quinta-feira, janeiro 18, 2007

Gomes Esteves em tempo de balanço

“A Indústria Farmacêutica é pressionada para não ganhar dinheiro”

Entrevista de Marina Caldas

Gomes Esteves deixou a presidência da APIFARMA. É tempo de balanço, onde se percebe a tristeza de sair mas onde, ao mesmo tempo, se entende que deu o seu melhor saindo com a sensação do dever cumprido. Nesta entrevista à Prémio, abre o livro sobre questões que foram polémicas durante o seu longo mandato e deixa recados ao seu sucessor, Almeida Lopes, e ao ministro da Saúde, Correia de Campos

PrémioEstá há quase vinte e cinco anos ligado à APIFARMA, muitos dos quais como presidente. Sai da presidência, embora continue como responsável pela Assembleia Geral. Foi tempo demais?
Gomes Esteves – Não. Por incrível que pareça este quase quarto de século passou com relativa facilidade. Penso que esse sentimento é consequência do balanço ser muito, mas mesmo muito, positivo.

PQuais as medidas que tomou que considera mais importantes e de quais se orgulha mais?
GE
– Não sou a pessoa indicada para fazer essa análise. Talvez os que vierem a seguir possam avaliar melhor. Costumo dizer que esta história das paixões acaba por nos toldar a visão mas não podemos negar que é a paixão que nos move. Foi sempre isso que aconteceu nesta casa.
Em todo o caso, há duas ou três coisas que reconheço (aliás, não seria correcto da minha parte não o fazer). Uma tem a ver com as instalações que actualmente temos. Quando entrei para esta casa não tínhamos um espaço com as condições que hoje temos. É nesta sede que vai ficar instalado o Centro de Estudos da Indústria Farmacêutica, algo que já há algum tempo tencionávamos criar.

P
Com que intuito?
GE
– Como sabe, na área da Saúde há muita falta de informação. Melhor: há falta de dados. Neste país há uma tentação muito grande de legislar sem conhecer os impactos que as medidas possam vir a ter. Creio que a criação deste centro é bom para a Indústria, sem dúvida, mas também para o Governo e restantes parceiros que passam a poder contar com uma análise correcta que lhes dará a possibilidade de saberem, à priori, os impactos das medidas que pretendem implementar.
Por outro lado, deixo uma instituição profissionalizada. Deixo uma APIFARMA com técnicos competentes, com pessoas respeitadas, e com dirigentes que conhecem muito bem a Indústria Farmacêutica.
Também considero que a Associação tem hoje uma visibilidade muito maior do que tinha há uns anos atrás. É uma associação respeitada sendo também considerada, pelos sucessivos governos – e eu conheci muitos – como um parceiro importante. Todos nos vêem como uma associação que defende os seus princípios sem esquecer nunca o objectivo final que nos move e que é o doente.
E neste campo deixamos também as nossas marcas, das quais me orgulho bastante. Estou a falar das parcerias criadas com as associações de doentes. Começámos com alguns receios, de parte a parte, e hoje temos connosco um grupo de mais de 20 associações, o que é gratificante. O trabalho a continuar, neste domínio, prende-se com o estreitar do relacionamento entre as partes. Este é um passo muito importante para a sociedade civil. E deixo um alerta para os nossos governantes, porque uma sociedade bem formada e conhecedora das suas limitações - mas também das suas potencialidades - ajuda a que a Saúde seja melhor gerida

P - Internamente, conseguiu unir os parceiros e sócios da APIFARMA, uma vez que o leque de interesses é muito diversificado?
GE
– Costumo dizer que uma das riquezas desta casa é essa diversidade de que falou, porque um dos problemas existentes, em muitas instituições, é a massa crítica. Disse algumas vezes que quando toda a gente está de acordo comigo começo a ficar preocupado. E isso poucas vezes aconteceu aqui. Gerir e encontrar consensos, os mais transversais possíveis, é um exercício que muita gente gosta de fazer. Eu, pelo menos, tenho gostado muito. Em todo este processo de direcção é essencial que quem vier tenha sempre em consideração que a associação tem de defender princípios; tem de ser transparente e deve saber manter sempre o diálogo. Nunca deve fechar portas.

PSão essas as recomendações que deixa ao seu sucessor?
GE – Entre outras. Estas são as que considero mais importantes.

P- Tem referido muitas vezes que vê com alguma mágoa o facto de não existir, em Portugal, uma política estratégica que possibilite o crescimento da Indústria Farmacêutica nacional. É a principal mágoa?
GE – É. Houve momentos de uma grande euforia, pelo menos da minha parte, ao longo destas duas décadas. Isso passou-se no tempo do Dr. Mira Amaral e do Dr. Arlindo de Carvalho. Foi quando a Indústria Farmacêutica nacional estava em fase descendente e se conseguiu travar a descida e evoluir de novo. E isso foi conseguido através do diálogo. Pela primeira vez foi possível que o ministério da Economia e da Indústria tomasse uma posição séria dizendo: ‘nós queremos a indústria farmacêutica neste país!’. E isso aconteceu. Desde então, a Economia tem-se colocado numa posição diferente, dizendo – ou deixando perceber - que quem tem de pagar a conta é o Ministério da Saúde. Em todo o caso considero que há aqui questões que não podemos esquecer e tenho pedido isso, muitas vezes, aos nossos governantes para que se entendam, pelo menos nas áreas da Economia e da Saúde.
Numa altura em que somos membros de um clube chamado União Europeia em que, para o bem e para o mal, conhecemos as regras do jogo, é altura de existir da parte da Economia e da Indústria uma posição firme no que se refere à legislação farmacêutica. Se isto não for feito, a pouca indústria nacional que teima em existir acaba por ter muita dificuldade em sobreviver.
Queria deixar aqui uma palavra muito especial aos empresários portugueses que têm sabido, apesar de tudo, e com muitas dificuldades – como as que aconteceram recentemente nos últimos 12 meses: duas baixas sucessivas de preços de 6% (onde cerca de 70 por cento da fatia é suportada por nós) – continuar a investir e a acreditar que é possível fazer mais e melhor.
Queria também deixar uma palavra ao actual ministro da Saúde. Durante todos estes anos não vi um ministro da Saúde de tenha dado a cara por uma causa. Às vezes até me interrogo quem é o ministro da Economia, no que se refere à Indústria Farmacêutica.
Agora foi criado, pela primeira vez, a nível do Infarmed, um lugar de administrador naquele instituto para tratar exclusivamente de investimentos em Portugal. Senti-me satisfeito. Senti que íamos ter de novo o chamado conceito estratégico para a Indústria Farmacêutica – criado no tempo em que era ministra a Dra. Maria de Belém, e através do qual se tinha criado um conselho onde estavam todos os ministérios presentes e que o ex-ministro, Dr. Luís Filipe Pereira, guardou numa gaveta bem fechada.
Parece que estão a ser criadas novamente condições para voltar a pensar neste conceito. Espero sinceramente que não se tomem determinadas atitudes políticas com as quais, posteriormente, não se seja consequente. Se não se criar confiança, de parte a parte, o investidor não se fixa, nem volta a aparecer.
Fica pois a esperança de que os meus colegas sejam capazes de dar a volta a este processo, que eu não considero de forma alguma um processo acabado, e a razão pela qual (digo-o agora) não fui apologista de acabar com o protocolo! Hoje posso dizer que a razão de fundo porque não quis acabar com o protocolo é porque ainda acredito que existem condições para que, de facto, se possa investir na Indústria Farmacêutica em Portugal. Se acabássemos com o protocolo, essas condições seriam muito mais difíceis de se voltarem a conseguir.

P- É esse o recado que deixa ao Dr. Correia de Campos?
GE
– Tenho tentado dizer, honestamente, a todos os ministros que me querem ouvir o que realmente penso.

PApesar disso, nem todos os sócios da APIFARMA olham para o Dr. Correia de Campos com essa esperança. E estou a lembrar-me do tecto de quatro por cento, relativo ao crescimento dos medicamentos nos hospitais, entre outras medidas. Acha que o actual ministro tem sido um amigo da Indústria Farmacêutica?
GE – Estou agora numa posição privilegiada para olhar para estas atitudes e analisá-las. Espero que a indústria mantenha o bom senso com que se tem orientado, no sentido de compreender que embora o princípio seja o mesmo (o doente), há por vezes circunstâncias que são difíceis de compatibilizar. Conhecemos o estado do país, sob o ponto de vista financeiro, e sabemos as limitações que temos, muitas das quais impostas por Bruxelas. Muitas vezes isso torna difícil compatibilizar o que se pretende contra o que é possível E é aqui que eu considero que a APIAFARMA tem um papel importante, e que é, por um lado, tentar minimizar o impacto das medidas do Governo (e que não são as melhores para a Indústria) mas por outro lado tentar olhar para a frente.
É preferível fazer sacrifícios hoje, se soubermos que podemos começar a ver a luz ao fundo do túnel dentro de um ano ou dois, do que andarmos a criar condições que não nos deixam nem viver hoje, nem amanhã, nem daqui a dois ou três anos

P- Acha que é isso que se está a fazer?
GE – Acredito que sim. Para além do Ministério da Saúde e do Ministério da Economia – embora com papéis diferentes – 2007 vai ser um ano crucial para este país e para a Indústria Farmacêutica também.
O que nós aceitámos - e não foi fácil, deixe-me dizer – foi que 2007 voltasse a ser um ano de sacrifício para a Indústria. Acreditamos, no entanto, que a partir de 2008 exista uma lufada de ar fresco para que a Indústria, concretamente a que investe em Portugal.

P- Há novas regras que vão ser implementadas nos hospitais, com vista à diminuição de gastos com medicamentos. Os protocolos terapêuticos são medida válida?
GE – Tudo o que for feito para melhorar a gestão dos hospitais é uma vantagem para todos nós. Não se compreende que existam hospitais que tenham determinadas ‘performances’, mesmo financeiras, e outros que tenham ‘performances’ completamente diferentes. Isto por um lado. Por outro lado, também sei que não há dois hospitais iguais.
Recordo que há alguns anos avancei com a ideia de se criar uma técnica de gestão, que na altura estava muito na moda, denominada Base de Risco Zero. É muito simples, basta sabermos quanto é que se gasta em cada hospital, em medicamentos, em hotelaria, em salários etc. Porque estamos a correr um risco muito sério que é podermos estar a dar a certos hospitais um determinado quantitativo que, proporcionalmente às necessidades, não seja o correcto.

P- Como é que se pode sair daí?
GE – Não é um exercício fácil, mas é com certeza um acto de melhor gestão. Foi esse o princípio que defendi para a linha do protocolo hospitalar. Foi saber, primeiro, nas duas principais áreas terapêuticas, Sida e Oncologia – que consomem mais de 50 por cento dos medicamentos de uso hospitalar – quantos doentes temos, onde estão a ser tratados, o que é que se gasta. Sem se ter estes indicadores – e eles deviam estar concluídos até final de 2006, havia um compromisso nesse sentido – os números vão ser sempre diferentes. Está à vista. Não é por acaso que o senhor ministro da Saúde, dentro da sua própria casa, tem dois ou três números diferentes. E nos temos outros números diferentes. Sem que esse trabalho esteja feito é ilusão falar de um mercado hospitalar que cresce quatro, seis, ou oito por cento.

P- Nessa base, e com uma implementação prática cada vez maior dos protocolos terapêuticos, isso não significa o início do fim do trabalho dos Delegados de Informação médica (DIM’s)? Há quem fale que os despedimentos no sector estão a acontecer com alguma força. Não será necessário repensar toda esta vertente de outra forma?
GE – A Indústria Farmacêutica é uma indústria igual a qualquer outra. O que tem acontecido é que tem tido um tratamento completamente diferente, o que leva muita gente a pensar que a indústria farmacêutica deve ser gerida de uma forma também diferente relativamente à restante indústria.
Repare, toda a gente fica satisfeita neste país quando qualquer empresa chega ao final do ano e ganha dinheiro. Quando tem lucro. A Indústria Farmacêutica é pressionada para não ganhar dinheiro! Há uma contradição na gestão que não se entende. Dá a impressão que mesmo os governos ficam satisfeitos quando isso acontece. As pessoas esquecem-se dos postos de trabalho, da riqueza que se cria, dos impostos que se pagam e de toda a mais-valia que a Indústria Farmacêutica tráz para Portugal.
Vejamos agora a outra parte. Depois de variados exercícios feitos, os profissionais de saúde – inclusivamente nos Estados Unidos – continuam a considerar que a sua fonte de informação preferida são os delegados de informação médica. Com certeza que os simpósios são importantes, entre outras acções de formação, mas continuamos a ter dados internacionais que nos dizem que, para 70 por cento dos profissionais de saúde, o DIM é a fonte de informação e formação por excelência.
Por outro lado, temos uma obrigação ética de transmitir aos profissionais de saúde o desenvolvimento da Ciência; as descobertas que fazemos; quais os prós e os contras dos medicamentos que temos no mercado, para que os profissionais estejam devidamente informados. É uma obrigação da Indústria Farmacêutica.
Isto significa que, no meu ponto de vista, os DIM’s vão continuar a ter um papel importante no sector da Saúde. Penso, no entanto, que chegámos a uma altura em que é
necessário definir as condições em que os DIM’s trabalham. Estou a falar de Portugal, concretamente. É degradante para estes profissionais vê-los num hospital a puxar pela bata do médico para conseguir falar com ele. É degradante ver o que se passa em alguns centros de Saúde. O próprio doente, se soubesse qual o papel do DIM, não reagiria como reage. Considero, pois, que o DIM não só é necessário como é importante que, entre nós, Indústria Farmacêutica, se definam regras concretas, transparentes e transversais e que sejam cumpridas por todos os hospitais, com as variantes normais.

P- Mas não é isso que acontece…
GE – Há um tempo atrás, quando se anunciaram as medidas de que temos estado a falar, eu avisei, no Porto, que se nada fosse feito contra estas intenções cerca de cinco por cento dos DIM’s, do país, seriam dispensados. Não sei se chegámos ou não aos cinco por cento, mas não tenho qualquer dúvida que seis por cento, de uma vez, mais seis por cento, de outra (de baixas nos preços dos medicamentos), num ano, leva a que a Indústria Farmacêutica se retraia, a todos os níveis, não só relativamente ao papel dos DIM’s

PGenéricos versus medicamentos inovadores. Foi uma luta que travou, no sentido de tentar explicar que a inovação tinha um preço e que não podia ser relegada para segundo plano, sem nunca deixar de dizer que os genéricos tinham, igualmente, um papel na Saúde dos portugueses. Foi difícil passar a mensagem?
GE – No campo dos princípios todo esse processo foi relativamente fácil, no detalhe não foi tão fácil quanto isso.
Comecemos pelos princípios. Estávamos a trabalhar no campo dos genéricos há alguns anos, só que não podia haver genéricos enquanto não houvesse uma protecção de patente correcta em Portugal. O genérico, por definição, é o produto que perdeu a patente. Se nós, em Portugal, continuávamos a ter cópias e produtos que até estavam sob a protecção de patente mas que eram genéricos, não havia condições para a respectiva implementação.
A primeira pessoa que fez um esforço no sentido de definição das regras foi a Dra. Maria de Belém, que se viu obrigada a modificar a legislação várias vezes no período de um ano.
Entretanto, as condições foram sendo criadas e há algo que não podemos esquecer. O mercado de genéricos é pequeno, e criar um negócio de genéricos para vender exclusivamente em Portugal, é difícil. Não é rentável. Aquilo que esta casa (APIFARMA) tentou dizer algumas vezes foi no sentido de serem dadas condições – principalmente técnicas – para que algumas das companhias nacionais se pudessem preparar e competir em igualdade de circunstâncias com as empresas que já estavam neste mundo há muitos anos.
Espanha teve entre 18 e 24 meses de preparação para o lançamento de genéricos. Eu pedi seis meses e nem isso consegui. Resultado: Tirando uma ou outra honrosa excepção, o esforço foi brutal, sob o ponto de vista financeiro, e o mercado de genéricos foi rapidamente absorvido por aqueles que já cá estavam e que conhecem o negócio. Os resultados estão à vista. As companhias que operam globalmente só tiveram de transferir para o nosso país uma parte do que é necessário, enquanto que as empresas portuguesas tiveram um trabalho de preparação e técnico e, depois, tiveram de encontrar outros mercados lá fora. Houve problemas de detalhe, como vê. Na altura houve ainda uma tentação muito grande de transformar o mercado farmacêutico em mercado de genéricos. Costumo dizer que este mercado é segmentado. Nele, os OTC’s tem o seu papel, os genéricos têm o seu papel, etc., mas não tenho dúvidas: do que os doentes verdadeiramente continuam à espera é da inovação.
É destes sectores que estão para trás, e onde se podem praticar preços mais baixos, onde as companhias que investiram no desenvolvimento de moléculas já tiveram tempo de reaver algum do investimento que fizeram de forma a continuarem a investir para que doenças como o Cancro, a Sida, o Alzheimer possam vir a ter algumas soluções terapêuticas partilhadas. Como vê, no campo dos princípios estamos de acordo…

PSente que a inovação esta comprometida?
GE – Não acredito. O que se está a passar é que a inovação e os centros de excelência se estão a deslocar, cada vez mais, da Europa para os Estados Unidos e para a Índia, onde os investimentos se fazem com maior vigor; onde a legislação, no que se refere ao controlo de qualidade, é idêntica à nossa; onde existem cientistas e onde os Governos apadrinham esse investimentos. Não foi por acaso que, nos últimos 15 anos, a Europa perdeu, progressivamente, investimentos nesta área. Estão a reconhecer esta realidade agora. Espero que ainda haja tempo para reverter a situação.

P A Europa de Leste não tem ganho peso?
GE- É possível, particularmente nos ensaios clínicos, com grande pena nossa, que estamos também a perder essa vertente.

P- Não conseguiu passar a mensagem?
GE
- Houve quem entendesse, mas Portugal tem o problema da burocracia que não nos deixa funcionar. É uma pena. Parece que o Simplex não chegou ainda à indústria farmacêutica

POutra guerra que teve de travar foi a da alegada corrupção entre médicos e a Indústria Farmacêutica. Ganhou essa guerra?
GE – Não sei se a venci se a perdi porque, realmente, não dei por ela.

P- Deu!....
GE – Falou-se muito, porque todos nós somos muito sensíveis às modas e a comunicação social não é menos. O que aconteceu nessa altura foi que se abriu uma Caixa de Pandora, onde possivelmente haveria necessidade de definir e de clarificar melhor algumas zonas cinzentas que existiam. E acho que essa foi a parte positiva de todo esse processo. Depois disso, forem realizados diversos exercícios para rever alguns códigos de ética que estavam ultrapassados e, nesse sentido, foi positivo, pois reavaliaram-se as situações.
Por isso, quando cheguei ao fim deste processo, fiquei satisfeito pois, pelo que soube, ninguém foi julgado na praça pública e a montanha pariu um rato, como já se disse.

P- Sente que o SNS está a acabar?
GE- Não. Sinto é que todos nós, seres humanos, somos relutantes à mudança e, na minha opinião, há que mudar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) porque tudo mudou na Saúde, nos últimos anos. Agora, não se faz uma mudança destas por decreto-lei. Isso é um erro. As pessoas têm de explicar quais são os caminhos que se devem percorrer. Se não se explicar vai ser muito difícil.

PO doente vai perder com esta mudança?
GE- Creio que não. O sistema de saúde nacional, tal como está – e este é que devia ser o grande debate a travar – refere que todos temos direito a ter a Saúde como temos porque cada um já paga impostos diferenciados. Penso que isso não é suficiente. Primeiro que tudo, as seguradoras têm que ter um papel mais importante do que o que têm tido até aqui. Temos vindo a assistir a um incremento da sua participação mas é pouco ainda. Isso é que pode permitir que aqueles que já pagam mais impostos tenham condições para, através de sistemas complementares, escolherem como e de que forma querem estar no sistema.

P- Através do ‘opting-out’?
GE- É o que eu defendo. Um ‘opting-out’ de um dia para o outro é um número muito arriscado, mas o caminho é por aí. Não sinto que se esteja, pois, a destruir o SNS, sinto sim que se esta transicção não for feita, com todos, de forma clara, bem discutida e com alguma humildade, aí sim, será complicado.

PE nesse caso seria necessário fazer uma nova discussão e análise à volta da questão do financiamento…
GE – É uma das coisas que não concretizei, na APIFARMA, apesar de ter tentado levar a cabo uma análise profunda, com avanço de propostas concretas, sobre o financiamento do SNS. E não foi realizado por falta de tempo apenas. Temos até bastante trabalho feito, por uma instituição independente, envolvendo também antigos ministros. Certamente que os meus sucessores vão concluir este trabalho.

P- Se um dia fosse ministro da Saúde que medidas levaria a cabo, de imediato?
GE – Nunca pensei nisso porque está completamente fora dos meus planos. Sou como um velhote da minha terra que dizia, “nunca digas desta água nunca beberei”, mas há coisas que acontecerão com muito mais dificuldade do que outras e essa é uma delas. Nunca fui político. Não sou político e teria muita dificuldade em sê-lo, pois estou habituado a dizer sempre o que penso. Reconheço que a arte da Política está em fazer e dizer o que é possível. Esse é um exercício que nunca fiz e que não estou interessado em fazer

P- Nem em relação à política do medicamento?
GE- A política do medicamento precisa apenas de estabilidade. A Indústria Farmacêutica funciona por ciclos muito longos. Desde que se começa a desenvolver uma molécula até esta ser lançada no mercado decorrem muitos anos. Ciclos de 20 anos! Se anualmente alterarmos a legislação, para a Indústria é um pandemónio! Ainda por cima para uma indústria fragilizada e muito segmentada.

Gomes Esteves em discurso directo
Sempre gostei da agricultura e continuo a gostar. Tenho um orgulho muito grande nas minhas raízes alentejanas e, por isso, sempre me considerei um homem da terra.
Por outro lado, dou uma importância muito grande aos amigos e à amizade. Mas à amizade verdadeira… àquela que não implica ligar diariamente para se saber que se está presente. Tenho partilhado pouco com esses meus amigos e espero, agora, ter esse tempo disponível. Quero continuar ligado ao associativismo, mais uns três ou quatro anos. Ver o que isto dá.
Sinto que tenho sido um privilegiado e que a vida tem sido extremamente generosa para comigo. Penso que tenho um anjo da guarda sempre presente
Revista Prémio 18.01.07