José Manuel Silva, entrevista
“Há doentes a ir às urgências para não pagarem medicamentos”
José Manuel Silva avisa o novo ministro da Saúde de que não pode cortar em excesso, pois já há quem vá às urgências só porque ali não paga os medicamentos. E deixa-lhe uma sugestão: que acabe com os atestados médicos e responsabilize os cidadãos. Basta que o ato de mentir sobre o estado de saúde passe a ser motivo para despedimento com justa causa. Para o bastonário dos médicos, a transparência é o ‘tratamento’ para os males da Saúde.
Acusou o ministro de ir além da troika nos cortes na Saúde. Onde é que Paulo Macedo está a ser excessivo?
Na antecipação da redução das horas extraordinárias e da despesa com medicamentos, que este ano ultrapassam os objetivos de 2012. E no corte de 11% no orçamento dos hospitais. Se é possível cortar tanto sem afetar a qualidade é porque tem existido má gestão, mas ainda não vi nenhuma administração ser substituída. Devido às consequências para os doentes, não se pode ir além da troika.
Os cortes põem em causa o respeito pelos limites de segurança?
É preciso denunciar que os recursos humanos nas urgências internas e externas já estão no limite.
A situação não se resolve com mudanças nas escalas de serviço?
Parece que é um capricho dos médicos fazer horas extraordinárias! Mas se há horas a mais o ministro que diga onde e demita as administrações.
E concentrar serviços, é solução?
Já não há muito para concentrar com qualidade, mas admito que é o ministro que tem os dados.
Foi já nomeada uma comissão para redefinir a carta hospitalar...
Mas antes desse trabalho estar feito já veio a ordem para cortar. O meu desafio é que o ministro elabore um relatório sobre como são feitos esses cortes e o divulgue. Se provar que tem razão seremos os primeiros a dar-lha, mas tem de haver transparência.
Onde é que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderia poupar e não o fez?
Reduzindo o preço dos novos genéricos não para 60% do preço original mas para 50% e tabelar o preço pelo valor baixo em todos os genéricos iguais. Com estas medidas, provavelmente, poupar-se-iam €100 milhões.
Diz que um país doente não produz. Os cortes na Saúde vão deixar-nos mais doentes e menos produtivos?
Portugal é dos países europeus onde se gasta menos em medicamentos per capita. O ministro informou que esta despesa nos hospitais aumentou, mas não disse quais foram as causas: se os doentes no ambulatório não estão a ser bem tratados porque não têm dinheiro para comprar medicamentos, descompensam e acorrem às urgências hospitalares para serem tratados onde não têm de pagar os medicamentos.
Mas concorda com Paulo Macedo sobre a existência de isenções abusivas de taxas moderadoras.
Há doentes com recursos económicos significativos que são isentos e há outros que só porque ‘têm o azar’ de não ter uma doença que confere isenção têm de pagar.
E qual seria a maneira justa de taxar o acesso ao SNS?
Por uma fórmula que inclua o IRS e os outros sinais de riqueza. Só o IRS é a pior forma de calcular as isenções porque acentua as desigualdades sociais: as pessoas com mais recursos são, normalmente, as que pagam menos.
Defende que quem aborta deve pagar uma taxa.
O aborto não pode ter isenção como tem a gravidez porque não é um estímulo à maternidade. Hoje existem métodos contracetivos e as pessoas têm que ser estimuladas a usá-los.
Também diz que é preciso acabar com os atestados. Como?
É simples. Cada cidadão tem de ir ao seu médico — que o avalia e diz se está em condições — e assumir a responsabilidade. Porque é que tem de levar um papel? É preciso mudar o paradigma do ‘papel milagroso’ que serve para tudo e ter um sistema, de preferência público, onde se possa recorrer para juntas médicas de verificação.
E há médicos para fazer isso?
Se a penalização por mentir for o despedimento por justa causa acha que vai haver muitos mentirosos? Temos de criar um sistema que responsabilize e desincentive o cidadão de mentir e permita ao empregador verificar a doença rapidamente e de forma eficaz. Fizemos uma revisão sobre os atestados médicos no país e houve situações ridículas como uma junta de freguesia que pediu atestados aos seus idosos para os levar numa excursão a Fátima.
Também aliviaria o trabalho nos centros de saúde, onde estão os tais ‘médicos estrangeiros indiferenciados’ de que tanto discorda.
Estão a contratar-se médicos que não têm a mesma competência para acompanhar doentes que um especialista em medicina geral e familiar.
E há alternativa?
A maioria dos especialistas portugueses reformados voltavam se lhes pagassem o mesmo que aos médicos estrangeiros indiferenciados: €2500 por mês, em vez de €1500. Numa semana todos os portugueses teriam médico de família. Infelizmente, o Governo anterior optou por uma medida populista que não resolveu o problema.
Não? Esses médicos estão a trabalhar, estão a ver doentes.
Nem todos. Soube que há um colega colombiano que já chumbou duas vezes no exame de comunicação e está a receber o vencimento, sem trabalhar.
E porque é que não se pagou aos reformados em vez de importar médicos?
A justificação que me deram é absurda e é por isso que este país está na bancarrota. Que seria dar aos médicos um direito que não é dado aos outros funcionários públicos: de voltar a trabalhar para o Estado depois da reforma.
Na semana passada foram proibidas as licenças sem vencimento no SNS. É uma boa medida para separar os sectores público e privado?
Vai no bom sentido. O SNS tem de evoluir para a separação total entre público e privado e o médico terá de optar. Mas os doentes terão de poder escolher, sem prejuízo para o Estado.
Já consta no Programa do Governo.
Não é possível implementar a medida com o enquadramento jurídico atual, mas tem que se começar a ir nesse sentido.
Disse que o ministro Paulo Macedo tinha o ‘trabalho de casa’ feito pela troika, mas teria de resistir às pressões. Tem conseguido?
Parece-me que sim, nomeadamente com a decisão de se esgotar a capacidade do SNS antes de recorrer ao sector privado. E sei que o ministro tem sido muito pressionado...
Está afastado o receio de ‘escancarar’ o SNS aos privados?
Sim. Qualquer pessoa inteligente e independente percebe rapidamente que a única forma de poupar na Saúde é apostar no sector público.
As nomeações políticas podem impedir o país de sair da crise?
No setor da Saúde não houve, e bem, uma substituição generalizada das pessoas só porque tinham sido nomeadas pelo anterior Governo. É a primeira vez que isto se sente e com esta magnitude no Ministério da Saúde. É mais um fator para elogiar.
Mas este não é um ministro da área, é um gestor...
É um ministro de boas contas e toma medidas benéficas para o sistema de saúde. Tenho as maiores expectativas, o que não significa que concorde com todas as medidas, que não critique decisões e não exija mais transparência.
José Manuel Silva avisa o novo ministro da Saúde de que não pode cortar em excesso, pois já há quem vá às urgências só porque ali não paga os medicamentos. E deixa-lhe uma sugestão: que acabe com os atestados médicos e responsabilize os cidadãos. Basta que o ato de mentir sobre o estado de saúde passe a ser motivo para despedimento com justa causa. Para o bastonário dos médicos, a transparência é o ‘tratamento’ para os males da Saúde.
Acusou o ministro de ir além da troika nos cortes na Saúde. Onde é que Paulo Macedo está a ser excessivo?
Na antecipação da redução das horas extraordinárias e da despesa com medicamentos, que este ano ultrapassam os objetivos de 2012. E no corte de 11% no orçamento dos hospitais. Se é possível cortar tanto sem afetar a qualidade é porque tem existido má gestão, mas ainda não vi nenhuma administração ser substituída. Devido às consequências para os doentes, não se pode ir além da troika.
Os cortes põem em causa o respeito pelos limites de segurança?
É preciso denunciar que os recursos humanos nas urgências internas e externas já estão no limite.
A situação não se resolve com mudanças nas escalas de serviço?
Parece que é um capricho dos médicos fazer horas extraordinárias! Mas se há horas a mais o ministro que diga onde e demita as administrações.
E concentrar serviços, é solução?
Já não há muito para concentrar com qualidade, mas admito que é o ministro que tem os dados.
Foi já nomeada uma comissão para redefinir a carta hospitalar...
Mas antes desse trabalho estar feito já veio a ordem para cortar. O meu desafio é que o ministro elabore um relatório sobre como são feitos esses cortes e o divulgue. Se provar que tem razão seremos os primeiros a dar-lha, mas tem de haver transparência.
Onde é que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderia poupar e não o fez?
Reduzindo o preço dos novos genéricos não para 60% do preço original mas para 50% e tabelar o preço pelo valor baixo em todos os genéricos iguais. Com estas medidas, provavelmente, poupar-se-iam €100 milhões.
Diz que um país doente não produz. Os cortes na Saúde vão deixar-nos mais doentes e menos produtivos?
Portugal é dos países europeus onde se gasta menos em medicamentos per capita. O ministro informou que esta despesa nos hospitais aumentou, mas não disse quais foram as causas: se os doentes no ambulatório não estão a ser bem tratados porque não têm dinheiro para comprar medicamentos, descompensam e acorrem às urgências hospitalares para serem tratados onde não têm de pagar os medicamentos.
Mas concorda com Paulo Macedo sobre a existência de isenções abusivas de taxas moderadoras.
Há doentes com recursos económicos significativos que são isentos e há outros que só porque ‘têm o azar’ de não ter uma doença que confere isenção têm de pagar.
E qual seria a maneira justa de taxar o acesso ao SNS?
Por uma fórmula que inclua o IRS e os outros sinais de riqueza. Só o IRS é a pior forma de calcular as isenções porque acentua as desigualdades sociais: as pessoas com mais recursos são, normalmente, as que pagam menos.
Defende que quem aborta deve pagar uma taxa.
O aborto não pode ter isenção como tem a gravidez porque não é um estímulo à maternidade. Hoje existem métodos contracetivos e as pessoas têm que ser estimuladas a usá-los.
Também diz que é preciso acabar com os atestados. Como?
É simples. Cada cidadão tem de ir ao seu médico — que o avalia e diz se está em condições — e assumir a responsabilidade. Porque é que tem de levar um papel? É preciso mudar o paradigma do ‘papel milagroso’ que serve para tudo e ter um sistema, de preferência público, onde se possa recorrer para juntas médicas de verificação.
E há médicos para fazer isso?
Se a penalização por mentir for o despedimento por justa causa acha que vai haver muitos mentirosos? Temos de criar um sistema que responsabilize e desincentive o cidadão de mentir e permita ao empregador verificar a doença rapidamente e de forma eficaz. Fizemos uma revisão sobre os atestados médicos no país e houve situações ridículas como uma junta de freguesia que pediu atestados aos seus idosos para os levar numa excursão a Fátima.
Também aliviaria o trabalho nos centros de saúde, onde estão os tais ‘médicos estrangeiros indiferenciados’ de que tanto discorda.
Estão a contratar-se médicos que não têm a mesma competência para acompanhar doentes que um especialista em medicina geral e familiar.
E há alternativa?
A maioria dos especialistas portugueses reformados voltavam se lhes pagassem o mesmo que aos médicos estrangeiros indiferenciados: €2500 por mês, em vez de €1500. Numa semana todos os portugueses teriam médico de família. Infelizmente, o Governo anterior optou por uma medida populista que não resolveu o problema.
Não? Esses médicos estão a trabalhar, estão a ver doentes.
Nem todos. Soube que há um colega colombiano que já chumbou duas vezes no exame de comunicação e está a receber o vencimento, sem trabalhar.
E porque é que não se pagou aos reformados em vez de importar médicos?
A justificação que me deram é absurda e é por isso que este país está na bancarrota. Que seria dar aos médicos um direito que não é dado aos outros funcionários públicos: de voltar a trabalhar para o Estado depois da reforma.
Na semana passada foram proibidas as licenças sem vencimento no SNS. É uma boa medida para separar os sectores público e privado?
Vai no bom sentido. O SNS tem de evoluir para a separação total entre público e privado e o médico terá de optar. Mas os doentes terão de poder escolher, sem prejuízo para o Estado.
Já consta no Programa do Governo.
Não é possível implementar a medida com o enquadramento jurídico atual, mas tem que se começar a ir nesse sentido.
Disse que o ministro Paulo Macedo tinha o ‘trabalho de casa’ feito pela troika, mas teria de resistir às pressões. Tem conseguido?
Parece-me que sim, nomeadamente com a decisão de se esgotar a capacidade do SNS antes de recorrer ao sector privado. E sei que o ministro tem sido muito pressionado...
Está afastado o receio de ‘escancarar’ o SNS aos privados?
Sim. Qualquer pessoa inteligente e independente percebe rapidamente que a única forma de poupar na Saúde é apostar no sector público.
As nomeações políticas podem impedir o país de sair da crise?
No setor da Saúde não houve, e bem, uma substituição generalizada das pessoas só porque tinham sido nomeadas pelo anterior Governo. É a primeira vez que isto se sente e com esta magnitude no Ministério da Saúde. É mais um fator para elogiar.
Mas este não é um ministro da área, é um gestor...
É um ministro de boas contas e toma medidas benéficas para o sistema de saúde. Tenho as maiores expectativas, o que não significa que concorde com todas as medidas, que não critique decisões e não exija mais transparência.
Expresso Primeiro Caderno - Vera Lúcia Arreigoso, 03.09.11
Etiquetas: Entrevistas
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