segunda-feira, março 31, 2008

Há falta de médicos

Preenchidas só dez das 115 vagas para médicos em unidades carenciadas do interior
Maior parte das unidades fica no interior e serve uma população cada vez mais envelhecida. Concorrência dos hospitais-empresa veio aumentar as dificuldades

O Hospital de Castelo Branco abriu em Fevereiro vagas para seis médicos: um oftalmologista, um ortopedista, um psiquiatra, um radiologista, um cirurgião e um anestesiologista. Quantos conseguiu? Nenhum, sorri, conformado, o presidente do conselho de administração da unidade, José Sanches Pires. Até houve um cirurgião que se apresentou ao serviço, mas que não vai ficar. "Todos acabam, lamentavelmente, por sair."
Todos aos anos abrem dois concursos para vagas de médicos especialistas nos chamados estabelecimentos de saúde carenciados. Na lista do último concurso, de Fevereiro deste ano, abriram 115 lugares. Só dez vagas foram preenchidas.
Nada de anormal, confessa Sanches Pires. Está habituado a não conseguir cativar médicos. Os que ficam são "a excepção à regra", como "a sorte" que tiveram no ano passado, quando conseguiram fixar um pneumologista.
Não é que a não vinda dos especialistas ponha em causa o funcionamento dos serviços, nota Fernando Girão, presidente do conselho de administração do Hospital da Guarda. Pediram um cardiologista, nenhum veio. O que acontece é que a lista de espera para consulta está nos sete ou mais meses e, com o envelhecimento da população na região, a procura continuará a aumentar. Os especialistas necessários seriam 124, no quadro estão 70, têm um total de 108 médicos entre internos e contratados.
O PÚBLICO tenta há várias semanas obter mais dados sobre esta realidade junto da Administração Central do Sistema de Saúde, mas não obteve qualquer resposta.

Sistema a duas velocidades
O bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, diz que a incapacidade destes hospitais em serem atractivos é também consequência de um sistema de saúde a duas velocidades: os hospitais que continuam no Sistema Público e Administrativo, a maior parte dos do interior; e os hospitais Entidade Pública Empresarial, que têm gestão empresarial e estão, na sua maioria, nos grandes centros. Os primeiros estão agarrados às regras rígidas da função pública para contratar médicos, os segundos podem fazer contratos individuais de trabalho e oferecer remunerações e incentivos mais apelativos, nota.
Pedro Nunes explica que a abertura das vagas carenciadas são a herança de um tempo em que todo o sistema era público e era possível fazer "uma gestão centralizada das carências a nível nacional". Com "a livre contratação dos EPE", passa-se de "um sistema de planificação central para funcionar o mercado", ou seja, ganha "quem consegue atrair profissionais". As unidades periféricas acumulam uma dupla desvantagem: à geográfica junta-se a incapacidade de oferecer condições mais apelativas aos especialistas.
Quando muito, estas unidades podem oferecer, em alguns casos, o vínculo à função pública. "Hoje são uma minoria os que se deixam seduzir pelo quadro", nota Fernando Girão, presidente do conselho de administração do Hospital da Guarda. "Mesmo com vínculos mais frágeis, eles preferem ficar nas grandes cidades", confessa Ana Paula Gonçalves, presidente do conselho de administração do Hospital Central de Faro. Das oito vagas abertas no mesmo concurso pela unidade algarvia, nenhum clínico foi colocado.

Fixar jovens médicos
Fica muitas vezes a situação de recurso, usada em hospitais de todo o país: a contratação de empresas externas com médicos que prestam serviços pontuais para resolver problemas do dia-a-dia. Foi o que teve que fazer o Hospital Central de Faro no caso de Oftalmologia, explica a sua responsável. De sexta-feira a domingo recebem dois cirurgiões e um anestesista de fora, que operaram 400 doentes às cataratas desde Novembro.
O que resta aos hospitais do interior é tentar fixar os jovens médicos que aí vão fazer a formação (internato). É o que tenta fazer o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar do Baixo Alentejo (agrega Beja e Serpa), Rui Sousa Santos. Se os jovens médicos ficarem por três ou cinco anos, oferece-lhes incentivos remuneratórios no internato. Mas, apesar de ser um EPE, "o orçamento do hospital não é compaginável com vencimentos milionários".
O problema é que para se oferecer formação aos jovens profissionais é preciso ter um número mínimo de médicos para os supervisionar. Ou seja, acaba por se conseguir atrair jovens nas áreas em que a unidade já tem mais profissionais. Nas especialidades onde não oferecem internatos, é difícil fixar os profissionais novos. É um ciclo difícil de interromper, admite Ana Paula Gonçalves.
JP, Catarina Gomes, 31.03.08

Já é difícil recrutar em Espanha
Na Guarda, 15% dos médicos são estrangeiros
O que vale a muitos dos hospitais do interior com falta de especialistas é o recrutamento de médicos estrangeiros. O presidente do conselho de administração do Hospital da Guarda, Fernando Girão, diz que dez a 15 por cento dos seus médicos não são portugueses. Mas até este recurso foi chão que deu uvas. Até por volta do ano 2003 era possível recrutar espanhóis de regiões mais próximas do Hospital de Castelo Branco, nota o seu presidente do conselho de administração, José Sanches Pires. Mas agora até Espanha tem carências e "é quase impossível recrutar em todas as especialidades". Mesmo para uma unidade saúde a funcionar em Parceria Público Privada, como o Centro de Reabilitação de São Brás de Alportel (Algarve), é difícil cativar médicos fisiatras, admite a sua directora clínica, Margarida Sizenando. Não havendo portugueses, tentou trazer estrangeiros. Alguns chegaram, uma polaca, um cubano, um brasileiro. O problema é o burocrático processo de equivalências da Ordem dos Médicos, mesmo quando os clínicos vêm da União Europeia.
Hospitais do interior "condenados à extinção"
Só abrem vagas com possibilidade de entrada na função pública hospitais como os de Seia ou Valongo, "unidades pouco atractivas, com infra-estruturas velhas, longe das expectativas de quem está a começar a carreira", exemplifica o presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, Rui Guimarães. O médico especialista, que trabalha no Hospital de São Marcos, em Braga, diz que muitos destes hospitais onde abrem vagas carenciadas estão a ser "alvo de reduções e agregações, estão a fechar urgências e a perder valências". Admite que só dez por cento dos jovens médicos fiquem no contingente dos hospitais que continuam a funcionar no Sistema Público e Administrativo.
A maior parte aceita contratos individuais de trabalho em hospitais de gestão de empresarial (Entidade Pública Empresarial) e alguns já optam mesmo pelo privado. Na sua opinião, "a liberalização do mercado fez-se na pior altura", quando há carência de mão-de-obra. Ao mesmo tempo, como "esses hospitais não conseguem renovar-se, perdem capacidade de dar formação aos mais novos" e assim tentar fixá-los quando ainda estão em início de vida. A situação é tal que Rui Guimarães diz mesmo que "estes hospitais do interior estão condenados à extinção".
Lamenta ainda que não haja planeamento, a cinco anos, do número de médicos necessários por especialidade, para que as vagas de formação sejam adequadas. "Funciona a navegação à vista.
JP, Catarina Gomes, 31.03.08