sexta-feira, novembro 04, 2011

GTRH no Porto

Alguns hospitais da região de Lisboa «podem não continuar»

Um financiamento comum dos hospitais, mas «com pontos de diferenciação», e uma boa gestão da procura de cuidados, que pode levar ao desinvestimento em alguns hospitais, foram algumas novidades avançadas pelo coordenador do GTRH, José Mendes Ribeiro, em relação à reforma hospitalar, num debate que decorreu no Porto, na Casa do Médico.

A abertura dos novos hospitais pode levar o Governo a «acabar com as unidades que perdem procura». Embora a população tenha dificuldade em perceber a medida, o certo é que, por exemplo na região de Lisboa — colocando-se a unidade de Loures «mais próxima das pessoas» e «com resposta mais moderna» —, poderão ser desactivados alguns hospitais, como admitiu José Mendes Ribeiro, coordenador do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar (GTRH), num debate realizado no Porto, na Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, promovido pela ApegSaúde e pela própria direcção local da Ordem.

«Ficamos com uma rede de resposta mais moderna, mas agora temos que ver se as unidades de Lisboa continuam a justificar-se, isto em relação às já existentes», adiantou o responsável, sem revelar nomes. De resto, e de acordo com Mendes Ribeiro, a ERS estará já «a cruzar o acesso das populações concelho a concelho», a fim de «verificar quais as estruturas que agora vão dar resposta».

Se vale ou não a pena continuar a criar centros hospitalares é outro assunto que está a ser equacionado pelo GTRH. «Faz sentido concentrar serviços?», pergunta Mendes Ribeiro, citando o caso da integração do Hospital de Valongo no Centro Hospitalar S. João, no Porto. Como a unidade de Valongo tinha um GDH mais baixo, «a integração não trouxe nenhum benefício de escala», salienta o economista, questionando ainda: «Fará sentido hoje manter a diferença de preços?», ou seja, «ter os hospitais classificados em quatro clusters de preços»?
Mas a grande «trave mestra» desta reforma é a qualidade. «Temos uma taxa de infecção hospitalar muito elevada (9,9%), e como tal há que melhorar a qualidade», sublinha o coordenador do GTRH.

Há hospitais que reduzem 20% a 30% de custos

Às críticas que têm sido dirigidas ao SNS — por um lado, que há muito desperdício, avaliado em 2 a 3 milhões de euros/ano; por outro, que há subfinanciamento — o grupo técnico respondeu com a avaliação da situação unidade por unidade. Segundo Mendes Ribeiro, provavelmente haverá que «cortar» nuns hospitais e dotar outros de mais recursos. «Alguns precisam de reduzir 20% a 30% dos seus custos operacionais», admitiu o economista, acrescentando: «Não podemos, para o mesmo GDH, ter variações de quatro e cinco vezes», o que significa que «algo está mal».
Mendes Ribeiro também não vê necessidade de haver equipas tão numerosas na gestão dos hospitais. «Deve ser criada uma equipa pela competência e estipulado um mandato, sendo que essa equipa deve ser premiada se o resultado for bom».

Investir em centros de excelência

Quanto a financiamento — e sendo os desempenhos dos hospitais muitos diversos —, Mendes Ribeiro vê aqui um oportunidade para encontrar em cada região uma especificidade: «Temos que ter um financiamento comum mas encontrar um ponto de diferenciação», como seja «investir em centros de excelência e abandonar outros». O economista prevê ainda uma «aproximação» aos contratos de PPP (parcerias público-privadas) em vigor.

Reorganização é «mandatória»

A discussão beneficiou de um painel de comentadores, os quais debateram sobretudo a questão do financiamento da Saúde. Alguns, ao contrário de Manuel Antunes, professor universitário e cirurgião dos HUC, defenderam que este é o momento para tornar «mandatória» uma reorganização hospitalar, mesmo sabendo-se que os hospitais «são imunes» a sistemas de reengenharia interna. Outros reconheceram o mesmo, até porque, apesar das sucessivas legislações publicadas, não houve execução prática e «ainda temos a mesma organização hospitalar do final da década de 60». Já outros questionaram: «Será que estamos a utilizar o financiamento como instrumento indutor de práticas internas?» É que, segundo os últimos dados disponíveis, no Reino Unido 40% dos doentes dos hospitais têm doença crónica com multipatologia e a organização interna continua a ser baseada no episódio. «Isto implica uma ineficiência que todos percebemos; portanto, o financiamento deve ele próprio produzir essa organização interna. Em Portugal este é o momento de a fazer», acrescentaria outro dos intervenientes.

Reduzir cesarianas em 20%

Em relação à informação, José Mendes Ribeiro considera que «vivemos numa espécie de catacumbas», urgindo por isso tornar a informação transparente para o cidadão. Perceber as percentagens de procedimentos «apropriados» e das opções evitáveis é a linha de rumo, frisa o economista, com a vantagem de beneficiarmos agora do ambulatório que «foi um grande ganho», mas «ainda não vimos reduzir o custo médio dos procedimentos nem o número de camas». O Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar considera também urgente «reduzir o número de cesarianas, pelo menos em 20%», e —sublinha o economista — se calhar não podemos fazer tantas amputações/ano, «por dificuldade de tratar o diabético de forma planeada»

«O que se corta até pode morrer»

«O que se está a fazer é cortar e o que se corta até pode morrer», afirmou Artur Osório, director do Hospital da Trofa, vincando antes a necessidade de fazer reformas estruturais. «No Hospital da Prelada, que dirigi, apenas 30 médicos faziam o serviço de qualquer outro hospital e com qualidade — a unidade era um exemplo de gestão. E porquê?, perguntou, para depois dar a resposta: «Porque o hospital está separado desta teia toda colectivista dos hospitais do Estado.»

Novo perfil jurídico «não produziu autonomia»

O longo espaço de tempo que demorou a alterar o perfil jurídico dos hospitais foi chamado ao debate por um dos comentadores, como aliás faria também Mendes Ribeiro, apesar de ter sido um projecto «manifestamente insuficiente». Contudo, a alteração do perfil jurídico «não produziu em cascata aquilo que era autonomia e responsabilização», reconheceu outro dos comentadores.

«É preciso dizer que não vamos conseguir pagar»

«Os doentes vivem com a ideia, que foi fomentada, que é possível continuar a dar-lhes tudo de graça, e eu há muito tempo que ando a clamar para o aumento significativo da contribuição aos que podem. Isto é uma questão que está na mesa?», questionou Manuel Antunes. Aliás, para o cirurgião, aquilo que tem sido dito pelo ministro da Saúde — «vamos cortar 11% ao orçamento dos hospitais mas tenho a certeza que os profissionais de saúde vão conseguir prestar o mesmo serviço» — é «a maior mentira» que se pode dizer. «É preciso dizer claramente aos doentes que não vamos conseguir pagar», sustentou.

Reforma «poderá ser a aposentação do SNS»

«Esta conversa que estamos a ter está deslocada pelo menos 10 anos, porque esta reforma, que poderá ser a “aposentação do SNS”, não vai acontecer», afirmou Manuel Antunes, director do Centro de Cirurgia Cardiotorácica dos HUC, justificando a sua posição com «os cortes a direito no que é desperdício e no que não é». Lembrando que anda «a puxar pelo SNS pelo menos há 12 anos», por vezes com espírito de admoestação da própria Ordem dos Médicos ou de algum bastonário, confessou no momento sentir-se «muitíssimo» apreensivo. «Diria mesmo que estou muito triste porque estou a ver desmoronar um serviço que eu próprio pensei ter contribuído para ajudar». Sem qualquer tipo de rodeios, Manuel Antunes revela já ter levado «um corte muito grande nas horas extraordinárias», reconhecendo, contudo, que «agora é muito tarde» para mudar de vida. «Vim para o SNS baseado no pagamento de salários, mas desde o ano passado 35% já foi».

TEMPO MEDICINA 1.º CADERNO de 2011.11.07

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