domingo, agosto 14, 2011

Gestão privada não faz melhor

Hospitais sem dinheiro, centros de saúde sem médico para todos e utentes com menos benefícios. O Serviço Nacional de Saúde está à beira do colapso? A professora de políticas e administração de Saúde, Ana Escoval, acredita que não, mas todos têm de poupar. A gestão privada não é remédio.

Os hospitais revelaram estar à beira da falência e o ministro da Saúde culpa-os por gastarem de mais. É verdade?

É sempre possível poupar, mas é preciso reter que os hospitais são pagos através de contratos-programa — esses, sim, têm de ser mais efetivos.

Se há um acerto entre o que um pode pagar e o que outro pode oferecer, não deveria faltar dinheiro aos hospitais.

Esse é o princípio, mas o que tem sido referido pelos hospitais é que grande parte das suas dívidas corresponde ao que ainda não conseguiram receber.

Se o ministério pagasse o que deve os hospitais não estariam nesta situação?

Não só o Ministério da Saúde. Os hospitais públicos também trabalham com a ADSE, outros subsistemas e seguros. Mas em vez de ‘atirarmos pedras’ é importante olhar para o que os hospitais fazem. Sendo instituições de alta tecnologia e com consumos elevados, há sempre possibilidade de eficiências, que têm de ser ganhas através de uma contratualização interna efetiva.

Cada serviço tem de saber quantas operações pode fazer, que tipo de próteses usar...?

Tem de conhecer as suas receitas, quanto vai receber pelo que é produzido... como se fosse uma linha de produção. Essa é a única forma de continuarmos a dar às pessoas cuidados com qualidade, que temos.

Não é uma fórmula muito matemática para algo inesperado? Nunca sabemos quando vamos adoecer.

Não. Trata-se da distribuição dos recursos de acordo com o que é estimado (com base no que foi normal em anos anteriores), e é sempre possível introduzir uma percentagem nos preços para o que surge de novo.

Isso é dito há anos e o SNS deve 3 mil milhões.

Pode dever-se ao facto de os contratos com as entidades financiadoras não estarem a ser cumpridos. Mas todos temos de alterar o paradigma de utilização dos hospitais, que com estruturas altamente especializadas atendem pessoas com necessidades de primeira linha, asseguradas nos cuidados primários.

Não têm médico de família.

É verdade. São precisos médicos que ajudem as pessoas a interpretar se têm ou não uma urgência e a fazer a referenciação.

Isso é difícil quando a própria tutela reconhece que há 1,5 milhões de utentes sem médico.

Por isso não se pode dizer que estamos numa situação muito grave só porque os hospitais têm défices elevados. Têm as portas abertas e é onde as pessoas se dirigem porque não têm outras.

As empresas dizem que vão suspender os fornecimentos aos hospitais.

Em grandes momentos de crise é preciso sentarmo-nos e falarmos. Se não há dinheiro é preciso fazer contas, renegociar prazos de pagamento e ter uma cultura de transparência e rigor.

Não é tarde para isso, quando até a banca já suspendeu o financiamento aos fornecedores? Ou há alternativas?

A banca é a fonte alternativa quando temos faturas vencidas e não as conseguimos receber e para isso cobra 10% a 14%. Se as empresas tivessem abatido estes valores aos preços, talvez o Estado tivesse conseguido pagar melhor.

Os fornecedores estão dispostos a dar 10% a 14% à banca mas não a fazer descontos ao Estado.

Faz parte do jogo criado.

E há alternativa?

Só a renegociação efetiva das dívidas com o Estado, porque são as instituições de saúde que estão a dever. Claro que pressupõe que as entidades que devem aos hospitais assumam compromisso sobre esses pagamentos.

A qualidade da assistência vai manter-se entretanto?

Os profissionais de saúde vão tentar manter a todo o custo o acesso e a qualidade do atendimento. Essa é a garantia que temos enquanto cidadãos, mas há absoluta necessidade de todos termos atenção à nossa utilização dos serviços de saúde, porque há sobreutilização.

Esta crise pode ser o ‘empurrão’ que faltava para passar o SNS para a gestão privada?

Não está demonstrado em sítio nenhum que a gestão privada é melhor do que a pública.
Os privados não fariam melhor

Ana escoval, entrevista, Semanário Expresso 13.08.11

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