terça-feira, fevereiro 05, 2008

Mudanças na Saúde:


A reforma mantém-se?

As primeiras afirmações da nova ministra da Saúde apontam para a continuação das linhas de orientação quanto às reformas no sector, lançadas por Correia de Campos e inscritas no programa deste XVII Governo Constitucional. «Acredito na reforma em curso e no Serviço Nacional de Saúde (SNS)», afirmou a nova ministra, garantindo assim que a política do sector não terá mudanças significativas.
Por sua vez, o primeiro-ministro, na tomada de posse da nova ministra da Saúde, confirmou a necessidade de manter a contenção da despesa, reformar a rede de Urgências e aprofundar a reforma dos CSP com a abertura de novas unidades de saúde familiar (USF), repetindo o que o ex-ministro sempre afirmou e iniciou.

Fica assim esclarecida uma dúvida importante: na Saúde, a mudança será de estilo, de ritmo e de encadeamento das medidas, e não de rumo.
Tudo isto é necessário, já que a implantação no terreno da rede de Urgência e emergência dificilmente poderia ter sido realizada de forma mais desastrada e insustentável politicamente.
Para quê fechar serviços de Urgência de hospitais de nível 1 (p. ex. Anadia, Cantanhede, entre outros), SAP ou afins em vésperas de Natal? Para quê concentrar a abertura de novos pontos de urgências (SUB), muito mais bem equipadas, sem se conhecer oficialmente o mapa desses pontos e o seu respectivo cronograma de implementação, todos para depois de fechos de «urgências» que as populações se habituaram a ver como a porta (quase única) próxima, que se abre num momento de aflição?
Porquê só agora (29-01-08) se realizaram reuniões entre todos os operadores, efectivamente envolvidos em serviços relevantes para a emergência médica, para discutir assuntos da maior relevância estratégica e operacional no terreno?
Pois é, a própria (ex) responsável governamental para a reforma das Urgências, no fim da dita reunião, admitiu que era necessário definir «protocolos de relacionamento entre o Instituto Nacional de Emergência Médica e os bombeiros! Ou seja, a ex-secretária de Estado Adjunta e da Saúde acabava de nos revelar que, apesar de o Governo ter partido para uma profunda remodelação das Urgências, ainda faltava fazer o óbvio.

Mais informação à população

Mas atenção: os profissionais do sector com sentido de serviço público sabem que há anos se reclama a reforma das Urgências e dos cuidados de saúde primários, mas só agora assistimos às dores do seu difícil parto. Do que as populações precisam é de mais explicações sobre as vantagens dos novos serviços de proximidade do SNS. Precisam de saber o que fazer e o que podem esperar, se tiverem uma simples indisposição fora de horas ou caírem numa verdadeira situação de emergência para a sua saúde. Precisam de poder ter um médico de família em contexto de trabalho multidisciplinar, inserido em USF ou similares.
Foi nessas explicações que o ex-ministro da Saúde e a sua equipa, nomeadamente a SEAS, os presidentes das ARS, o presidente do INEM, falharam estrondosamente.

Contudo, é necessário não esquecer que nestes dois anos houve efectivamente ganhos absolutamente dignos de serem recordados, como sejam uma taxa de mortalidade infantil de 3,3 em cada mil nascimentos (3,7 em 2004), 2,1 de mortalidade neonatal (em 2004 era de 2,5), 6000 doentes a menos à espera de uma cirurgia (Outubro de 2007), 105 novas USF (Dezembro de 2007) com a atribuição de um médico de família e enfermeiro de família a 150 mil portugueses, 21,4% dos internos foram para Medicina Geral e Familiar (15,8% em 2004) e criaram-se 1885 lugares de cuidados continuados integrados (Dezembro de 2007).

Em suma, a nova ministra e os seus secretários de Estado têm aqui uma pesada incumbência: a de dirigir com sensibilidade e bom senso o ritmo certo de implantação no terreno das novas estruturas, além de exigir que os conselhos directivos das ARS, estruturas com enorme responsabilidades na implementação ou não da reforma, tenham capacidades de coordenar o processo local de articulação entre os três eixos estruturantes do programa do Governo para a Saúde: link
1 - Reforma dos cuidados de saúde primários, com a criação de USF, um sistema retributivo que premeie a produtividade, acessibilidade e qualidade (USF de modelo B); reestruturação da rede de centros de saúde, criando os agrupamentos de centros de saúde e respectiva extinção das actuais sub-regiões de Saúde, e criação de condições para a formação especializada de mais médicos de família.
2 - Lançamento da Rede de Nacional de Cuidados Continuados Integrados com a mobilização de camas de retaguarda para apoio a doentes crónicos e incapacitados que, necessitando ainda de cuidados de saúde e suporte, já não justificam o seu internamento em hospitais convencionais.
3 - Reforma da rede de Urgências, com a implantação de Urgências hierarquizadas (serviço de Urgência básica – SUB/serviço de Urgência médico-cirúrgica/serviço de Urgência polivalente) e estrategicamente colocadas, e dotação de uma segunda rede de Urgência pré-hospitalar (INEM) baseada em dispositivos móveis (rede de ambulâncias de suporte imediato de vida - SIV - e de viaturas médicas de emergência e reanimação - VMER).

Distinguir o essencial do acessório

Assim, o que se espera desta nova equipa ministerial é, no dia-a-dia, saber distinguir, no rol de problemas que se lhe colocarão para resolver, o que é essencial e o que é acessório, quais são as questões em que será inevitável o conflito e quais são as questões que podem resolver-se sem grandes alaridos.
Além disso, em termos de conduta de fundo, é que assuma rapidamente a responsabilidades de continuar a cumprir o programa do Governo na área da Saúde, proveniente do programa eleitoral vencedor das eleições de 20 de Fevereiro de 2005.
Caso tal não aconteça, mais uma vez andaremos a personalizar a causa, quando ela é pública e política.
João Rodrigues, Médico especialista em MGF; membro da Missão para os Cuidados de Saúde Primários (MCSP)

TEMPO MEDICINA on line, 04 .02.08