segunda-feira, agosto 01, 2011

Privatizações: quem os trava?

Portugal vai perder para sempre o controlo das redes de eletricidade, água, telecomunicações, correios e aeroportos. É um péssimo negócio

As ajudas que o Fundo Monetário Internacional concede a países em dificuldade são sempre acompanhadas de um purgante que enfraquece e reduz o Estado, aumenta impostos e corta os direitos sociais e laborais. Se a receita encontra no Governo de plantão um entusiasta dessa orientação, o remédio é tomado até à última gota e sem um mínimo de bom senso.

O que se está a passar em matéria de privatizações em Portugal decorre de imposições do acordo assinado com a troika, sem dúvida. Mas existem mecanismos que permitiriam cumprir as exigências, sem que o Estado português perdesse completamente o controlo sobre algumas das suas empresas estratégicas. O Governo, no entanto, com o primeiro-ministro e o ministro das Finanças à cabeça, compartilham entusiasticamente desta orientação. E, por isso, acaba a golden share da PT sem que o Estado lucre um cêntimo com isso — apesar de ainda muito recentemente ela ter servido para os acionistas da empresa embolsarem mais €350 milhões do que aquilo que tinham concordado receber da Telefónica pela venda da Vivo. O mesmo se vai passar com a EDP e Galp — ou com as privatizações da ANA — Aeroportos de Portugal, TAP, CP Carga, REN, CTT, RTP, os seguros da CGD e as Águas de Portugal.

Quando vender tudo, o Estado terá arrecadado €5,5 mil milhões, uma gota de água no oceano da dívida pública, que alcança os 160 mil milhões. Em contrapartida, as autoridades perdem para sempre o controlo das redes básicas de água, eletricidade, telecomunicações, correios, aeroportos e a transportadora aérea nacional. É um péssimo negócio, que condicionará o futuro dos nossos filhos e netos, em matéria de empregos qualificados, inovação, investigação e, last but not least, segurança.
Poderia ser de outra forma, já que estamos de mão estendida e temos de aceitar as condições que nos impõem? Com toda a certeza. Bastaria auscultar dois jurisconsultos como os professores Fausto Quadros ou Nuno Cunha Rodrigues para perceber: 1) que o Estado pode continuar a manter direitos especiais em empresas; 2) e que há muitos casos semelhantes na Europa, em particular nos domínios da eletricidade, petróleo e defesa. O argumento permitido pela legislação comunitária é o de invocar “motivos de ordem, segurança e saúde pública e as chamadas razões imperiosas de interesse geral” (onde caberiam, sem problemas de maior, os casos da Galp e EDP).

Contudo, o Governo não só não quer ir por aí nem fazer esse esforço como está convencido que o melhor para o país é vender aquilo a que é obrigado e aquilo a que não está (como a RTP, CTT, Águas de Portugal, etc.). É uma clara opção ideológica, que tanto separa as águas entre PSD e PS (e todos os partidos à esquerda) como dentro do próprio PSD.

Juntamente com o imposto extraordinário que deixa de fora lucros e dividendos e com a nova lei de despedimentos e indemnizações que se desequilibra fortemente a favor dos empregadores, esta é a imagem de marca do atual Governo, seguramente o mais liberal que o país conheceu. Pode ser que corra bem e que, como diz o ministro, “no fim do processo (...) Portugal triunfará como economia aberta e competitiva no mundo”. O único problema é que nunca mais será possível reparar o que correr mal.

Nicolau Santos, semanario expresso 30.07.11

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