sábado, fevereiro 09, 2008

Empresa conquista informática

Sem concurso
Várias aplicações informáticas da Alert têm sido adquiridas por ajuste directo, apesar de implicarem o gasto de milhões de euros .
O coordenador da Unidade de Missão para os Cuidados Primários diz que o que está a acontecer "é uma trapalhada" .
A empresa privada que está a tomar conta de uma vasta área da informática na saúde ainda não ganhou qualquer concurso público, segundo admitiu ao PÚBLICO o responsável pela Alert Life Sciences Computing, Jorge Guimarães. Várias aplicações Alert têm sido adquiridas pelo Ministério da Saúde e por hospitais por ajuste directo, apesar de implicarem o gasto de milhões de euros. A dispensa de concurso público acontece porque a Alert está representada na central de compras do Estado através de uma outra empresa, a Normatica, explica Jorge Guimarães.
O nome da Alert LSC (ex-Médicos na Internet) voltou à ribalta depois de o Correio da Manhã ter adiantado ontem que médicos de 38 unidades de saúde familiar (USF) criticam a aplicação desenvolvida pela empresa para facilitar a marcação de primeiras consultas de especialidade nos hospitais.
Trata-se do Alert P1, um programa que custou sete milhões de euros ao ministério e que Jorge Guimarães diz já estar "implementado em quase todos os hospitais [87] e em 316 centros de saúde". A aplicação visa dar suporte ao projecto Consulta a Tempo e Horas, a única medida da saúde prevista no Simplex. Para já, porém, está a revelar-se complexa para muitos médicos, que se queixam da "interoperabilidade com outras aplicações em curso nos centros de saúde" (SAM, Medicine One e VitaCare). Estas críticas foram expressas numa carta subscrita por 38 USF e envida para a Unidade de Missão para os Cuidados de Saúde Primários, que coordena estas equipas.
"É um bocado absurdo haver um programa informático que não aproveita as coisas que já existem. É natural que o Alert não tenha interesse em facilitar a vida aos concorrentes", diz o coordenador da Unidade de Missão, Luís Pisco, que mesmo assim desdramatiza a situação, frisando que os médicos que agora criticam este sistema "não tinham nada" há dois anos e meio. "O que teria lógica era um programa integrado que fizesse tudo. Só que o que está a acontecer é que se está a mudar o pneu do carro com o carro em andamento. É uma trapalhada", lamenta.
Jorge Guimarães admite que o Alert P1 custou sete milhões de euros mas diz que, deste total, apenas dois milhões foram para o licenciamento. O resto foi para a formação de 12.200 pessoas e outros custos. Garante ainda que o Alert P1 não é incompatível com os outros sistemas informáticos instalados nos centros de saúde e hospitais, frisando que os problemas serão ultrapassados quando o processo estiver terminado - ainda está em curso a segunda fase.
Críticas nas urgências .
Não é a primeira vez, porém, que os programas informáticos desenvolvidos pela Alert suscitam críticas. A aplicação da empresa em várias urgências hospitalares (AlertER) tem sido seguida de reparos por parte de muitos médicos. O certo é que está já instalada em mais de 50 por cento das urgências hospitalares (39), nota Jorge Guimarães, sublinhando que também "há muitos médicos que adoram o Alert".
Ontem, o Bloco de Esquerda (BE) aproveitou para voltar a apresentar um requerimento no qual pergunta por que razão o ministério optou por um fornecedor de software clínico privado, sem realizar concurso público. Já no ano passado tinha apresentado um requerimento, mas o Ministério da Saúde não respondeu.
João Semedo, do BE, recorda a propósito o protocolo que, em Agosto de 2005, o ministério, através do antigo Instituto de Gestão Informática e da Saúde, assinou com a Alert LSC, estabelecendo para os hospitais públicos condições mais favoráveis na aquisição deste software do que as que seriam obtidas se o fornecimento fosse efectuado de forma isolada, hospital a hospital. Mas estipulava uma condição: a de que houvesse um mínimo de 55 hospitais do SNS a aderir até 31 de Dezembro de 2006.
O preço da suite de software Alert ER por cada hospital seria então de 206 mil euros mais IVA (a actualizar todos os anos) e para o acompanhamento fixava-se um montante mensal de 10.500 euros nos primeiros três meses e 13.500 euros nos meses subsequentes. Haveria ainda um gasto anual (para a prestação de serviços de manutenção) correspondente a 20 por cento do valor da suite de software.
Um preço demasiado caro, segundo os detractores do Alert. Mas Jorge Guimarães responde com uma pergunta: "Quanto custaria ao Estado o desenvolvimento deste tipo de software?" E sublinha que os hospitais gastam "menos de um por cento" do seu orçamento em sistemas de informação.
JP, 26.01.08