domingo, dezembro 23, 2007

Remodelação

Perante a incógnita do que fará Sócrates, os especialistas contactados pelo PÚBLICO afirmam que uma remodelação é vista, neste momento, como desnecessária

Especialistas consideram que Sócrates não é obrigado a remodelar

Assim que a presidência portuguesa da União Europeia se aproximou do final, a especulação saltou para os jornais: quem serão os ministros que José Sócrates vai mandar embora, na remodelação que é dada como inevitável e iminente? Mas será que a remodelação do Governo está iminente e é inevitável?

Um colaborador de José Sócrates, que pediu o anonimato, declarou ao PÚBLICO que, se há remodelação, ela está no segredo dos deuses, ou seja, só o próprio primeiro-ministro sabe e, quando muito, talvez tenha falado com o seu ministro e amigo Pedro Silva Pereira.

Frisando que não vê como "inevitável, nem é obrigatório a existência de remodelação", este colaborador de Sócrates diz que está convencido de que "só haverá remodelação se for para criar um novo élan ou para encontrar pessoas que sejam mais capazes de desenvolver as políticas". Defende que "mudar por mudar prejudica o Governo e prejudica a aplicação de políticas". E conclui: "Não garanto que não haja, mas, se houver, será para aumentar a eficácia das políticas, não para mudar a política ou a estratégia. Temos um guião até ao final do mandato. Ele sabe exactamente o que quer."

Remodelar para quê?

Perante a incógnita do que fará Sócrates, os especialistas em política contactados pelo PÚBLICO afirmam que, no contexto específico deste Governo, uma remodelação é vista como desnecessária, pouco útil e até contraproducente, já que dará uma imagem de reconhecimento do falhanço do primeiro-ministro. Um antigo colaborador de António Guterres, hoje retirado da política, afirma mesmo que não vê como, nem para quê, Sócrates vai remodelar, alertando: "A avaliação do trabalho de um ministro pela opinião pública não é o mesmo que a apreciação pelo primeiro-ministro. Ele pode ser muito impopular, mas não quer dizer que não faça o que o primeiro-ministro lhe manda." E sobre a oportunidade de remodelar, questiona: "Este primeiro-ministro vai mudar de ciclo porquê? Os ministros não estão a fazer o que o primeiro-ministro defende e quer?"

Destruindo a ideia feita de que é normal e até inevitável uma remodelação governamental a meio do mandato, o especialista em Ciência Política Pedro Magalhães afirma, peremptório: "Não conheço nenhum estudo académico que diga que é positivo fazer remodelações." E logo como clarificação inicial, acrescenta: "A popularidade do Governo está a descer, tem ministros muito impopulares, mas remodelar pode não fazer sentido."

Explicando o seu ponto de vista, Pedro Magalhães, que dirige o centro de sondagens da Universidade Católica, alerta para a necessidade de se ter alguns cuidados quando se fala em descida de popularidade do Governo. "Quanto à oscilação nas sondagens, temos de ter em conta, quando comparamos sondagens, que não podemos comparar institutos diferentes." E esclarece que as oscilações que se têm verificado estão na intenção de voto, mas "isso acontece porque, nesta altura, há muitos eleitores que não sabem ou não dizem o que tencionam fazer, já que as eleições estão longe." E adverte que, nos inquéritos que dirige, "as pessoas não sabem quem são os ministros, os ministros aparecem pouco, têm 'low-profile', a imagem que se sobrepõe é a do primeiro-ministro".

Considerando que não basta os ministros serem impopulares para haver uma remodelação, já que o Governo é um todo, em que cada um tem o seu papel, sob orientação do primeiro-ministro, sustenta: "Este Governo é técnico e sem peso no partido." Ora, "este perfil dos ministros favorece a submissão dos ministros ao primeiro-ministro", pelo que "substituir ministros que são impopulares, como a da Educação e o da Saúde, tem de ser ponderado e com a garantia de que a governação se fará com solidariedade e alinhamento inquestionável com o primeiro-ministro e com o núcleo político do Governo". Adverte ainda que estes dois ministros "têm o apoio total do Presidente da República" e o da Saúde "tem um plano pessoal para aplicar e é visto como uma das pessoas que mais percebem do assunto", pelo que "não faz sentido mudar este ministro". Sublinhando que, nestes dois casos, Sócrates estaria a "desautorizar duas áreas políticas em que apostou muito, seria reconhecer o falhanço".

O fantasma da oposição

Também o sociólogo e analista político António Barreto vê como dispensável e até questionável uma remodelação. "Sócrates tem maioria absoluta, só fará o que quiser", afirma. E defende que "este Governo depende muito do primeiro-ministro, o primeiro-ministro ocupa o espaço todo, os ministros têm pouquíssima importância no Governo", já que "no PS são figuras de segunda, do ponto de vista da nomenclatura, são técnicos que não têm peso político".

António Barreto sublinha que José Sócrates optou por este tipo de Governo porque "era muito novo, era um júnior e a maneira de afastar a contestação foi a de ser o único sénior. Com a saída de António Costa, ficou mesmo o único sénior". E frisa que, mesmo que venha a remodelar, Sócrates não vai jamais reconhecer que a política foi errada. Pode mudar de ministro, mas nunca admitirá erro de política.

Analisando a expectativa que se tem vivido sobre se há ou não remodelação, Barreto ataca a atitude da oposição nestes momentos: "O que irrita é o empurra da oposição. É esquizofrenia pura. Se Sócrates remodelar e conseguir bons ministros, a oposição dirá logo que foi superficial, que era preciso mais esta e aquela pasta." E conclui: "As remodelações são sempre o fantasma das oposições. As oposições não gostam que o primeiro-ministro tenha a liberdade de refrescar. Qualquer oposição, quando não tem propostas, começa muito cedo a falar de remodelação, porque julga que isso enfraquece os Governos. E há um jogo de ilusão de espelhos, que é esquizofrénico. A oposição pede a remodelação, esta anuncia-se e adia-se, porque o primeiro-ministro não quer mostrar que age sob pressão."
JP 22.12.07