Controlo electrónico
Ao longo dos anos nunca entrei à hora exacta, salvo nos dias de banco em que sempre fui o primeiro a chegar. A longo dos anos nunca saí à hora marcada. Saí sempre quando o meu trabalho estava acabado, independentemente da hora a que fosse. Centenas de vezes fiquei para além do horário que estava estipulado por diversos motivos, desde a consulta que continuava com doentes por atender até doentes descompensados que de maneira nenhuma poderia abandonar sem que tivesse a situação estabilizada ou entregue o doente em local mais adequado, independentemente de haver colegas de urgência interna, a quem seria fácil "passar a bola". Nunca contabilizei essas horas, em primeiro lugar porque nunca me passou pela cabeça, nessas alturas o tempo passa a correr, não nos apercebemos da noite que já chegou, ignoramos o jantar que já deve estar na mesa, desprezamos compromissos previamente assumidos, estou a cumprir a minha obrigação e tenho prazer no meu trabalho. Por outro lado esse tempo despendido acaba por ficar pago com os pequenos atrasos à chegada, ao dia que se pediu ao chefe para tratar de assuntos particulares. O mesmo também serviu de justificação para não gozar as folgas a que se tem direito e usar dias de férias em acções de formação, só para evitar a chatice burocrática que é pedir autorização para uma licença gratuita de serviço. Sempre trabalhei assim, os doentes me agradeceram, os meus superiores reconhecem o bom trabalho. Nunca deixei um trabalho a meio e a minha consciência está tranquila.
Sinto-me agora um pouco perdido perante a nova situação que se avizinha com o controle electronico da assiduidade. Não me custará chegar exactamente à hora aprazada. Já o mesmo não sei quanto à hora marcada para sair. O que é que direi aos doentes que ainda esperam ser consultados, que afinal já não pode ser, que tenho que ir embora. Provavelmente dir-me-ão que se me despachasse mais depressa ainda os poderia ver. E eu concordo. Até porque se cumprisse os 15 minutos que estão estipulados para cada consulta não haveria qualquer problema. Mas como explicar que 15 minutos é mais ou menos o tempo que um idoso com limitações físicas leva a despir o casaco, o pullover, a camisa, a camisola interior, se for um homem (já nem falo numa idosa), só para o auscultar e eventualmente fazer-lhe um exame abdominal. Isto é o mínimo que se faz numa consulta de Medicina Interna. Já não falo em despir o resto da indumentária, essenciais para que o exame fique mais completo, embora não exaustivo, que isso só nas primeiras consultas. E o que deveria ser quinze minutos rapidamente se transformam em 30-40 minutos (isto sem contar o tempo gasto na explicação da maneira de tomar a medicação receitada e da indicação dos locais onde poderá fazer os exame que se julguem necessários). Esta situação é só um exemplo de muitas outras. Uma consulta com 8 doentes que está agendada para durar 3 horas poderá prolongar-se por 4 ou 5 (e não conto com as inevitáveis autorizações, que nenhum médico poderá negar).
Ontem deparei-me concretamente com esse tipo de situação. Ano novo,vida nova. Assim foi no meu serviço. Cheguei à hora certa e dui fazendo o que tinha a fazer. Almocei às 14 horas e meia hora depois lá estava eu na minha faina. Continuei no Serviço até que às 20 horas fui receber o banco, onde estive até até hoje. E, como é hábito continuei o meu trabalho até vir embora por volta das 15 horas. O problema que se pôs foi como assinalar as horas no "obsoleto" livro de ponto? Entrei às 8 horas. Assinei o almoço às 13 horas (embora só fosse às 14, porque não pude ir antes). O início do período da tarde foi assinadado às 14, embora fosse às 14,30 h, porque é de lei que o intervalo para o almoço tem que ter no mínimo uma hora. Continuei a trabalhar até às 20 horas, mas só assinei até às 17, porque é isso que está programado, e não me é permitida jornada de trabalho superior a 9 horas. Fiz o banco nocturno e, como já disse, dei por encerrado o meu trabalho muito para além do que me é exigido pelo ministério (não por quem se encontra doente).
Enfim como é que vou regular a minha actividade no futuro? Quem agradecerá o cumprimento estricto do horário? Quem está doente não será certamente. O ministério sim porque como funcionário cumpri escrupulosamente o que é exigido, dando prova da eficácia dos meios electrónicos do controle de assiduidade. Os administradores exultaram porque finalmente os doutores vão entrar na linha.
Só coloco mais uma dúvida. Tudo isto servirá para aumento da qualidade e da produtividade?
Sinceramente espero que haja bom senso.
voualiejavolto
Sinto-me agora um pouco perdido perante a nova situação que se avizinha com o controle electronico da assiduidade. Não me custará chegar exactamente à hora aprazada. Já o mesmo não sei quanto à hora marcada para sair. O que é que direi aos doentes que ainda esperam ser consultados, que afinal já não pode ser, que tenho que ir embora. Provavelmente dir-me-ão que se me despachasse mais depressa ainda os poderia ver. E eu concordo. Até porque se cumprisse os 15 minutos que estão estipulados para cada consulta não haveria qualquer problema. Mas como explicar que 15 minutos é mais ou menos o tempo que um idoso com limitações físicas leva a despir o casaco, o pullover, a camisa, a camisola interior, se for um homem (já nem falo numa idosa), só para o auscultar e eventualmente fazer-lhe um exame abdominal. Isto é o mínimo que se faz numa consulta de Medicina Interna. Já não falo em despir o resto da indumentária, essenciais para que o exame fique mais completo, embora não exaustivo, que isso só nas primeiras consultas. E o que deveria ser quinze minutos rapidamente se transformam em 30-40 minutos (isto sem contar o tempo gasto na explicação da maneira de tomar a medicação receitada e da indicação dos locais onde poderá fazer os exame que se julguem necessários). Esta situação é só um exemplo de muitas outras. Uma consulta com 8 doentes que está agendada para durar 3 horas poderá prolongar-se por 4 ou 5 (e não conto com as inevitáveis autorizações, que nenhum médico poderá negar).
Ontem deparei-me concretamente com esse tipo de situação. Ano novo,vida nova. Assim foi no meu serviço. Cheguei à hora certa e dui fazendo o que tinha a fazer. Almocei às 14 horas e meia hora depois lá estava eu na minha faina. Continuei no Serviço até que às 20 horas fui receber o banco, onde estive até até hoje. E, como é hábito continuei o meu trabalho até vir embora por volta das 15 horas. O problema que se pôs foi como assinalar as horas no "obsoleto" livro de ponto? Entrei às 8 horas. Assinei o almoço às 13 horas (embora só fosse às 14, porque não pude ir antes). O início do período da tarde foi assinadado às 14, embora fosse às 14,30 h, porque é de lei que o intervalo para o almoço tem que ter no mínimo uma hora. Continuei a trabalhar até às 20 horas, mas só assinei até às 17, porque é isso que está programado, e não me é permitida jornada de trabalho superior a 9 horas. Fiz o banco nocturno e, como já disse, dei por encerrado o meu trabalho muito para além do que me é exigido pelo ministério (não por quem se encontra doente).
Enfim como é que vou regular a minha actividade no futuro? Quem agradecerá o cumprimento estricto do horário? Quem está doente não será certamente. O ministério sim porque como funcionário cumpri escrupulosamente o que é exigido, dando prova da eficácia dos meios electrónicos do controle de assiduidade. Os administradores exultaram porque finalmente os doutores vão entrar na linha.
Só coloco mais uma dúvida. Tudo isto servirá para aumento da qualidade e da produtividade?
Sinceramente espero que haja bom senso.
voualiejavolto
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