quarta-feira, setembro 22, 2004

Greve Geral dos Enfermeiros à Vista

Greve geral à vista
Enfermeiros ameaçam com paralisação caso o Governo não recue nas intenções de lhes aumentar as horas de trabalho e de criar uma nova categoria profissional que consideram colidir frontalmente com as suas funções «Isto é espezinhar a profissão e se for preciso convocar uma greve geral para que o Governo entenda isso, será o que faremos», ameaça José Azevedo

Agitação. Muita agitação.
É esta a promessa dos 30 mil enfermeiros portugueses, que admitem fazer uma greve geral caso o Governo avance com o acordo colectivo de trabalho para os hospitais-empresa, revelado na última edição do Independente, que prevê a criação de uma nova categoria profissional cujas funções podem, no entender dos enfermeiros, “esvaziar” por completo a profissão.
Ao Independente, José Azevedo, presidente do Sindicato dos Enfermeiros (SE), não poupa os ideólogos do documento: “fazer um texto pior seria impossível. O grupo está de parabéns”, afirma o presidente do SE. Que agita o fantasma de uma mobilização geral de combate ao acordo, caso o ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, e seus pares não mudem rapidamente de opinião, sobretudo no que respeita à criação dos técnicos auxiliares de cuidados de saúde, vistos pela classe como um perigo. Porquê? “As suas funções vão confundir-se com as dos enfermeiros”, explica José Azevedo. Que duvida que, a partir do momento em que este acordo entre em vigor, se possa distinguir com razoabilidade entre aquilo que fazem os profissionais de enfermagem e os técnicos a criar, também eles portadores de uma carreira autónoma. Resultado: “se isto avançar, é um passo decisivo para a destruição da carreira. E isso nós não aceitaremos, nem que seja necessário avançar para uma greve geral”, sublinha Azevedo.
O Independente sabe, porém, que a intenção da Unidade de Missão Hospitais SA não passa por desvalorizar a carreira de enfermagem, mas por devolver os profissionais às suas “reais funções”: o acompanhamento directo e permanente do doente. E, para que não haja confusões, as atribuições dos novos técnicos auxiliares de cuidados de saúde serão escrupulosamente descritas no acordo a assinar. Objectivo: não as fazer colidir com as dos enfermeiros.
Mais trabalho? Nem pensar.
Mas as profundas discordâncias da classe de enfermagem relativamente ao acordo proposto pela Unidade de Missão Hospitais SA não se resume à questão dos técnicos auxiliares de cuidados de saúde. Outro ponto merece a contestação dos profissionais: a passagem do horário de trabalho das actuais 35 para 40 horas semanais. “Não nos podemos esquecer que esta é uma profissão de grande desgaste. E se hoje os enfermeiros já têm grandes dificuldades para suportar a carga de trabalho, imaginemos o que seria se ela fosse intensificada”, diz o responsável, que promete tudo fazer para contrariar os ímpetos do ministro da Saúde também neste domínio.
Outro dos pomos da discórdia é o sempre sensível capítulo da remuneração do trabalho prestado. Segundo José Azevedo, este acordo não deixa lugar a dúvidas: “comparativamente ao que actualmente sucede, chego à conclusão de que quanto mais se trabalha, menos se recebe”, reclama, para acrescentar que os enfermeiros “não foram ouvidos” na concepção do documento.
Um facto que, em seu entender, fere de morte todo o processo. “Não se pode tentar fazer a reforma da saúde pensando no lucro fácil e numa classe profissional, que são os médicos. Isto é espezinhar a profissão e se for preciso convocar uma greve geral para que o Governo entenda isso, será o que faremos”, diz Azevedo.

“Escravatura”.
Mas também os médicos ficaram desagradados com o teor das propostas contidas no documento. Pedro Nunes, candidato a bastonário da Ordem, considerou que estamos “perante uma nova forma de escravatura”, referindo- se à intenção de se aumentar o horário de trabalho dos médicos para as 45 horas semanais.
Também o seu adversário na corrida à Ordem, José Miguel Boquinhas, afirmou que este documento é feito em contra ciclo relativamente a tudo o que se está a fazer na Europa. Uma opinião partilhada pelo presidente do Sindicato Independente dos Médicos, António Bento, que avançou com outro argumento: o da suposta ilegitimidade legal da Unidade Missão para negociar um acordo colectivo de trabalho. “Suposta” porque entretanto a Unidade de Missão já esclareceu que não está a negociar o acordo em nome próprio, encontrando- se mandatada pelos 31 hospitais- empresa para o fazer em sua representação.
Ao Independente, Pedroso Lima, presidente da Unidade de Missão Hospitais SA, afirmou não querer entrar em polémicas com médicos ou enfermeiros. “É normal que os
parceiros sociais a quem enviámos a proposta emitam as suas opiniões, concordâncias e discordâncias, mas agora parece-me que o fórum indicado para falar com eles será a mesa de negociações”. ou seja, a a Unidade de Missão não encara o documento em causa como algo totalmente fechado, estando disponível para debater com os vários sindicatos do sector – a quem já foi enviada a proposta – as suas linhas mestras.
Semanáio "Independente" nº 853