domingo, agosto 07, 2011

“O euro tem os dias contados”,

Defende Desmond Lachman, antigo diretor-adjunto do FMI

Portugal tem forma de evitar os próximos dois anos de crise. Como? “Saindo do euro”, uma opção “inevitável”, afirmou, em entrevista ao Expresso, Desmond Lachman, diretor-adjunto do FMI entre 1994 e 1996 e hoje professor na Universidade de Georgetown, onde chegou oriundo de Wall Street.

“Portugal não vai aguentar as políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) sem deixar o euro. Mas, se esse será o fim, porquê esperar dois anos que se avizinham de recessão profunda? Não percebo como é que o país conseguirá, simultaneamente, pagar a dívida e resistir a um programa de austeridade imposto pelo FMI, que resultará em contração económica e em deflação, o que aumentará o problema da dívida pública”.

A partir do seu gabinete em Washington, Lachman tem prestado atenção ao caso português, que considera “mais grave do que o grego”, devido a uma “dívida externa superior (em percentagem do PIB). Incluindo o sector privado, o país deve ao estrangeiro o equivalente a 230% do PIB. E ainda tem o problema do défice orçamental, que não andará longe dos 10%. Portugal tem debilidades enormes e não percebo como lidará com elas, mantendo-se no euro e sem poder desvalorizar a moeda”.

A saída de Portugal do euro irá tornar-se urgente quando a Grécia reconhecer que não tem condições para pagar a sua dívida, entrando em incumprimento, algo que prevê que ocorra “até final do ano”. A partir daí, “Portugal não sobreviverá às pressões dos mercados”. Economia vai contrair mais do que o previsto Lachman recomenda que o Governo português estude a crise argentina, quando, entre 1999 e 2001 respeitou um programa do FMI, que terminou com a “economia em cacos”. E defende: “É inconsciente o que o FMI está a fazer a Portugal. Portugal não terá melhor desempenho do que a Grécia. A economia grega contraiu 9% nos últimos 18 meses e mesmo assim o FMI exigiu que o novo orçamento fosse ainda mais austero. No caso português irá passar-se o mesmo. O cenário é assustador. É claro que a economia vai contrair muito mais do que os 2% previstos pelo Governo”. O antigo Nobel da Economia, Milton Friedman, disse em 1999 que o “euro não sobreviveria à primeira recessão”. Estudioso da obra do seu compatriota, Lachman assegura que nem o pessimismo de Friedman podia prever este cenário, em que os desequilíbrios orçamentais “são tão incríveis, impossíveis de corrigir sem abdicar do euro”.

Na hora de apontar culpados, o catedrático de Georgetown aponta a Comissão Europeia, “por ter deixado as nações periféricas acumular défices anos a fio”, os governos desses mesmos países, que levaram a cabo “políticas de endividamento louco”, os bancos, “incapazes de cortar o financiamento a países com graves problemas de contas públicas”, e o FMI, que “nem cheirou a crise a aproximar-se”.

Segundo Lachman, há outra razão de fundo para a fragilidade do projeto europeu: “Existe uma grande diferença entre os interesses da Alemanha e da França e os interesses de Portugal e da Grécia. Os primeiros defendem este tipo de políticas austeras, para garantir que os países periféricos paguem as dívidas, visto que o interesse é proteger o seu sistema bancário”.

O possível descalabro financeiro e económico europeu pode ser evitado caso alemães e franceses se comprometam a “aumentar o Fundo Europeu de Estabilização Financeira”, dos atuais € 440 mil milhões para €2 biliões. Isto porque o fundo, que serviu para auxiliar Grécia e Portugal, é insuficiente caso Espanha e Itália peçam ajuda.

“Se Alemanha e França quiserem salvar o projeto europeu terão de injetar, durante os próximos anos, muito dinheiro. O Banco Central Europeu está certo quando explica que se a Grécia entrar em incumprimento, Portugal e Irlanda irão a seguir e depois a pressão sobre Espanha e Itália será demasiada. A única salvação é o cheque alemão”, diz Lachman.

A degradação da crise está a dar-se. “Quando vi a última Cimeira Europeia, com Espanha e Itália cada vez mais pressionadas e alemães e franceses a recusarem-se pôr mais dinheiro em cima da mesa, percebi que estamos a dois ou três meses disso acontecer”. E confessa: “Nunca vi nada assim! Os dias do euro estão contados. Na minha opinião, desaparecerá dentro de seis a 12 meses. Pode levar mais algum tempo, mas será fatal”.

Expresso, caderno de economia, 06.08.11