sábado, abril 12, 2008

Ana Jorge, entrevista ao Expresso


“Quero os antibióticos em unidose”

O seu discurso é claro como água: Serviço Nacional de Saúde sempre. Com a colaboração dos privados, admite, mas “muito bem delimitado”. Se dúvidas existissem, Ana Jorge desfá-las: se houve viragem à esquerda na política de Saúde do Governo não foi dela, que está onde sempre esteve.
P Disse que a reestruturação das Urgências iniciada por Correia de Campos era para manter. Mas reabriu o atendimento permanente em Anadia. Recuou.
R Não se pode falar em recuo. O que se fez foi criar um espaço de diálogo com a autarquia e com os profissionais de saúde e perceber quais são as necessidades da população. Os cuidados que vão continuar a ser prestados são os que já existiam antes, e que nunca deixaram de ser prestados, mas agora apenas até às 24h.
P E se alguém se sentir mal a partir da meia-noite, quando o atendimento já encerrou?
R As situações que acontecem a partir da meia-noite são geralmente mais graves. Se as pessoas se habituarem a ligar para o serviço Saúde 24 (808242424), quem faz o atendimento do telefonema encaminha para as urgências de um hospital e não para um serviço que não tem meios para atender um caso grave.

P O seu antecessor falhou na comunicação?
R Não comunicamos sozinhos. Se os outros não entenderam deviam ter perguntado. Sou uma profissional do terreno e também sofri os aspectos da não comunicação enquanto directora de serviço num hospital (Garcia de Orta).

P Como vai deixar a sua marca em apenas um ano e meio?
R Sei que vim por 18 meses. Com o objectivo definido de implementar as reformas já em curso, não esquecendo a marca que tenho sempre imprimido na minha vida: trabalhar com as pessoas e para as pessoas. Nem o rigor na gestão. Há uma área de que não falámos: o medicamento. Temos de controlar os custos com os medicamentos, garantindo que todos têm direito aos medicamentos de que necessitam. Mas, para isso, temos de aumentar a prescrição dos genéricos.

P E generalizar a unidose fora das farmácias hospitalares?
R Gostaria que essa fosse uma verdade. Sei que é complexo de implementar, que não vai ser tão rápido como gostaria. Mas mesmo que não possa ser para todos há alguns medicamentos em que gostaria de a instituir, sobretudo os antibióticos. Aliás, dei orientações ao Infarmed neste sentido.

P Disse que a iniciativa privada é necessária para estimular o sector público. Se é assim por que retirou a gestão privada ao Amadora-Sintra?
R O Amadora-Sintra foi um hospital construído e equipado pelo público. Não havia experiência de gestão privada e foi o «know how» entretanto gerado que nos permitiu criar as Entidades Públicas Empresariais. O Estado tem hoje capacidade de ser rigoroso na gestão do Amadora-Sintra. E a saúde não pode ser só encarada como um negócio, um sector lucrativo. Temos de ter o cidadão em consideração.

P O Estado tem a capacidade de gerir o Amadora-Sintra pelo mesmo preço, poupando os tais 14 milhões de euros que o Tribunal de Contas diz que a José de Mello poupou?
R Ganhou.

P Bem, eles dizem que o ganho tem sido residual, que precisavam de mais tempo…
R ... Para ganhar mais, provavelmente. É essa uma das diferenças entre o sector público e o privado: o público não tem de ganhar com a saúde, no sentido da rentabilidade do negócio.

P O seu antecessor falava no lançamento de novo concurso para manter a gestão privada do Amadora-Sintra. Como é que em tão pouco espaço de tempo o Governo muda de ideias?
R Os bons resultados apresentados pelos hospitais EPE em Fevereiro permitiram esta decisão. O que não significa que não achemos importante a colaboração com os privados.

P É coincidência que esta decisão tenha sido tomada quando se mudou de ministro? Há o seu dedo nesta decisão?
R Não sei o que considera o meu dedo. É evidente que conversei com o primeiro-ministro sobre isto e sabíamos que tínhamos de decidir durante Março.

P Salvador de Mello diz, em entrevista nesta edição, que o recuo nas parcerias público-privadas em seis dos dez novos hospitais previstos irá custar mais de 1000 milhões de euros ao Estado.
R Não tenho esse dado calculado. Ele também disse que isto era um casamento com divórcio anunciado. Mas os casamentos só devem manter-se quando são bons para ambas as partes.

P Ele afirma sentir-se defraudado. Nomeadamente por não ter sido informado desta decisão quando falou consigo.
R Não havia nenhuma decisão tomada. Eu só lhe podia dizer as probabilidades, que eram de 50/50: o Amadora-Sintra tanto podia passar a EPE como voltar a ser objecto de um concurso.

P Esta mudança de política relativamente às parcerias com os privados não traduz a preocupação de tranquilizar o eleitorado socialista, uma viragem à esquerda, como interpretaram alguns?
R Eu não virei à esquerda porque sempre estive onde estou agora. Sempre defendi o Serviço Nacional de Saúde, fiz toda a minha carreira hospitalar no sector público - por opção. Nunca rejeitei trabalho com o sector privado mas sempre achei que devia ser muito bem regulado, muito transparente, fundamentalmente muito bem delimitado.
Veja o vídeo em Expresso TV
semanário expresso, edição 1850 de 12.04.08, Ana Sofia Santos e Cristina Figueiredo (texto) , José Ventura (foto)

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