sexta-feira, julho 31, 2009

Inteligência "on head"

foto DN
Reagi às primeiras notícias, do terrível incidente ocorrido no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, em silêncio. Durante longas horas, equacionei o sofrimento dos doentes e das suas famílias. Imaginei a ansiedade dos colegas oftalmologistas e avaliei o abalo psíquico causado aos profissionais honestos e competentes que trabalham nessa prestigiada unidade de saúde.

Partilhei a dúvida dolorosa de todos os doentes que necessitam de fazer injecções intra-oculares. Os médicos em quem confiavam passaram a ser tratados como irresponsáveis, os administradores como incompetentes e mal formados e o maior hospital do país como lugar de crime. Senti, momentaneamente, a saúde do meu país à deriva! Os salvadores da Pátria calçavam sapatos de ballet, para, em pontas, falarem mais alto.

Teria tido pena deste país se não o conhecesse há 58 anos!
Mas não tive. E, na primeira oportunidade que se me apresentou, falei do que sei fazer e da experiência que adquiri ao longo de uma actividade cirúrgica vivida com grande intensidade e quase sempre off label. Pensei nos "meus doentes", no Rui, na Ivone, na Anabela, na Maria Ana e em todas as outras crianças e adultos que tenho o privilégio de tratar. Nos que me compreendem, nos que confiam em mim e me dizem "por favor, decida o doutor!".

Hoje, ainda em período de tempestade, decidi manter agendados 10 doentes para tratamento com "Avastin". Estava preparado para ouvir as dúvidas, as perguntas, as certezas e constatar as hesitações. Nada disso aconteceu... nem uma pergunta, nem uma hesitação. "Eu confio em si, doutor... por favor trate-me."
Raras vezes as doenças oculares acompanham quadros clínicos complexos, que evoluam com doença psíquica. Por isso, os nossos doentes conservam a inteligência on head. Uma relação doente/médico honesta e competente é um pilar muito forte para a cura. Um doente pode aceitar que um médico erre, mas nunca aceitará que minta ou que o deixe no convés que se afunda, enquanto salta, apressadamente, para um qualquer salva-vidas.

Tenho a certeza de que os profissionais do Hospital de Santa Maria serão surpreendidos e ficarão muito orgulhosos pela confiança, progressivamente mais forte, dos seus doentes e familiares. A política de verdade, a competência profissional e a humanidade que se sentem pulsar nesta unidade de saúde far-nos-á sentir que este é um hospital de todos nós. Aos outros, que Deus lhes perdoe, e lhes aconselhe um qualquer santo que lhes "injecte um qualquer medicamento no cérebro", enquanto tiverem uma cegueira curável e a inteligência off head.

António Travassos, JP 29.07.09

Etiquetas: