quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Cuidados Continuados

Esclarecimentos adicionais

Li, com alguma surpresa, o artigo de opinião da dr.ª Inês Guerreiro publicado na edição do «TM» de 11 de Fevereiro passado. Não pelo seu conteúdo, com o qual, no essencial, concordo, mas pela forma utilizada na introdução [da responsabilidade da Redacção], já que surge, aparentemente, como resposta a algumas questões que eu publicamente expressei sobre o modo como a rede de cuidados continuados está a funcionar.
Se assim é, não posso deixar de prestar alguns esclarecimentos adicionais:
1 - A rede de «cuidados continuados» é, para mim, um dispositivo essencial num sistema de Saúde de um país desenvolvido como o nosso. Já, claramente, o tinha defendido explicitamente há 10 anos, aquando da publicação do relatório do CRES (Conselho de Reflexão sobre a Saúde), de que fiz parte.
2 - Assim, as questões que levantei e que me têm sido confirmadas por vários hospitais, prendem-se, sucintamente, com o seguinte:
2.1 - Dificuldades objectivas em encontrar uma cama para reabilitação/convalescença, protelando os dias de internamento do doente no hospital ou «forçando» uma alta para o domicilio;
2.2 - Exigência, prévia à transferência, de documentação sobre a situação perante a Segurança Social e o IRS para determinação do escalão de pagamento a atribuir ao doente na unidade de cuidados continuados, procedimento não utilizado na actividade hospitalar;
2.3 - Criação de expectativas públicas sobre a rede de cuidados continuados e o direito dos doentes a um serviço de internamento ou de apoio complementar, pós-alta hospitalar, superiores à capacidade de resposta.
Estas questões não põem em causa o programa, antes alertam para a necessidade de procedermos, por um lado, a ajustamentos técnicos e, por outro, à ampliação rápida da rede disponível.
Não quis, por isso, criar qualquer embaraço ao programa e à respectiva coordenadora da Unidade de Missão, quando chamei a atenção para estes problemas que, creio, serão ultrapassáveis a curto e médio prazo.
Verifico, a propósito, que a situação do País em muitos aspectos de organização, existência de recursos e, sobretudo, atitudes e comportamentos dos diferentes agentes envolvidos, está ainda longe dos patamares de excelência que a dr.ª Inês Guerreiro refere ter encontrado noutros países, e talvez aqui encontremos também algum factores críticos de sucesso para este programa (a colaboração entre níveis de cuidados, os serviços comunitários, a importância e o número de assistentes sociais, o apoio domiciliário, etc.).

Resposta a duas questões

Responderia, agora, a duas questões concretas que a dr.ª Inês Guerreiro coloca no seu artigo:
a) Exigir informação é burocracia?
- Dependerá do tipo de informação que se exige e o fim para que ela serve. Neste caso, a informação sobre rendimentos tem atrasado desnecessariamente algumas altas hospitalares, situação que poderia ser resolvida posteriormente ou, então, antecipadamente acautelada.
b) Quem fica surpreendido com a pressão das famílias para ver satisfeito o direito à reabilitação?
- O direito à reabilitação e à rede de cuidados continuados tem sensivelmente dois anos. Neste tempo, muito se tem dito e escrito sobre a matéria, e o esforço do Governo em desenvolver e tornar conhecido este programa tem sido notável. É óbvio que este novo cenário criou aos familiares uma elevada expectativa e, naturalmente, passam a exigir um cuidado complementar aos doentes mais dependentes e/ou mais idosos, após a decisão da alta hospitalar. Só quem não trabalha em hospitais é que pode ficar surpreendido com esta nova realidade, para a qual, muitas vezes não temos respostas e que agravam, contra a nossa vontade, o protelamento da alta hospitalar.
Reconheço na dr.ª Inês Guerreiro a competência, o empenhamento e o entusiasmo com que tem liderado este programa de cuidados continuados e os sucessos que, apesar das dificuldades, tem conseguido obter. Penso que as administrações hospitalares estão disponíveis e empenhadas em colaborar, cientes do contributo inestimável que uma boa rede de cuidados continuados pode dar à gestão das camas de agudos de que dispomos, agilizando o seu turnover e o seu rendimento em benefício de outros doentes. Não me parece, francamente, que haja aqui qualquer oposição ou tão-pouco um conflito entre a modernidade e os «velhos do Restelo», em matéria de gestão hospitalar, assunto sobre o qual, naturalmente, não me parece apropriado esgrimir argumentos com a dr.ª Inês Guerreiro.
Manifesto, finalmente, toda a minha disponibilidade para colaborar com a Unidade de Missão para os Cuidados Continuados, como aliás sempre o fiz e a dr.ª Inês Guerreiro, com certeza, bem saberá.
Mauel Delgado
TM online 26.02.08

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