sábado, outubro 03, 2009

Democracia sob avaliação


A exuberância da campanha eleitoral de Isaltino, superando a dos candidatos apoiados por partidos, legitima apreensões

A singularidade de que se revestem as próximas eleições autárquicas em Oeiras confere a um acto político de incidência local dimensão não local. Estamos perante um teste à democracia real que se repercutirá a nível nacional.
A situação é grave.
Supunha-se que, em nome do mais elementar bom senso e respeito pela dignidade, Isaltino de Morais faria o que muito sensatamente dissera ser sua intenção. Não aceitar exercer cargos políticos enquanto não fosse provada a sua inocência. Pertenço ao grupo daqueles que, de forma sincera, desejaram ver provada em tribunal a inocência de quem deixou obra no concelho. Porém, o que aconteceu foi o contrário. Não só a inocência não foi provada, como o tribunal condenou o arguido a pena de prisão. O colectivo de juízes considerou provados crimes cometidos no exercício das funções autárquicas. Já não estamos perante uma acusação. Estamos, sim, perante uma condenação. A ser eleito, o prevaricador manter-se-ia assim no lugar onde prevaricou, até ser cumprida uma decisão judicial vexatória da imagem do município, caso o recurso que interpôs seja considerado improcedente. A exuberância da campanha eleitoral de Isaltino, superando a dos candidatos apoiados por partidos, gera novas suspeitas e legitima apreensões. Quem está a pagar tão luxuosa campanha? E porquê?
Num país com outra compleição ético-política, com tradição de alta cultura, nomeadamente de cultura política democrática, o problema estaria resolvido de raiz por legislação impediente do despautério, bem como também pelo instintivo repúdio do eleitor informado. Mas por cá reina ainda o nacional-porreirismo; persiste a inclinação para admirar o bom burlão, estima-se o esperto ludibriante, oportunista crónico, que mostra saber governar-se.
Neste torrão, o hábito defraudar colhe aplauso e, como alguém disse, a esperteza é moeda sempre valorizada. A isto se junta o respeito pelos tesos, que já António Sérgio denunciava como perigoso defeito da gente lusa. Como se tudo isto não bastasse, vivemos em terra onde, como se acabou de ver, a Cultura está ausente do debate eleitoral, e em que essa falta nem sequer é notada por um único dos ilustres comentadores de serviço.
Muito estimaria ver provada a inocência de quem deixou obra de mérito em Oeiras. Mas, na situação actual, o voto em Isaltino é voto cúmplice de um alegado crime. É obscenidade política. Com tal voto, o eleitor confessa-se: se eu lá estivesse, teria feito o mesmo; teria prevaricado.
Se o voto popular legitima a imoralidade e a política sem ética, então é porque o povo não presta. Assim sendo, a democracia faliu. Sim, porque a democracia é, por definição, o governo do povo. Se o poder está na mão de quem não exibe excelência, senão que menoridade moral e intelectual, então esse poder só pode ser um péssimo poder.
É o valor da democracia real que vai a votos em Oeiras.
Não faltam alternativas credíveis. Mas, mesmo que faltassem, nada justificaria o voto cúmplice. As alternativas vão de um Amílcar Campos (CDU), com notável currículo de autarca exemplar, com vasto passado de obra feita no concelho, até Marcos Perestrello (PS), sem passado oeirense mas transportando juvenilidade forte e vontade de renovação que trazem à memória o primeiro Isaltino, jovem de trinta e tantos anos (como agora Perestrello) que todos reconheceram qualidade. Marcos Perestrello reúne as melhores condições para atrair os votos do antigo eleitorado de Isaltino. Talvez para esses seja o voto útil mais útil. Mas todos os votos são úteis desde que ética e cognitivamente fundamentados de acordo com a consciência do votante.
Como Shakespeare genialmente deu a ver, o poder semeia vícios, corrompe. E quando se mantém por muito tempo, ainda mais balda semeia. Por maiores que sejam as qualidades exibidas, não é desejável nem saudável que alguém se perpetue no mando. A história já o demonstrou.
Urge pôr fim a um ciclo que teve grandeza e misérias e já não tem futuro.
João Maria de Freitas Branco

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