sábado, março 22, 2008

Privados vão formar especialistas


O Cuf Descobertas terá vagas para formar pediatras.

É inédito: a Ordem dos Médicos vai confiar a um grupo económico a tarefa até aqui exclusiva do Estado.

A tradição quebrou-se. A imagem de estagiários, atrás de um conceituado médico, a romperem pela lotada enfermaria de um hospital público pode ter os dias contados. A razão é simples: pela primeira vez em Portugal um grupo privado foi autorizado pela Ordem dos Médicos (OM) a formar especialistas. O beneficiário do reconhecimento de idoneidade formativa - nome técnico - é o Serviço de Pediatria do Hospital Cuf Descobertas, da José de Mello Saúde.

O processo obrigou à satisfação de um intrincado conjunto de exigências e inspecções de representantes, no caso, do Colégio de Pediatria da OM. “Foi nossa convicção que reunia as condições. O Colégio não defende nenhuma política de público ou privado...”, diz o presidente, Anselmo da Costa. E esta foi só a primeira vitória: ao Expresso, a José de Mello de Saúde revelou que estão em curso pedidos para dar formação em cinco outras áreas médicas. A saber, imunoalergologia no Hospital Cuf Descobertas e otorrino, cardiologia, imagiologia e gastrenterologia na unidade Cuf Infante Santo.

Os primeiros lugares devem estar disponíveis em 2009, se a tutela não atrasar o processo - “a abertura de vagas é uma decisão política”, salienta o presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, Rui Guimarães. Burocracia à parte, “o grande mérito é o facto dos privados se terem interessado pela formação quando no Estado há receio de receber internos - que têm um ritmo de trabalho menor - devido à pressão dos números. Por isso, este interesse dos particulares tem de ser incentivado”, acrescenta o responsável da OM, Anselmo da Costa. E os privados até querem ir mais longe, isto é, chegar às licenciaturas.

Ao Expresso, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, reafirmou que vão abrir mais vagas nos sete cursos públicos existentes e que “não há qualquer restrição à acreditação de cursos de medicina propostos pelo ensino privado”. No entanto, como fez questão de sublinhar, “tal não aconteceu até agora porque, de acordo com a avaliação internacional, as propostas apresentadas não reuniam as condições mínimas”. A Universidade Católica foi a primeira a entrar na corrida mas a ficar pelo caminho. Confrontado com o comentário do ministro sobre a qualidade das candidaturas, o reitor, Manuel Braga Cruz, é peremptório: “Mariano Gago não deve ter visto o nosso projecto”. Aliás, o reitor diz mesmo que “o anterior ministro da Saúde, Correia de Campos, disse que o nosso projecto foi o melhor que ele viu na vida. Envolvia a escola médica de Harvard e o Grupo Mello”.
Os Mello não desistiram e já marcaram pontos: ganharam a parceria com o Estado para o novo hospital universitário a construir em Braga cujo protocolo deverá incluir a gestão da unidade.
semanário expresso, edição 1847 de 21.03.2008

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