terça-feira, janeiro 02, 2007

Intervenção de CC, 02.01.07 (Infarmed)


Senhoras e Senhores Dirigentes do Ministério da Saúde
Senhoras e Senhores membros da Comunicação Social,
À entrada de 2007 e já completados 21 meses de Governo na Saúde, é altura de olhar para trás, lembrar o Programa e confrontar o realizado ao longo, sobretudo, do ano de 2006.

Três grandes objectivos programáticos determinaram a acção do Ministério a meu cargo em 2006
:
A reforma dos cuidados de saúde primários, através do novo conceito de entidade prestadora de proximidade, a Unidade de Saúde Familiar (USF);
A criação de uma rede de Cuidados Continuados Integrados de saúde e apoio social a Idosos e Pessoas em Situação de Dependência (CCI) destinada a colmatar a mais grave brecha do sistema de saúde, passado o período hospitalar, a qual tende a alargar-se pelo peso da demografia e a tornar-se um enorme factor de desigualdade social;
e, finalmente, o controlo da despesa, pois sem boas contas não há bom Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Estas três medidas entrelaçam-se com muitas outras. Se não transformarmos os centros de saúde convencionais, de que dispomos, não poderemos realizar uma política activa de promoção da saúde implicando outros sectores do Governo e da sociedade, não poderemos prevenir com eficácia as doenças, velhas e novas, de que sofrem os portugueses, não poderemos garantir médico de família a todos os cidadãos residentes em Portugal. Para criar USF teremos que restringir ao mínimo os Serviços de Atendimento Permanente (SAP), pois os médicos nestes ocupados escasseiam para aquelas. Se não articularmos bem as USF com as Redes de Referenciação Hospitalar, incluindo a Rede das Urgências, com a ajuda do futuro Centro de Atendimento Nacional (Call Center), não seremos capazes de utilizar racionalmente os hospitais e continuaremos a engorgitá-los de doentes que vão directamente à urgência por não terem médico de família ou acesso a ele, nem consulta a tempo e horas.
Se não tivermos bons CCI a funcionar, incluindo o apoio domiciliário a garantir pelos centros de saúde, tenderemos a reter no hospital doentes não agudos por tempo superior ao necessário, ocupando leitos e serviços dispendiosos. Se não reabilitarmos os nossos idosos e doentes crónicos após o episódio agudo, teremos que mobilizar recursos humanos permanentes para deles cuidar, com qualidade de vida degradada e alto custo, incluindo para as famílias e muito principalmente para as mulheres, que têm assumido o papel de cuidadoras com prejuízo da sua vida pessoal e profissional.
Se não conseguirmos cumprir o orçamento, nunca poderemos ter ordem nos serviços, nem espaço para a inovação, nem disponibilidade para as novas reformas, nem sequer conseguiremos garantir a qualidade de cuidados a que os portugueses têm direito. Como se vê, objectivos todos ligados e que carecem de acção em múltiplas frentes: na gestão dos recursos humanos, no uso parcimonioso de medicamentos e meios de diagnóstico (MCDT) na motivação dos dirigentes, na formação de técnicos e profissionais em modernos sistemas de informação, em novas regras de acolhimento, em cuidados continuados, restaurativos e paliativos, na manutenção activa dos equipamentos, na gestão criteriosa da rede logística de ambulâncias e viaturas medicalizadas de emergência (VMER). Objectivos que foram prosseguidos em clima de rigor na execução orçamental, de gestão motivadora e criteriosa e em clima social, nacional, regional e autárquico muitas vezes adverso, pela dificuldade temporal de autarcas e população se aperceberem das vantagens das reformas antes de se sentirem ameaçados pelos seus inconvenientes.

Vejamos sumariamente os resultados destas três políticas no ano que agora terminou.

Reforma dos cuidados primários
: as USF são organizadas voluntariamente pelos profissionais em equipa (médicos de família, enfermeiros e pessoal administrativo), com uma lista alargada de doentes inscritos, horário das 8 às 20 horas, incluindo as manhãs de sábado, obrigatoriedade de operar um sistema de informação que tudo regista, guarda e processa e um regime remuneratório associado ao desempenho, medido por objectivos e metas contratualizadas previamente e avaliáveis posteriormente. Até 31 de Dezembro do ano passado, abriram 43 USF, havendo mais 18 candidaturas aprovadas aguardando abertura. Até agora foram recebidas 120 candidaturas.
Nas 61 USF aprovadas estão envolvidos 1.168 profissionais, abrangendo 741.225 utentes, com um ganho de acessibilidade de 83.134 novos inscritos e até aqui sem médico de família. Por cada cem USF que sejam aprovadas, haverá 120 a 150 mil novos utentes que ganharão médico de família. Quando tivermos 400, estará praticamente resolvido o problema de doentes sem médico.

Cuidados Continuados Integrados
: durante o ano que passou prepararam-se as experiências piloto com monitorização e avaliação; definiram-se, redigiram-se e foi treinado pessoal nas directivas técnicas (critérios de admissão e referenciação de utentes, manual de planeamento e gestão de altas, recomendações sobre fármacos, etc.); foram nomeadas as equipas coordenadoras regionais, locais e de gestão de altas hospitalares e foi instalado o sistema de informação. Celebraram-se acordos que abrangem 1.264 lugares (433 em convalescença [internamento até 30 dias], 345 em média duração [internamento até 90 dias], 427 em longa duração e 59 em cuidados paliativos). O financiamento ascendeu, em 2006, a 18,5 milhões de euros, 87 por cento a cargo do Ministério da Saúde (MS) e 13 por cento a cargo do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS). Tudo com os recursos dos Jogos Sociais. Para 2007-2008, procuraremos atingir 5.182 camas (22,1 por cento das necessidades totais identificadas), sendo 997 camas de convalescença, 1.139 de média duração, 2.720 de longa duração e 326 de cuidados paliativos. Esta medida de política envolve profundamente dois ministérios (Saúde e MTSS), dezenas de hospitais e centros de saúde e sobretudo instituições privadas de solidariedade social. O envolvimento das famílias está também previsto, sobretudo na componente social.

Controlo da Despesa
: pela primeira vez, desde há muitos anos, o MS vai encerrar as suas contas dentro do orçamento previsto, 3 por cento acima do ano anterior (previsão inicial de 2,9 por cento); se a tendência da despesa dos três últimos anos não tivesse sido contida, gastaríamos mais 271 milhões de euros. Sendo provisórios estes dados e verificando-se tendência para a redução dos encargos em medicamentos, será possível ainda atingirmos a meta de 2,9 por cento.
O comportamento das diversas rubricas não foi homogéneo. O pessoal cresceu a 3,5 por cento, tendo sido forçado a acomodar cerca de 60 milhões de euros devido ao aumento de desconto para a Caixa Geral de Aposentações (CGA). Acomodou ainda o pagamento dos encargos com a saúde relativos à Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE), correspondentes a Institutos Públicos, EPE (Entidades Públicas Empresariais) e demais serviços personalizados. Descontados estes efeitos, o acréscimo líquido dos custos com pessoal é pouco superior a zero. Todavia, nas aquisições, sobretudo de medicamentos e dispositivos médicos hospitalares cada dia mais modernos e mais dispendiosos, a meta de 4 por cento foi dobrada para 8,5 por cento. O fornecimento de serviços cresceu 5,4 pontos acima do previsto crescimento zero. Mas nos medicamentos vendidos nas farmácias, a meta de zero por cento será ultrapassada pelo decréscimo esperado em - 0,9 por cento e que pode bem chegar aos - 1,4 por cento. Os MCDT ficarão a - 0,4 por cento.
Questão pertinente será saber se, gastando menos, restringimos serviços ou produzimos menos. A resposta é negativa. Com base na comparação dos dez primeiros meses de 2006 com igual período de 2005, não só produzimos mais, como produzimos melhor, isto é, mais daquilo que devemos aumentar, como as consultas nos centros de saúde (+ 1 por cento), as consultas externas hospitalares (+ 4,7 por cento, e mais ainda nas primeiras consultas, + 4,8 por cento ); mais nas cirurgias convencionais (+ 6,38 por cento) e, sobretudo, mais nas cirurgias ambulatórias (+ 17,3 por cento). Ficámos ao nível do ano anterior em urgências (+ 0,1 por cento) e diminuímos, e bem, nos doentes saídos (- 1,1 por cento) e quase - 2 por cento nas consultas em SAP. Em conclusão, o SNS aperfeiçoou a sua missão.
Este esforço deve-se a todos: dirigentes dos serviços centrais, regionais e locais, agências de contratualização, gestores de unidades hospitalares, mas sobretudo aos médicos, principais decisores da despesa, que adoptaram uma postura de elevado sentido cívico. Este esforço foi sendo acompanhado de profunda reorganização dos serviços.

Preparou-se a reforma dos serviços centrais, no âmbito do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE),
a qual está pronta para submissão a Conselho de Ministros. Escolheram-se e nomearam-se os dirigentes, mantendo uma forte linha de continuidade com as equipas anteriores.
O ano de 2006 testemunhou também a criação de novos centros hospitalares com estatuto de EPE: Centro Hospitalar Ocidental de Lisboa, Centro Hospitalar de Setúbal/Outão, Centro Hospitalar do Nordeste Transmontano (Bragança, Macedo de Cavaleiros e Mirandela). Passaram ao estatuto de EPE os dois maiores hospitais com funções de ensino, Santa Maria e São João. Esta mudança estrutural traduziu-se em notáveis ganhos de gestão, bem reflectidos nos resultados das suas contas.
Iniciou-se a racionalização da malha dos serviços de apoio à mãe e à criança com a aprovação do Programa Funcional do Centro Materno-Infantil do Norte e a concentração em hospitais vizinhos de maior dimensão das salas de partos de Barcelos, Santo Tirso, Amarante, Oliveira de Azeméis, Lamego, Mirandela, Figueira da Foz e Elvas. Os resultados foram altamente positivos no registo de satisfação de parturientes, bem documentado na comunicação social e também em ganhos em saúde: em Santo Tirso e Barcelos ampliou-se a oferta em serviços de ginecologia, até aí reduzida, alargou-se o acesso – preparação psico-profiláctica e anestesia epidural – e a concentração de recursos trouxe vantagens económicas para as famílias tendo baixado a procura no sector privado. Em Elvas, o recurso a Badajoz saldou-se, na avaliação já feita para os primeiros meses, em redução da taxa de cesarianas de 45 para 26 por cento e na redução do custo médio, por parto, em quase mil euros.
Foram também encerrados dezenas de períodos nocturnos de atendimento permanente em centros de saúde, com melhor alternativa, propiciada pelo alargamento dos períodos de consulta diurna, das 8 às 20 ou às 22 horas, abertura aos sábados e, em alguns casos, nos feriados.
A acessibilidade aos produtos farmacêuticos foi largamente ampliada com a abertura de 317 lojas de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM), mantendo-se o seu preço médio ainda abaixo do preço inicial de Setembro de 2005. Foi publicada legislação que permite criar farmácias de venda ao público em hospitais do SNS, e aprovada a que alarga o período de abertura das farmácias e permite descontos na componente não comparticipada.
O ano de 2007 apresenta agora desafios ainda mais difíceis de vencer, para crescermos em efectividade e eficiência, equidade e qualidade, com uma redução do défice em menos 0,9 pontos do Produto Interno Bruto (PIB). No Orçamento de Estado (OE) para 2007 inscrevemos algumas medidas essenciais para garantir que o crescimento da despesa se conterá nos limites consentidos: novas baixas do preço dos medicamentos e redução ligeira da comparticipação; congelamento do tecto em MCDT e na despesa hospitalar de medicamentos e dispositivos médicos; uma redução de 40 milhões de euros nas reformas induzidas pelo PRACE. Certamente difícil.
Anima-nos o que alcançámos em 2006, quando partíamos há um ano com escassa esperança de o atingir. Animam-nos a racionalização da Rede de Urgências, a criação do Centro de Atendimento Nacional permanente, a lançar em Maio próximo, o surgimento de 80 a 100 novas USF e mais que a duplicação de lugares em CCI.
Está aprontada a legislação que cria o sistema de incentivos ao pessoal das USF. Temos pronta a reconversão de mais sete hospitais ou centros hospitalares em EPE, aos quais serão acoplados pequenos hospitais, permitindo resolver a questão das respectivas urgências. Será brevemente submetida a Conselho de Ministros a nova legislação que controla os efeitos do fumo passivo de tabaco em locais públicos.
Temos muitos centros de saúde e unidades móveis a inaugurar, outras a concluir, vários grandes hospitais a iniciar, em obra ou projecto (Cascais, Vila Franca de Xira, Braga, Todos-os-Santos, Seixal, Évora, Algarve e Sintra). Esperamos preparar a deslocalização do Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO) para um conselho periférico de grande e fácil acessibilidade. Tudo isto é investimento sustentado, financiado ou por parcerias com o privado, ou pelo património próprio do Ministério da Saúde. Teremos compromissos a garantir pelo Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) para continuar a construção do Hospital Pediátrico de Coimbra, iniciar a do Hospital Distrital de Lamego, do Centro Materno-Infantil do Norte e prosseguir obras de remodelação no Cento Hospitalar do Nordeste Transmontano.
Daremos continuação ao investimento em sistemas e tecnologias de informação para melhor decidirmos e garantirmos a qualidade do serviço.
Iremos proceder a uma importante reforma do trabalho médico hospitalar, com incentivos ao desempenho. Matéria não isenta de controvérsia, para a qual esperamos convocar parte significativa dos profissionais que trabalham em hospitais.
O ano de 2007 continuará a assistir a muita controvérsia no sector da saúde. Não há boas reformas sem contraditores activos. Teremos alguns serviços psiquiátricos a concentrar, urgências a reconverter, pessoal redundante a colocar em mobilidade especial, sub-regiões de saúde a extinguir, centros de saúde onde a coabitação entre o modelo convencional e o modelo USF não será isenta de problemas.
Dificuldades, iguais ou superiores às de 2006, que esperamos vencer, com a convicção do caminho certo.
São estes os nossos votos de Ano Novo para os portugueses a quem servimos, através do SNS, sob o lema “Saúde, um Bem para as Pessoas”.
Ministro da Saúde , António Correia de Campos , o2 Janeiro 2007