, Margarida Tavares preferiu trabalhar com hipóteses e dados disponibilizados por organismos estrangeiros e nacionais. É o caso de dois programas informáticos facultados pelo Centers for Disease Control and Prevention, organismo norte-americano de referência para a saúde pública, que permitiram fazer várias estimativas. O número de pessoas que poderão adoecer, acorrer às urgências, necessitar de ventilação são algumas delas.

Margarida Tavares garante que não é possível avançar números concretos. Porque basta alterar uma das variáveis da equação, sugere a investigadora, para que se obtenham novos resultados - que, de resto, neste momento não passam de conjecturas. Imaginemos, então, um cenário: a "supergripe" atinge 15 por cento da população numa vaga de oito semanas. Segundo este plano de contingência, o São João tem de estar preparado para internar 120 doentes na quarta semana, quando a onda epidémica atinge o seu pico. Se formos pessimistas e elevarmos a taxa de ataque para 35 por cento, o número de camas necessário saltará para 294.

Para garantir uma resposta adequada a uma gripe pandémica, o documento define as medidas a serem adoptadas nas diferentes situações. Por exemplo: se X doentes dão entrada nas urgências, sabe-se logo que serão necessários Y profissionais de saúde. Sabendo que o Hospital de São João conta hoje com aproximadamente cinco mil funcionários, dos quais cerca de mil são médicos, será fácil concluir se é ou não necessário recrutar estudantes de Medicina ou clínicos reformados. O mesmo raciocínio vale para a parte logística: reservas de máscaras e luvas, capacidade do depósito de água e alcance dos geradores eléctricos.

Também não foram descurados aspectos ligados ao controlo, à vigilância epidemiológica, ao treino dos profissionais através de um simulacro e à saúde ocupacional. Este último facto, aliás, é especialmente preocupante: uma pandemia afecta toda a população, o que significa que uma parte dos agentes hospitalares ficará doente. Torna-se necessário não só substituí-los, mas também desenhar medidas profilácticas e medidas de protecção. "Em princípio, o vírus não se transmite, a menos que o doente esteja a tossir ou a falar a menos de um metro de uma pessoa saudável", explica Margarida Tavares.

A Organização Mundial de Saúde já anunciou que considera "inevitável" a ocorrência de uma pandemia, só não se sabe se a bomba pode explodir dentro de alguns meses ou anos. Isso porque existe uma certa frequência neste tipo de problemas de saúde pública. No século passado, por exemplo, registaram-se três pandemias: a gripe espanhola de 1918, considerada a mais violenta de todas, assim como a asiática em 1957 e a de Hong Kong, 11 anos depois. O grande temor é justamente que o vírus das aves, após mutações sucessivas, consiga encontrar uma fórmula capaz de se ligar aos receptores dos humanos. Os casos verificados até agora - na Turquia, por exemplo - revelam apenas a transmissão do vírus H5N1 entre animais e homens. Se se combinar com outros vírus que afectam humanos, a população mundial corre o risco de se ver confrontada com uma "supergripe", para a qual o sistema imunitário humano não está preparado.
JPúblico 16.01.06
Lisboa D. Estefânia e Curry Cabral preparados para casos pontuais
Os hospitais de Curry Cabral e de D. Estefânia, em Lisboa, fazem parte do Plano de Contingência para a Gripe, estando preparados para receber, a qualquer momento, casos pontuais de ameaça de infecções emergentes de gripe aviária. De acordo com Fernando Maltez, director do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Curry Cabral, esta unidade hospitalar está na primeira linha para receber casos eventuais de gripe aviária e isso prende-se com as possibilidades técnicas do hospital, que dispõe de capacidade imediata de 16 internamentos em isolamentos respiratórios com pressão negativa.
Aquele responsável explicou que o hospital, na sequência das ameaças de febre hemorrágica (vírus de Marburg) e da pneumonia atípica, estabeleceu canais de funcionamento próprios e de articulação com o exterior, o que lhe conferiu uma experiência organizativa que lhe permite responder de imediato em situação de ameaça de infecções emergentes. "Em caso de pandemia, o que é uma possibilidade imprevisível a curto prazo, os recursos teriam de ser reorganizados de outra forma, mas até aí o facto de termos um hospital com "estrutura pavilhonada" ajudaria à sua reorganização", garantiu.
Fernando Maltez mostra-se seguro quanto às capacidades de resposta do Hospital de Curry Cabral e relembra que aquela unidade hospitalar está envolvida num grupo de qualidade internacional, sendo auditado várias vezes por ano e tendo desenvolvido procedimentos internos de emergência altamente qualificados.
Mário Coelho, director clínico do Hospital de D. Estefânia, explicou ao PÚBLICO que também dispõe de uma unidade especial com pressão negativa, destinada a impedir a contaminação para fora da unidade. O hospital, de acordo com este responsável, está equipado com circuitos próprios de isolamento, corredores de segurança e de evacuação, circuitos de segurança para lixos e equipamentos e produtos biológicos dos doentes, para além de uma equipa que define as regras internas, nomeada pelo conselho de administração. Em relação à gripe aviária, Mário Coelho considera que neste momento não faz sentido qualquer alarme, "pois não existe nenhum conhecimento de situação de epidemia", e garante que a unidade está preparada para focos da doença, tendo capacidade de resposta imediata.
À semelhança do Hospital de Curry Cabral, também o Hospital de D. Estefânia está envolvido num grupo de qualidade internacional, sendo auditado mais do que uma vez por ano. "O vírus de Marburg e a pneumonia atípica fizeram com que o hospital se preparasse para todas as doenças de grande infecciosidade e grande contagiosidade, estando pronto para receber casos pontuais a qualquer momento", concluiu aquele responsável. Anabela Mendes
No caso de uma grande afluência de infectados com o vírus da gripe das aves, os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) irão responder, numa primeira fase, com a capacidade dos Serviços de Doenças Infecciosas e de Medicina Geral. Porém, precavendo-se desde já contra o eventual surgimento de uma procura superior ao normal, este estabelecimento de referência no combate a esta doença tem, neste momento, reservadas 15 camas nas suas instalações de Celas. "Temos uma reserva de 15 camas numa área de Celas, caso venha a ser necessário", adiantou ao PÚBLICO Agostinho Almeida Santos, presidente do Conselho de Administração dos HUC. Para além deste suplemento de camas, o responsável máximo por este estabelecimento de saúde indica ainda, "se for necessário", repete, que está previsto o "recrutamento de pessoal e de recursos medicamentosos". "Vale mais estar prevenido do que remediar, como se costuma dizer."
Agostinho Almeida Santos descansa a população garantindo que o plano de contingência avançará consoante a possível chegada da doença a Portugal e, caso tal venha a suceder, mediante a sua progressão. "Não estamos desprovidos nem de elementos, nem de estruturas, nem de interligações funcionais", assevera. Aníbal Rodrigues
Gripe aviária continua a infectar na Turquia
Confirmado o vírus num rapaz de cinco anos. A irmã morreu ontem e deverá ser a quarta vítima mortal da doença no país
O vírus da gripe aviária continua a infectar na Turquia. O Governo anunciou que um rapaz de cinco anos é o décimo nono caso de infecção com o H5N1 em apenas duas semanas. A irmã mais velha do rapaz morreu ontem, mas as autoridades não confirmam para já a doença.
O resultados das análises a Muhammet Ozcan, de 5 anos, que se encontra internado em "situação estável" no Hospital de Van, deram positivo à presença do H5N1, anunciou o Ministério da Saúde em comunicado. A irmã do rapaz, de 12 anos, morreu na madrugada de ontem com os mesmos sintomas, mas os testes preliminares não detectaram a presença do vírus. "Fatma Ozcan estava a ser seguida como um caso suspeito de gripe das aves, mas infelizmente não foi possível salvá-la", lê-se no documento. Segundo o Ministério, foram recolhidas mais amostras, que serão agora analisadas para averiguar se a causa da morte foi a infecção com a estirpe mais perigosa do vírus aviário.
Não é a primeira vez que resultados preliminares negativos acabam por ser confirmados posteriormente por outros exames laboratoriais. O mesmo já aconteceu com a terceira vítima mortal da doença no país. A menina de 11 anos tinha sido internada com febres altas e expectoração com sangue e, tal como os dois irmãos mais velhos, acabou por não resistir à doença. As primeiras análises davam resultados negativos para o H5N1, mas uma semana depois o Governo confirmava que a criança sucumbira ao vírus.

Reacção rápida
Huseyin Avni Sahin, director-clínico do Hospital de Van, onde a maioria dos casos têm sido tratados, diz que os dois irmãos Ozcam deram entrada na unidade há cinco dias. São oriundos da cidade de Dogubeyazit, onde estiveram em contacto com aves e terão tocado em frangos doentes.
Dezenas de pessoas têm sido internadas com sintomas de gripe um pouco por toda a Turquia, incluindo em Istambul. A esmagadora maioria dos 19 casos confirmados - que incluem as três vítimas mortais - são crianças ou adolescentes e todos estiveram em contacto com aves doentes. O director-clínico do Hospital de Van defende que a eficácia do tratamento depende em grande parte da rapidez com que os suspeitos recebem tratamento. "É preciso ter medo da gripe aviária, mas é preciso temer ainda mais a negligência", defendeu.
As autoridades turcas continuavam ontem as operações de abate de aves, perus e gansos como forma de conter a doença, que atingirá 26 das 81 províncias do país. O Governo nomeou no sábado uma comissão que deverá fazer recomendações para salvar o negócio da exploração de frangos no país, que emprega cerca de 100 mil turcos.

Jornal Público 16.01.06