Uma mão cheia de quase nada
Relatório para a reforma dos hospitais apresentado ao ministro da Saúde e à Comunicação Social
As expectativas eram muitas, mas foram muito poucas as respostas às questões fundamentais dos protagonistas da reforma hospitalar, inclusive às de Paulo Macedo.
É evidente que terá sempre de haver uma decisão política, mas o relatório do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar (GTRH), apresentado no passado dia 21, em Lisboa, ficou aquém do esperado pelos actores da Saúde e pelo próprio ministro da tutela, que tinha pedido com urgência um «conjunto de acções imediatas», no despacho do passado dia 24 de Agosto que nomeou esta equipa de trabalho.
Entre as missões do GTRH, como se pode ler no normativo, estava a revisão «da carta hospitalar nacional em devida articulação com a rede de cuidados de saúde primários (CSP) e com a rede de cuidados continuados (CC)», a incumbência de «propor alterações ao modelo de financiamento dos hospitais», a «transferência de forma gradual de alguns cuidados actualmente prestados em meio hospitalar para estruturas de proximidade da rede de CSP e da rede de CC», a identificação de «medidas de redução de custos de curto prazo com impacte nos exercícios dos hospitais» e a «redefinição do regime dos mandatos dos CA», entre outras.
Mas, numa altura em que profissionais e utentes precisam de saber com o que podem contar, o prazo foi das poucas coisas a serem cumpridas. Os 90 dias para apresentar o plano de reforma foram seguidos à risca, mas as medidas concretas solicitadas redundaram numa apresentação estratégica generalista.
Oito grandes temas, 79 pontos
Durante cerca de hora e meia, José Mendes Ribeiro, o coordenador do GTRH, apresentou 79 pontos de mudança, incluídos em oito grandes temas. No primeiro deles, «Rede hospitalar mais coerente», o responsável propôs ao ministro a construção do Hospital Oriental de Lisboa e, até estar construído, a integração do Hospital de Curry Cabral e da Maternidade Alfredo da Costa no Centro Hospitalar de Lisboa Central. Pelas suas contas, a construção deste novo hospital significaria uma «poupança de 72 milhões de euros», atendendo ao que se deixaria de gastar em rendas e manutenção dos antigos hospitais. Todos esperavam um apontar de caminhos em relação a encerramentos específicos de serviços e Urgências, mas nada foi dito.
Em relação ao financiamento, as propostas passam pela transformação de todos os hospitais em EPE e elaboração de contratos-programas com a duração de três anos. No entanto, recorde-se que esta última medida já foi objecto de despacho do Ministério da Saúde, estando o seu início previsto, de acordo com Paulo Macedo, para Janeiro de 2012.
Operacionalização não explicada
O acesso e integração de cuidados era um dos temas aguardados com mais expectativa, mas também aí o relatório se revelou vago. A equipa de Mendes Ribeiro considera que os doentes triados como «não urgentes» (40%) devem ser atendidos fora das Urgências, que devem ser definidos critérios de referenciação entre a rede de cuidados primários e a rede hospitalar e que deve ser promovida a consulta de especialidades hospitalares nos centros de saúde. Já a forma de operacionalizar os recursos não foi explicada.
No capítulo «Hospitais mais eficientes», três medidas-pilar foram anunciadas: «ajustamento» dos quadros de pessoal dos hospitais em função das necessidades da procura, «promoção» da mobilidade dos profissionais e criação de um novo regime remuneratório assente no desempenho. De acordo com a análise feita, afirmou Mendes Ribeiro, «existem entre 1200 e 2300 médicos a mais» nos hospitais. Como tal, explicou, «aquilo que propomos é que entre as várias ARS possa haver uma articulação de forma voluntária de recursos de regiões que possam ter mais disponibilidade para outras que estejam mais carentes».
A «Qualidade como trave mestra», outro dos itens propostos, será conseguida, de acordo com o GTRH, com a redução das taxas de infecção nosocomial e de cesarianas, e associando o financiamento dos prestadores a indicadores de qualidade. A estratégia para ambas as reduções não foi detalhada ou sequer apresentada.
Prémios para quem cumprir o contrato de gestão
Sobre as formas de melhorar a governação, a equipa volta a trazer para cima da mesa a necessidade de avaliar o desempenho dos membros dos CA, a sua selecção com base em critérios de competência e a possibilidade de celebrar contratos de gestão com a equipa da administração, estabelecendo um prémio de mandato pelo cumprimento dos objectivos do contrato. Para conseguir o prémio é preciso desenhar um programa de optimização, individualizado para cada hospital, para um horizonte de ajustamento de três anos, sendo «os objectivos de convergência inscritos no contrato-programa plurianual».
No que toca ao capítulo do reforço do papel do cidadão, o relatório aconselha o ministério a «implementar» o princípio de liberdade de escolha do utente, que, segundo Mendes Ribeiro, «seria uma forma de pressão para os hospitais, que iriam concorrer para prestar melhores cuidados e atrair doentes».
Relatório passa à discussão pública
No final da apresentação, o ministro da Saúde, Paulo Macedo recebeu o relatório do GTRH, dizendo que o mesmo irá ser colocado em discussão pública durante 30 dias.
Sobre os pontos propostos, o governante salientou que há medidas «que nos parecem importantes», outras «que merecem ser aprofundadas» e ainda «medidas polémicas».
Não querendo estender-se em comentários, Paulo Macedo sublinhou aos jornalistas que este estudo será complementado com a carta hospitalar e com o relatório do grupo que está a estudar a reformulação das Urgências, e que só com esses elementos «o Governo poderá tomar uma decisão do que será a reforma hospitalar». Isso acontecerá «entre o final deste ano e o princípio de 2012», garantiu.
Medidas principais propostas pelo GTRH
• Construção do Hospital Oriental de Lisboa e redimensionamento da rede hospitalar de Lisboa e Vale do Tejo;
• Criação do Instituto Nacional de Oncologia;
• Unificação da tabela de preços hospitalar;
• Contratos-programa plurianuais (3 anos);
• Transformação de todos os hospitais em EPE;
• Definição de critérios de referenciação entre a rede de cuidados primários e a rede hospitalar;
• Promover a consulta de especialidades hospitalares nos centros de saúde;
• Atender os doentes não urgentes fora das Urgências hospitalares ;
• Promover protocolos de actuação entre os Aces e os hospitais e a eventual criação das UCF;
• Promover a mobilidade dos profissionais;
• Ajustamento dos quadros de pessoal dos hospitais em função das necessidades da procura;
• Criação de novo regime remuneratório assente no desempenho;
• Transferência de actividades da área médica para a de enfermagem;
• Sujeição dos acordos de avaliação prévia de medicamentos aos contratos-programa;
• Redução da taxa de infecção nosocomial;
• Associar o financiamento dos prestadores a indicadores de qualidade;
• Criação do Centro Nacional de Simulação Médica;
• Reduzir a taxa de cesarianas;
• Implementar o registo de saúde electrónico;
• Avaliação do desempenho dos membros do CA;
• Selecção dos membros dos CA com base em critérios de competência;
• Revisão da classificação dos hospitais para efeitos remuneratórios dos CA;
• Implementação do princípio da liberdade de escolha do prestador público;
• Implementar de forma efectiva o consentimento informado;
• Factura pró-forma para sensibilizar o utente relativamente aos custos incorridos pelo SNS em cada episódio clínico.
Tempo Medicina 28.11.11
As expectativas eram muitas, mas foram muito poucas as respostas às questões fundamentais dos protagonistas da reforma hospitalar, inclusive às de Paulo Macedo.
É evidente que terá sempre de haver uma decisão política, mas o relatório do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar (GTRH), apresentado no passado dia 21, em Lisboa, ficou aquém do esperado pelos actores da Saúde e pelo próprio ministro da tutela, que tinha pedido com urgência um «conjunto de acções imediatas», no despacho do passado dia 24 de Agosto que nomeou esta equipa de trabalho.
Entre as missões do GTRH, como se pode ler no normativo, estava a revisão «da carta hospitalar nacional em devida articulação com a rede de cuidados de saúde primários (CSP) e com a rede de cuidados continuados (CC)», a incumbência de «propor alterações ao modelo de financiamento dos hospitais», a «transferência de forma gradual de alguns cuidados actualmente prestados em meio hospitalar para estruturas de proximidade da rede de CSP e da rede de CC», a identificação de «medidas de redução de custos de curto prazo com impacte nos exercícios dos hospitais» e a «redefinição do regime dos mandatos dos CA», entre outras.
Mas, numa altura em que profissionais e utentes precisam de saber com o que podem contar, o prazo foi das poucas coisas a serem cumpridas. Os 90 dias para apresentar o plano de reforma foram seguidos à risca, mas as medidas concretas solicitadas redundaram numa apresentação estratégica generalista.
Oito grandes temas, 79 pontos
Durante cerca de hora e meia, José Mendes Ribeiro, o coordenador do GTRH, apresentou 79 pontos de mudança, incluídos em oito grandes temas. No primeiro deles, «Rede hospitalar mais coerente», o responsável propôs ao ministro a construção do Hospital Oriental de Lisboa e, até estar construído, a integração do Hospital de Curry Cabral e da Maternidade Alfredo da Costa no Centro Hospitalar de Lisboa Central. Pelas suas contas, a construção deste novo hospital significaria uma «poupança de 72 milhões de euros», atendendo ao que se deixaria de gastar em rendas e manutenção dos antigos hospitais. Todos esperavam um apontar de caminhos em relação a encerramentos específicos de serviços e Urgências, mas nada foi dito.
Em relação ao financiamento, as propostas passam pela transformação de todos os hospitais em EPE e elaboração de contratos-programas com a duração de três anos. No entanto, recorde-se que esta última medida já foi objecto de despacho do Ministério da Saúde, estando o seu início previsto, de acordo com Paulo Macedo, para Janeiro de 2012.
Operacionalização não explicada
O acesso e integração de cuidados era um dos temas aguardados com mais expectativa, mas também aí o relatório se revelou vago. A equipa de Mendes Ribeiro considera que os doentes triados como «não urgentes» (40%) devem ser atendidos fora das Urgências, que devem ser definidos critérios de referenciação entre a rede de cuidados primários e a rede hospitalar e que deve ser promovida a consulta de especialidades hospitalares nos centros de saúde. Já a forma de operacionalizar os recursos não foi explicada.
No capítulo «Hospitais mais eficientes», três medidas-pilar foram anunciadas: «ajustamento» dos quadros de pessoal dos hospitais em função das necessidades da procura, «promoção» da mobilidade dos profissionais e criação de um novo regime remuneratório assente no desempenho. De acordo com a análise feita, afirmou Mendes Ribeiro, «existem entre 1200 e 2300 médicos a mais» nos hospitais. Como tal, explicou, «aquilo que propomos é que entre as várias ARS possa haver uma articulação de forma voluntária de recursos de regiões que possam ter mais disponibilidade para outras que estejam mais carentes».
A «Qualidade como trave mestra», outro dos itens propostos, será conseguida, de acordo com o GTRH, com a redução das taxas de infecção nosocomial e de cesarianas, e associando o financiamento dos prestadores a indicadores de qualidade. A estratégia para ambas as reduções não foi detalhada ou sequer apresentada.
Prémios para quem cumprir o contrato de gestão
Sobre as formas de melhorar a governação, a equipa volta a trazer para cima da mesa a necessidade de avaliar o desempenho dos membros dos CA, a sua selecção com base em critérios de competência e a possibilidade de celebrar contratos de gestão com a equipa da administração, estabelecendo um prémio de mandato pelo cumprimento dos objectivos do contrato. Para conseguir o prémio é preciso desenhar um programa de optimização, individualizado para cada hospital, para um horizonte de ajustamento de três anos, sendo «os objectivos de convergência inscritos no contrato-programa plurianual».
No que toca ao capítulo do reforço do papel do cidadão, o relatório aconselha o ministério a «implementar» o princípio de liberdade de escolha do utente, que, segundo Mendes Ribeiro, «seria uma forma de pressão para os hospitais, que iriam concorrer para prestar melhores cuidados e atrair doentes».
Relatório passa à discussão pública
No final da apresentação, o ministro da Saúde, Paulo Macedo recebeu o relatório do GTRH, dizendo que o mesmo irá ser colocado em discussão pública durante 30 dias.
Sobre os pontos propostos, o governante salientou que há medidas «que nos parecem importantes», outras «que merecem ser aprofundadas» e ainda «medidas polémicas».
Não querendo estender-se em comentários, Paulo Macedo sublinhou aos jornalistas que este estudo será complementado com a carta hospitalar e com o relatório do grupo que está a estudar a reformulação das Urgências, e que só com esses elementos «o Governo poderá tomar uma decisão do que será a reforma hospitalar». Isso acontecerá «entre o final deste ano e o princípio de 2012», garantiu.
Medidas principais propostas pelo GTRH
• Construção do Hospital Oriental de Lisboa e redimensionamento da rede hospitalar de Lisboa e Vale do Tejo;
• Criação do Instituto Nacional de Oncologia;
• Unificação da tabela de preços hospitalar;
• Contratos-programa plurianuais (3 anos);
• Transformação de todos os hospitais em EPE;
• Definição de critérios de referenciação entre a rede de cuidados primários e a rede hospitalar;
• Promover a consulta de especialidades hospitalares nos centros de saúde;
• Atender os doentes não urgentes fora das Urgências hospitalares ;
• Promover protocolos de actuação entre os Aces e os hospitais e a eventual criação das UCF;
• Promover a mobilidade dos profissionais;
• Ajustamento dos quadros de pessoal dos hospitais em função das necessidades da procura;
• Criação de novo regime remuneratório assente no desempenho;
• Transferência de actividades da área médica para a de enfermagem;
• Sujeição dos acordos de avaliação prévia de medicamentos aos contratos-programa;
• Redução da taxa de infecção nosocomial;
• Associar o financiamento dos prestadores a indicadores de qualidade;
• Criação do Centro Nacional de Simulação Médica;
• Reduzir a taxa de cesarianas;
• Implementar o registo de saúde electrónico;
• Avaliação do desempenho dos membros do CA;
• Selecção dos membros dos CA com base em critérios de competência;
• Revisão da classificação dos hospitais para efeitos remuneratórios dos CA;
• Implementação do princípio da liberdade de escolha do prestador público;
• Implementar de forma efectiva o consentimento informado;
• Factura pró-forma para sensibilizar o utente relativamente aos custos incorridos pelo SNS em cada episódio clínico.
Tempo Medicina 28.11.11
Etiquetas: Paulo Macedo
<< Home