Clonagem - Livro Branco
Uso de embriões humanos em investigação científica
Elaborado por: Daniel Serrão sob solicitação do Ministério da Ciência e do Ensino Superior Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia Fevereiro de 2003.
Índice
1. Introdução sobre a origem e natureza dos embriões humanos constituídos fora do corpo da mulher.
2. Posições de princípio sobre a natureza do embrião humano: filosóficas, ético - culturais e jurídicas.
3. Que pode fazer-se com embriões humanos, constituídos para um projecto de parentalidade de um casal infértil e que, por motivos diversos, foram excluídos desse projecto parental?
4. Pontos de vista dos investigadores da área da embriologia experimental.
5. A investigação em “embriões” obtidos por transferência nuclear de células somáticas (clonagem).
6. Opções inadiáveis, em Portugal.
7. “Embrião clonado” .
8. Considerações finais .
Elaborado por: Daniel Serrão sob solicitação do Ministério da Ciência e do Ensino Superior Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia Fevereiro de 2003.
Índice
1. Introdução sobre a origem e natureza dos embriões humanos constituídos fora do corpo da mulher.
2. Posições de princípio sobre a natureza do embrião humano: filosóficas, ético - culturais e jurídicas.
3. Que pode fazer-se com embriões humanos, constituídos para um projecto de parentalidade de um casal infértil e que, por motivos diversos, foram excluídos desse projecto parental?
4. Pontos de vista dos investigadores da área da embriologia experimental.
5. A investigação em “embriões” obtidos por transferência nuclear de células somáticas (clonagem).
6. Opções inadiáveis, em Portugal.
7. “Embrião clonado” .
8. Considerações finais .
9. Bibliografia comentada .
10. Anexo .
1. Introdução sobre a origem e natureza dos embriões humanos constituídos fora do corpo da mulher
10. Anexo .
1. Introdução sobre a origem e natureza dos embriões humanos constituídos fora do corpo da mulher
A constituição de embriões humanos fora do corpo da mulher resultou de investigação biológica e clínica, cujo objectivo era tratar casais inférteis que procuravam ajuda médica por causa da sua incapacidade para procriarem. Desde o nascimento, em 25 de Julho de 1978, do primeiro ser humano – Louise Brown, no Reino Unido resultante da fecundação de ovócitos, retirados por técnica cirúrgica do ovário da mulher, com espermatozóides, emitidos pelo homem após estimulação peniana, seguida da constituição de embriões em laboratório (in vitro) e da sua introdução no útero, que se instalou um debate técnico-científico, ético-moral, sócio-jurídico, religioso e político, primeiro no Reino Unido e depois na Europa.
A emoção suscitada pelo nascimento do impropriamente chamado “bébé-proveta”, resultou do incontestável valor natural e simbólico da geração de filhos como o meio próprio de garantir a perpetuidade da espécie humana, tal como ocorre nas outras espécies animais gonocóricas, nas quais o filho resulta da união corporal da forma masculina com a forma feminina. Pela primeira vez, uma filha nasceu sem ser resultante da união corporal de homem e mulher: artificialmente, a equipa médico-biológica, substituiu a união dos corpos pela união dos gâmetas, ovócito e espermatozóide, em laboratório, dando depois continuidade ao programa de desenvolvimento próprio do embrião, mesmo constituído in vitro, por meio da sua colocação no útero da mulher da qual tinham sido colhidos os ovócitos.
Apesar da emoção individual e social, potenciada pela carga simbólica da sexualidade e da reprodução, apesar de condenações críticas, éticas, morais e religiosas, apesar da perplexidade para o acolhimento jurídico deste ser humano, fisicamente presente no laboratório mas não nascido, a sócio-cultura prevalecente no Reino Unido adoptou, democraticamente, as sugestões do chamado Warnock Report, legislando, logo em 1985, para proibir a comercialização das mães de substituição, por aluguer comercial e, em 1990, instalando a Human Fertilization and Embryology Authority (HEFA), com as competências fixadas pela lei, designada Human Fertilization and Embryology Act. O que era inaceitável para a sócio-cultura do Reino Unido era que um procedimento tão importante e com tanta expressão no imaginário dos cidadãos comuns e na exigência de rigor das práticas médicas, pudesse acontecer fora de um enquadramento legal adequado e rigoroso, mas capaz de evoluir nas suas disposições face ao progresso científico nesta área.
A procriação humana artificial, ou medicamente ajudada, por fertilização ovocitária in vitro com transferência intra-uterina de embriões ou por transferência intra-tubar de ovócitos e espermatozóides, generalizou-se, a partir do Reino Unido, por quase todos os países do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, com apreciável aceitação médica e sóciocultural. Infelizmente, em muitos desses países, sem o enquadramento legal adequado à regulação da procriação medicamente assistida e à prevenção e punição de desvios e perversões a que esta técnica pode dar ocasião, alguns dos quais muito graves como a fertilização de ovócitos humanos por esperma animal ou vice-versa.
Na Alemanha o Benda Report, de 1985, deu origem à lei de defesa dos embriões, em vigor desde Janeiro de 1991. A lei do Reino Unido e a lei Alemã configuram posturas ético-jurídicas bastante afastadas uma da outra, em especial no que respeita ao embrião constituído por fertilização ovocitária fora do corpo da mulher, criando um certo desconforto no plano europeu e abrindo um debate ainda não encerrado. O movimento para a criação de Comités de Ética nos países europeus irrompe como consequência da crescente capacidade de intervenção da biologia e da medicina sobre os seres humanos, com relevo para a transplantação de órgãos e para a transferência para o útero de embriões constituídos fora do corpo da mulher. A França criou, em 1983, o primeiro destes Comités, ao qual chamou Comité Consultatif National d’ Éthique pour les Sciences de la Vie et de la Santé, que logo produziu um parecer sobre « procriação artificial”. Muitos países europeus seguiram este exemplo, com excepção do Reino Unido, Espanha e, até recentemente, a Alemanha, e, os Comités criados, produziram, todos eles, pareceres sobre procriação medicamente assistida.
Portugal criou o seu Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em 1990, que
também produziu um Relatório-Parecer sobre Procriação Medicamente Assistida, em 1993. Contudo, já em Maio de 1986, o Ministro da Justiça, preocupado com a necessidade de o Governo legislar nestas matérias, criou, por Despacho, a Comissão para o Enquadramento das Novas Tecnologias que, em Julho de 1987, elaborou uma proposta de projecto de leisobre a utilização de técnicas de procriação assistida. Como esta proposta não teve seguimento no plano legislativo, o Centro de Direito Bioético da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra publicou, em livro, o essencial do trabalho da Comissão, como documento informativo para a opinião pública. Em Julho de 1997, o Governo apresentou um projecto de proposta de Lei que obteve parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em 1997, e foi posteriormente aprovado, com emendas, pelo Plenário da Assembleia da República; o Presidente da República vetou a promulgação desta lei, devolvendo-a à Assembleia para reapreciação, o que, até ao momento (Fevereiro de 2003), ainda não ocorreu. Não há, portanto, ordenamento jurídico da Procriação Medicamente Assistida, que é, não obstante, praticada nas instituições públicas e em estabelecimentos privados.
Desta prática têm resultado, desde há vários anos, embriões humanos não utilizados para a tentativa de procriação em casais inférteis. Porque não há legislação nem regulamentação desta actividade médica, não é possível saber que destino foi dado, caso a caso, aos embriões humanos não utilizados; no caso de terem sido congelados, todos ou alguns, não se sabe o seu número (centenas? milhares?), nem se a congelação é mantida indefinidamente ou se se usa um prazo limite (três, cinco ou dez anos), se alguns foram cedidos para investigação, no País ou no estrangeiro; ou ainda, se alguma vez foram usados para outro casal, estéril ou não, diferente do casal com cujos gâmetas foram constituídos.
Se é inaceitável a ausência de lei reguladora da procriação medicamente assistida – como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, repetidamente, assinalou nos seus relatórios anuais, remetidos ao Primeiro Ministro, nos termos da Lei 14/90, de 9 de Junho – é intolerável que não haja disposição legal sobre o destino de embriões resultantes de fertilização in vitro terapêutica e que, por causas várias, são excluídos de qualquer projecto parental, saindo, de facto, do âmbito da procriação medicamente assistida; ou sobre embriões que são constituídos, não para tratamento de infertilidade conjugal, mas, apenas, para serem usados em investigação destrutiva.
A emoção suscitada pelo nascimento do impropriamente chamado “bébé-proveta”, resultou do incontestável valor natural e simbólico da geração de filhos como o meio próprio de garantir a perpetuidade da espécie humana, tal como ocorre nas outras espécies animais gonocóricas, nas quais o filho resulta da união corporal da forma masculina com a forma feminina. Pela primeira vez, uma filha nasceu sem ser resultante da união corporal de homem e mulher: artificialmente, a equipa médico-biológica, substituiu a união dos corpos pela união dos gâmetas, ovócito e espermatozóide, em laboratório, dando depois continuidade ao programa de desenvolvimento próprio do embrião, mesmo constituído in vitro, por meio da sua colocação no útero da mulher da qual tinham sido colhidos os ovócitos.
Apesar da emoção individual e social, potenciada pela carga simbólica da sexualidade e da reprodução, apesar de condenações críticas, éticas, morais e religiosas, apesar da perplexidade para o acolhimento jurídico deste ser humano, fisicamente presente no laboratório mas não nascido, a sócio-cultura prevalecente no Reino Unido adoptou, democraticamente, as sugestões do chamado Warnock Report, legislando, logo em 1985, para proibir a comercialização das mães de substituição, por aluguer comercial e, em 1990, instalando a Human Fertilization and Embryology Authority (HEFA), com as competências fixadas pela lei, designada Human Fertilization and Embryology Act. O que era inaceitável para a sócio-cultura do Reino Unido era que um procedimento tão importante e com tanta expressão no imaginário dos cidadãos comuns e na exigência de rigor das práticas médicas, pudesse acontecer fora de um enquadramento legal adequado e rigoroso, mas capaz de evoluir nas suas disposições face ao progresso científico nesta área.
A procriação humana artificial, ou medicamente ajudada, por fertilização ovocitária in vitro com transferência intra-uterina de embriões ou por transferência intra-tubar de ovócitos e espermatozóides, generalizou-se, a partir do Reino Unido, por quase todos os países do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, com apreciável aceitação médica e sóciocultural. Infelizmente, em muitos desses países, sem o enquadramento legal adequado à regulação da procriação medicamente assistida e à prevenção e punição de desvios e perversões a que esta técnica pode dar ocasião, alguns dos quais muito graves como a fertilização de ovócitos humanos por esperma animal ou vice-versa.
Na Alemanha o Benda Report, de 1985, deu origem à lei de defesa dos embriões, em vigor desde Janeiro de 1991. A lei do Reino Unido e a lei Alemã configuram posturas ético-jurídicas bastante afastadas uma da outra, em especial no que respeita ao embrião constituído por fertilização ovocitária fora do corpo da mulher, criando um certo desconforto no plano europeu e abrindo um debate ainda não encerrado. O movimento para a criação de Comités de Ética nos países europeus irrompe como consequência da crescente capacidade de intervenção da biologia e da medicina sobre os seres humanos, com relevo para a transplantação de órgãos e para a transferência para o útero de embriões constituídos fora do corpo da mulher. A França criou, em 1983, o primeiro destes Comités, ao qual chamou Comité Consultatif National d’ Éthique pour les Sciences de la Vie et de la Santé, que logo produziu um parecer sobre « procriação artificial”. Muitos países europeus seguiram este exemplo, com excepção do Reino Unido, Espanha e, até recentemente, a Alemanha, e, os Comités criados, produziram, todos eles, pareceres sobre procriação medicamente assistida.
Portugal criou o seu Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em 1990, que
também produziu um Relatório-Parecer sobre Procriação Medicamente Assistida, em 1993. Contudo, já em Maio de 1986, o Ministro da Justiça, preocupado com a necessidade de o Governo legislar nestas matérias, criou, por Despacho, a Comissão para o Enquadramento das Novas Tecnologias que, em Julho de 1987, elaborou uma proposta de projecto de leisobre a utilização de técnicas de procriação assistida. Como esta proposta não teve seguimento no plano legislativo, o Centro de Direito Bioético da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra publicou, em livro, o essencial do trabalho da Comissão, como documento informativo para a opinião pública. Em Julho de 1997, o Governo apresentou um projecto de proposta de Lei que obteve parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em 1997, e foi posteriormente aprovado, com emendas, pelo Plenário da Assembleia da República; o Presidente da República vetou a promulgação desta lei, devolvendo-a à Assembleia para reapreciação, o que, até ao momento (Fevereiro de 2003), ainda não ocorreu. Não há, portanto, ordenamento jurídico da Procriação Medicamente Assistida, que é, não obstante, praticada nas instituições públicas e em estabelecimentos privados.
Desta prática têm resultado, desde há vários anos, embriões humanos não utilizados para a tentativa de procriação em casais inférteis. Porque não há legislação nem regulamentação desta actividade médica, não é possível saber que destino foi dado, caso a caso, aos embriões humanos não utilizados; no caso de terem sido congelados, todos ou alguns, não se sabe o seu número (centenas? milhares?), nem se a congelação é mantida indefinidamente ou se se usa um prazo limite (três, cinco ou dez anos), se alguns foram cedidos para investigação, no País ou no estrangeiro; ou ainda, se alguma vez foram usados para outro casal, estéril ou não, diferente do casal com cujos gâmetas foram constituídos.
Se é inaceitável a ausência de lei reguladora da procriação medicamente assistida – como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, repetidamente, assinalou nos seus relatórios anuais, remetidos ao Primeiro Ministro, nos termos da Lei 14/90, de 9 de Junho – é intolerável que não haja disposição legal sobre o destino de embriões resultantes de fertilização in vitro terapêutica e que, por causas várias, são excluídos de qualquer projecto parental, saindo, de facto, do âmbito da procriação medicamente assistida; ou sobre embriões que são constituídos, não para tratamento de infertilidade conjugal, mas, apenas, para serem usados em investigação destrutiva.
A ausência de legislação relativa a embriões humanos, existentes de facto, pode fazer passar, para os investigadores biomédicos e para o público em geral, a mensagem de se tratar de algo disponível porque sobrou. A caracterização do embrião humano como sobrante ou excedentário tem a óbvia conotação de que é algo de que se pode dispor livremente (o que sobra, em regra, inutiliza-se ou é destruído por reciclagem).
Em suma: existindo, em Portugal, embriões excluídos de qualquer projecto parental e sendo seguro que não é possível evitar, em absoluto, a ocorrência de embriões nessas condições, excepto se for adoptado o modelo legislativo alemão, torna-se necessário ponderar, para já, na criação de textos legislativos que regulem o uso de tais embriões em investigação científica. Sem prejuízo de reconhecer e dar valor aos Centros, como o Sector de Estudos de Medicina da Reprodução dos Hospitais da Universidade de Coimbra e a sua Unidade de Procriação Assistida, que praticam a transferência intra-tubar de gâmetas (G.I.F.T.) ou a fecundação in vitro, neste caso sempre sem constituição de embriões excedentários, em sintonia, desde há 17 anos, com o que se pratica na Alemanha e noutros Estados Europeus, bem como em Hospitais do Canadá e de alguns Estados Norte-Americanos.
O Ministério da Ciência e do Ensino Superior entendeu útil a preparação de um documento informativo, um Livro Branco, sobre os aspectos mais pertinentes e sensíveis da investigação com embriões humanos de modo a tornar possível um debate, tão amplo quanto for exequível, abrangendo os cidadãos sem interesses específicos no tema, a partir de uma informação isenta e compreensível para todos.
Fui encarregado desta difícil tarefa, certamente por estar a presidir, desde há cinco anos, a um Grupo de Trabalho do Conselho da Europa, que prepara um instrumento legislativo a ser anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Biomedicina, sobre a protecção do embrião e do feto.
Não foi tarefa fácil porque são muito numerosas e extensas as publicações nacionais sobre este tema e múltiplos os documentos internacionais nos quais, directa ou indirectamente, o tema da investigação em embriões é desenvolvido e analisado nas perspectivas ético-morais, científico-técnicas, sócio-culturais e jurídico-políticas.
Muitas destas publicações, nacionais e internacionais, estão escritas com o rigor da linguagem própria a cada uma de tais perspectivas: a reflexão filosófica, a análise de factos, a antropogénese e a génese do Estado de Direito.
Optei por ser um mediador, em relação ao público em geral, tentando apresentar, em linguagem simples e comunicativa, os argumentos que têm sido trazidos ao debate por grandes especialistas, nacionais e estrangeiros, de cada uma das áreas que se ocupam do embrião humano in vitro, sem a preocupação do aparato das referências bibliográficas para suporte das minhas afirmações, não citando os autores nem os livros ou artigos. Nem mesmo referindo, especificamente, os contributos orais e escritos que recebi numa reunião de informação com vários especialistas das áreas científica, ética, jurídica e política, organizada pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, em 24 de Janeiro. Contudo, em Anexo, é referida parte do acervo bibliográfico que utilizei, o qual estará disponível para consulta durante o período de debate público, na Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia.
Um Livro Branco com estas características tem de ser escrito por uma só pessoa para garantir a unidade do estilo. Mas comigo estarão os peritos do Grupo de Trabalho do Conselho da Europa que tenho presidido, as personalidades, tão diversas, que pude ouvir na referida reunião de trabalho de 24 de Janeiro e que me enviaram, por escrito, o resumo das suas intervenções, todos os que se têm pronunciado na Rádio, na Imprensa e na Televisão, ou me enviaram as suas opiniões por escrito, muitos outros que consultei directamente e toda uma pesada bibliografia, nacional e estrangeira, que tenho consultado, nestes últimos anos, por dever de ofício.
O embrião humano, como alguém escreveu, é um sinal de contradição na actual sociedade e nos países desenvolvidos, o que torna o debate marcado, emocional e intelectualmente, pelo sentimento de se estar num ou noutro campo da controvérsia ética, moral, científica, jurídica e até religiosa, na medida em que a religião influencia a sócio-cultura de cada povo e as suas opções básicas.
Cabe à opinião pública opinar e cabe ao Governo decidir, ponderando todos os interesses e convicções que se movimentam neste difícil campo que é o de usar embriões humanos em investigação científica.
Por mim esforcei-me por navegar a igual distância das posições contrastantes, pondo entre parêntesis as minhas opções pessoais. Se o não consegui, as minhas desculpas.
2. Posições de princípio sobre a natureza do embrião humano: filosóficas, ético - culturais e jurídicas Para um biologista o embrião humano é uma célula totipotente, um grupo de células contíguas ou um organismo multicelular, que tenha a capacidade, inerente e actual, de desenvolvimento num ser específico da espécie humana, desde que disponha do ambiente apropriado.
Esta caracterização ou outras semelhantes, acentuam que não há embrião enquanto não se der a reunião do material génico masculino com o feminino, formando-se uma célula com os quarenta e seis cromossomas próprios da espécie humana. Uma vez constituída, esta célula desenvolve um programa próprio de crescimento contínuo, inscrito no genoma, em interacção com factores epigenómicos, e cuja expressão só termina com a morte corporal.
Um ovo de galinha, por exemplo, isolado pela casca e aquecido à temperatura adequada, transforma a gema e a clara em poucas semanas num pinto com capacidade para partir a casca, e iniciar uma vida autónoma. Com o ovo humano (zigoto, embrião) o processo é o mesmo mas mais demorado, carecendo de receber materiais nutritivos da mãe para o seu desenvolvimento a partir da expressão do programa genómico nuclear (desenvolvimento ovovivíparo).
O embrião humano é um ovo humano em desenvolvimento; viajando na trompa e, depois, fixando-se no útero, ele procede à constituição progressiva de um ser humano capaz de sobreviver em meio aéreo, fora do corpo da mulher; constituído no laboratório, revelará a
sua capacidade intrínseca para se desenvolver, durante 6 a 7 dias, fora do corpo da mulher; mas não mais, por falta de componentes epigenómicos que o meio de cultura laboratorial não pode ainda fornecer. Não há embriões in vitro com 14 dias.
Portanto, do que se trata é de um ser humano nas primeiras fases do seu desenvolvimento contínuo, fora de um corpo de mulher, e que irá suspender o desenvolvimento e morrer pelo 7º - 8º dia de cultura se não for transferido para um útero. Uma congelação, a muita baixa temperatura, pode impedir esta evolução fatal sem interferir, significativamente, com a capacidade de procriar se, após ser reconduzido à temperatura corporal, for transferido para um útero de mulher.
O Ministério da Ciência e do Ensino Superior entendeu útil a preparação de um documento informativo, um Livro Branco, sobre os aspectos mais pertinentes e sensíveis da investigação com embriões humanos de modo a tornar possível um debate, tão amplo quanto for exequível, abrangendo os cidadãos sem interesses específicos no tema, a partir de uma informação isenta e compreensível para todos.
Fui encarregado desta difícil tarefa, certamente por estar a presidir, desde há cinco anos, a um Grupo de Trabalho do Conselho da Europa, que prepara um instrumento legislativo a ser anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Biomedicina, sobre a protecção do embrião e do feto.
Não foi tarefa fácil porque são muito numerosas e extensas as publicações nacionais sobre este tema e múltiplos os documentos internacionais nos quais, directa ou indirectamente, o tema da investigação em embriões é desenvolvido e analisado nas perspectivas ético-morais, científico-técnicas, sócio-culturais e jurídico-políticas.
Muitas destas publicações, nacionais e internacionais, estão escritas com o rigor da linguagem própria a cada uma de tais perspectivas: a reflexão filosófica, a análise de factos, a antropogénese e a génese do Estado de Direito.
Optei por ser um mediador, em relação ao público em geral, tentando apresentar, em linguagem simples e comunicativa, os argumentos que têm sido trazidos ao debate por grandes especialistas, nacionais e estrangeiros, de cada uma das áreas que se ocupam do embrião humano in vitro, sem a preocupação do aparato das referências bibliográficas para suporte das minhas afirmações, não citando os autores nem os livros ou artigos. Nem mesmo referindo, especificamente, os contributos orais e escritos que recebi numa reunião de informação com vários especialistas das áreas científica, ética, jurídica e política, organizada pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, em 24 de Janeiro. Contudo, em Anexo, é referida parte do acervo bibliográfico que utilizei, o qual estará disponível para consulta durante o período de debate público, na Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia.
Um Livro Branco com estas características tem de ser escrito por uma só pessoa para garantir a unidade do estilo. Mas comigo estarão os peritos do Grupo de Trabalho do Conselho da Europa que tenho presidido, as personalidades, tão diversas, que pude ouvir na referida reunião de trabalho de 24 de Janeiro e que me enviaram, por escrito, o resumo das suas intervenções, todos os que se têm pronunciado na Rádio, na Imprensa e na Televisão, ou me enviaram as suas opiniões por escrito, muitos outros que consultei directamente e toda uma pesada bibliografia, nacional e estrangeira, que tenho consultado, nestes últimos anos, por dever de ofício.
O embrião humano, como alguém escreveu, é um sinal de contradição na actual sociedade e nos países desenvolvidos, o que torna o debate marcado, emocional e intelectualmente, pelo sentimento de se estar num ou noutro campo da controvérsia ética, moral, científica, jurídica e até religiosa, na medida em que a religião influencia a sócio-cultura de cada povo e as suas opções básicas.
Cabe à opinião pública opinar e cabe ao Governo decidir, ponderando todos os interesses e convicções que se movimentam neste difícil campo que é o de usar embriões humanos em investigação científica.
Por mim esforcei-me por navegar a igual distância das posições contrastantes, pondo entre parêntesis as minhas opções pessoais. Se o não consegui, as minhas desculpas.
2. Posições de princípio sobre a natureza do embrião humano: filosóficas, ético - culturais e jurídicas Para um biologista o embrião humano é uma célula totipotente, um grupo de células contíguas ou um organismo multicelular, que tenha a capacidade, inerente e actual, de desenvolvimento num ser específico da espécie humana, desde que disponha do ambiente apropriado.
Esta caracterização ou outras semelhantes, acentuam que não há embrião enquanto não se der a reunião do material génico masculino com o feminino, formando-se uma célula com os quarenta e seis cromossomas próprios da espécie humana. Uma vez constituída, esta célula desenvolve um programa próprio de crescimento contínuo, inscrito no genoma, em interacção com factores epigenómicos, e cuja expressão só termina com a morte corporal.
Um ovo de galinha, por exemplo, isolado pela casca e aquecido à temperatura adequada, transforma a gema e a clara em poucas semanas num pinto com capacidade para partir a casca, e iniciar uma vida autónoma. Com o ovo humano (zigoto, embrião) o processo é o mesmo mas mais demorado, carecendo de receber materiais nutritivos da mãe para o seu desenvolvimento a partir da expressão do programa genómico nuclear (desenvolvimento ovovivíparo).
O embrião humano é um ovo humano em desenvolvimento; viajando na trompa e, depois, fixando-se no útero, ele procede à constituição progressiva de um ser humano capaz de sobreviver em meio aéreo, fora do corpo da mulher; constituído no laboratório, revelará a
sua capacidade intrínseca para se desenvolver, durante 6 a 7 dias, fora do corpo da mulher; mas não mais, por falta de componentes epigenómicos que o meio de cultura laboratorial não pode ainda fornecer. Não há embriões in vitro com 14 dias.
Portanto, do que se trata é de um ser humano nas primeiras fases do seu desenvolvimento contínuo, fora de um corpo de mulher, e que irá suspender o desenvolvimento e morrer pelo 7º - 8º dia de cultura se não for transferido para um útero. Uma congelação, a muita baixa temperatura, pode impedir esta evolução fatal sem interferir, significativamente, com a capacidade de procriar se, após ser reconduzido à temperatura corporal, for transferido para um útero de mulher.
Que valor atribuir a este ente vivo da espécie humana?
2.1. Para os filósofos, que se ocupam da natureza essencial dos entes, ou seja, das características que determinam o que um ente é enquanto tal, o embrião humano é um ente Uso de Embriões Humanos em Investigação Científica 11 vivo da espécie humana e esta noção é quase pacífica. Já não o é o valor a atribuir a este ente no plano ético, moral e religioso.
Só porque é um ente vivo, dizem uns, já deve ser protegido com o maior cuidado visto que o respeito pela vida, em todas as suas manifestações, é um dever bioético; o embrião humano, sendo um ente vivo humano, merece o respeito máximo, porque o homem é um fim em si próprio e nunca um meio que possa ser usado e destruído, ainda que para benefício de outros seres humanos ou de outros seres vivos não humanos.
Mas quando começa este novo ente vivo humano cuja vida deve ser protegida em absoluto, interrogam-se outros.
O instante t do início de uma nova forma de vida humana não é fácil de determinar no plano do conhecimento biológico.
É logo que o espermatozóide passa a barreira da membrana do ovócito e entra no seu
ambiente estrutural com o material genómico que lhe é próprio?
É o apagamento das membranas dos pró-núcleos, masculino e feminino, possibilitando o
início de uma “conversação” bioquímica entre eles?
É quando se dá o emparelhamento e as trocas genómicas entre os pró-núcleos até ao estabelecimento e estabilização da diploidia (zigoto), logo seguida de divisão em duas células, que são totipotentes ainda?
Todo este processo pode durar até 30 horas e durante este tempo desenvolve-se o que designo por embrião nascente.
Há tendência generalizada para marcar o instante t de nascimento do embrião quando, concluída a singamia, está constituído um zigoto, ainda unicelular, mas no qual já há expressão do genoma para desencadear a primeira divisão celular.
Mas há quem afirme que a nova forma de vida humana só atinge o instante t alguns dias mais tarde, quando o genoma deste novo ente vivo da espécie humana se exprime plenamente, de forma autónoma e com independência do genoma dos gâmetas originais (imprint parental).
Há outros que esperam pelo fim da implantação na mucosa uterina para reconhecerem, aí, o instante t, ou seja, afirmam que o início da relação mãe – filho é, de facto, o princípio de uma nova vida humana.
Ainda nesta linha de uso das características de diferenciação deste ente vivo humano, alguns sustentam que só após o aparecimento da linha primitiva e da configuração polarizada doUso de Embriões Humanos em Investigação Científica 12 embrião, o que ocorre cerca do 14º dia, é que estamos em presença, seguramente, de uma, e uma só, nova forma de vida humana.
A reflexão filosófica sobre estes dados da embriologia humana é vastíssima e não pode ser aqui reproduzida ou sequer comentada.
O que parece seguro, aos filósofos, é que a génese (constituição de um programa génico próprio e específico) é muito mais importante para a definição do novo ente, porque é constitutiva, do que a epigénese (factores que promovem e influenciam a expressão génica) que é circunstancial ou “ambiental”. Afirmar que a constituição de um genoma humano é condição necessária, mas não suficiente, para que, ao fim de nove meses de gestação, se possa observar um ente vivo da espécie humana, fora do corpo da mãe, não desvaloriza o argumento de que este genoma, é constitutivo de um novo ente vivo da espécie humana.
Dito de outra forma: os factores externos – transferência para o útero com êxito, nidação conseguida, gravidez sem problemas – não alteram a caracterização biológica do embrião humano in vitro e o seu consequente estatuto moral no interior de uma sociedade democrática com instituições justas.
Esta distinção filosófica e valorativa entre génese e epigénese aplica-se ao argumento, por vezes referido como “naturalista”, que diz que o embrião in vitro não tem direito absoluto à vida porque se for abandonado, na natureza, morre; e porque, no processo “natural” de fertilização, a natureza elimina cerca de 60% dos embriões resultantes de fecundação natural. Logo, dizem, apenas copiamos a natureza quando praticamos investigação destrutiva e, na natureza, o estatuto moral do embrião é baixo e não lhe garante o direito absoluto à vida.
Ora a natureza não é um agente moral pelo que não pode ser apresentada como modelo normativo. Será que quando a natureza, por uma erupção vulcânica ou um terramoto, mata milhares de seres humanos, os homens ficam autorizados a matar outros tantos homens copiando a natureza? Parece bem que não.
A natureza não tem responsabilidade moral, só os homens são entes morais. Claro que um embrião in vitro, abandonado, morre; mas também um recém-nascido, abandonado, morre e ninguém justifica e legitima esta morte usando um tal argumento naturalista.
Admitindo a diversidade de pontos de vista sobre a fixação do instante t, a partir do qual o embrião, como ente vivo humano, deverá ter direito absoluto à vida, muitos filósofos adoptam a postura tuciorista (de tutior) que é a de escolherem a opção mais segura quando há incerteza: a vida do embrião, desde o zigoto, deve ser protegida para se não correr o risco de discriminar seres humanos, instrumentalizando uns em benefício de outros. Para os moralistas e filósofos que adoptam a posição definida pela Igreja Católica não se pode Uso de Embriões Humanos em Investigação Científica 13 afirmar que o embrião é uma pessoa mas é preferível protegê-lo como uma pessoa para evitar o risco de o discriminar, ao admitir a sua destruição para o benefício de outras pessoas. Outras tradições religiosas fazem uma interpretação moral diferente dos factos científicos ou continuam a apoiar-se em noções antigas como a percepção, pela mãe, dos movimentos fetais, para que o feto receba o estatuto legal de pessoa.
2.1. Para os filósofos, que se ocupam da natureza essencial dos entes, ou seja, das características que determinam o que um ente é enquanto tal, o embrião humano é um ente Uso de Embriões Humanos em Investigação Científica 11 vivo da espécie humana e esta noção é quase pacífica. Já não o é o valor a atribuir a este ente no plano ético, moral e religioso.
Só porque é um ente vivo, dizem uns, já deve ser protegido com o maior cuidado visto que o respeito pela vida, em todas as suas manifestações, é um dever bioético; o embrião humano, sendo um ente vivo humano, merece o respeito máximo, porque o homem é um fim em si próprio e nunca um meio que possa ser usado e destruído, ainda que para benefício de outros seres humanos ou de outros seres vivos não humanos.
Mas quando começa este novo ente vivo humano cuja vida deve ser protegida em absoluto, interrogam-se outros.
O instante t do início de uma nova forma de vida humana não é fácil de determinar no plano do conhecimento biológico.
É logo que o espermatozóide passa a barreira da membrana do ovócito e entra no seu
ambiente estrutural com o material genómico que lhe é próprio?
É o apagamento das membranas dos pró-núcleos, masculino e feminino, possibilitando o
início de uma “conversação” bioquímica entre eles?
É quando se dá o emparelhamento e as trocas genómicas entre os pró-núcleos até ao estabelecimento e estabilização da diploidia (zigoto), logo seguida de divisão em duas células, que são totipotentes ainda?
Todo este processo pode durar até 30 horas e durante este tempo desenvolve-se o que designo por embrião nascente.
Há tendência generalizada para marcar o instante t de nascimento do embrião quando, concluída a singamia, está constituído um zigoto, ainda unicelular, mas no qual já há expressão do genoma para desencadear a primeira divisão celular.
Mas há quem afirme que a nova forma de vida humana só atinge o instante t alguns dias mais tarde, quando o genoma deste novo ente vivo da espécie humana se exprime plenamente, de forma autónoma e com independência do genoma dos gâmetas originais (imprint parental).
Há outros que esperam pelo fim da implantação na mucosa uterina para reconhecerem, aí, o instante t, ou seja, afirmam que o início da relação mãe – filho é, de facto, o princípio de uma nova vida humana.
Ainda nesta linha de uso das características de diferenciação deste ente vivo humano, alguns sustentam que só após o aparecimento da linha primitiva e da configuração polarizada doUso de Embriões Humanos em Investigação Científica 12 embrião, o que ocorre cerca do 14º dia, é que estamos em presença, seguramente, de uma, e uma só, nova forma de vida humana.
A reflexão filosófica sobre estes dados da embriologia humana é vastíssima e não pode ser aqui reproduzida ou sequer comentada.
O que parece seguro, aos filósofos, é que a génese (constituição de um programa génico próprio e específico) é muito mais importante para a definição do novo ente, porque é constitutiva, do que a epigénese (factores que promovem e influenciam a expressão génica) que é circunstancial ou “ambiental”. Afirmar que a constituição de um genoma humano é condição necessária, mas não suficiente, para que, ao fim de nove meses de gestação, se possa observar um ente vivo da espécie humana, fora do corpo da mãe, não desvaloriza o argumento de que este genoma, é constitutivo de um novo ente vivo da espécie humana.
Dito de outra forma: os factores externos – transferência para o útero com êxito, nidação conseguida, gravidez sem problemas – não alteram a caracterização biológica do embrião humano in vitro e o seu consequente estatuto moral no interior de uma sociedade democrática com instituições justas.
Esta distinção filosófica e valorativa entre génese e epigénese aplica-se ao argumento, por vezes referido como “naturalista”, que diz que o embrião in vitro não tem direito absoluto à vida porque se for abandonado, na natureza, morre; e porque, no processo “natural” de fertilização, a natureza elimina cerca de 60% dos embriões resultantes de fecundação natural. Logo, dizem, apenas copiamos a natureza quando praticamos investigação destrutiva e, na natureza, o estatuto moral do embrião é baixo e não lhe garante o direito absoluto à vida.
Ora a natureza não é um agente moral pelo que não pode ser apresentada como modelo normativo. Será que quando a natureza, por uma erupção vulcânica ou um terramoto, mata milhares de seres humanos, os homens ficam autorizados a matar outros tantos homens copiando a natureza? Parece bem que não.
A natureza não tem responsabilidade moral, só os homens são entes morais. Claro que um embrião in vitro, abandonado, morre; mas também um recém-nascido, abandonado, morre e ninguém justifica e legitima esta morte usando um tal argumento naturalista.
Admitindo a diversidade de pontos de vista sobre a fixação do instante t, a partir do qual o embrião, como ente vivo humano, deverá ter direito absoluto à vida, muitos filósofos adoptam a postura tuciorista (de tutior) que é a de escolherem a opção mais segura quando há incerteza: a vida do embrião, desde o zigoto, deve ser protegida para se não correr o risco de discriminar seres humanos, instrumentalizando uns em benefício de outros. Para os moralistas e filósofos que adoptam a posição definida pela Igreja Católica não se pode Uso de Embriões Humanos em Investigação Científica 13 afirmar que o embrião é uma pessoa mas é preferível protegê-lo como uma pessoa para evitar o risco de o discriminar, ao admitir a sua destruição para o benefício de outras pessoas. Outras tradições religiosas fazem uma interpretação moral diferente dos factos científicos ou continuam a apoiar-se em noções antigas como a percepção, pela mãe, dos movimentos fetais, para que o feto receba o estatuto legal de pessoa.
2.2. Para a reflexão ética o que está em causa, nas decisões pessoais, é a ética individual e os valores individuais. Cada cidadão, como pessoa individual, tem o direito e o dever de assumir uma posição, após informação honesta e compreensível, segundo os seus valores. O médico, o biólogo e o casal, envolvidos num processo de procriação in vitro, devem sentir-se livres para decidirem sobre a natureza do embrião e sobre o que autorizam ou não autorizam que lhes seja feito. Para as decisões sociais intervêm a ética e os valores sociais; aqueles valores que asseguram a coesão social e as liberdades públicas.
Vejamos algumas posturas éticas internacionais.
O Artigo 2º da Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina, do Conselho da Europa, já vigente em Portugal, diz textualmente: “O interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da ciência”.
Esta disposição cria uma norma orientadora que nos deve conduzir à ponderação do interesse e do bem-estar do embrião antes de ponderar o que a sociedade ou a ciência podem querer desse embrião.
Nesta linha ética, o Art. 18º, nº 1, da citada Convenção, afirma que a lei deve proteger adequadamente o embrião sempre que seja autorizado usá-lo em investigação. E reforça este cuidado no nº 2 do mesmo Artigo, proibindo a constituição de embriões apenas para os usar em investigação; subjacente a esta proibição está o conceito ético de que o embrião humano não é algo de que se possa dispor livremente, não é uma coisa ou um simples bem de consumo.
Tendo participado, activamente, nos debates para a redacção da Convenção não tenho
dúvidas de interpretação quanto à leitura do nº 1 do Artigo 18º: Em esquema é assim:
a) Não é eticamente aceitável que um País utilize embriões humanos para investigação
sem ter legislação que regule tal prática;
b) Qualquer País pode ter legislação que proíba o uso de embriões humanos em investigação (Artigo 27º da mesma Convenção);
c) Um País que legisle autorizando esta investigação deve proteger, adequadamente, na legislação produzida, os embriões humanos a utilizar. Na verdade o que o Comité Director de Bioética quis afirmar neste Artigo é que não toma posição, nem emite um juízo de valor sobre a qualidade ética da decisão social de realizar, ou não, investigação destrutiva em embriões humanos; o que afirma é que se um País decidir autorizar tal investigação deve fazê-lo no quadro de uma lei que assegure, da forma que tal País considere adequada, a protecção do embrião. Esta afirmação subentende que o embrião não é uma coisa, embora o Plenário do CDBI tenha decidido não fixar nenhum conceito de embrião.
Portanto, decidir que protecção é adequada para a salvaguarda dos interesses do embrião humano, em primeiro lugar, e depois dos interesses da sociedade e da ciência, é a questão ética essencial e a Convenção entrega-a à ponderação ética de cada uma das sócio-culturas presentes nos 44 Países do Conselho da Europa.
Nesta ponderação há lugar para a invocação da ética individual, que diz respeito ao que a pessoa, em sua auto-consciência, decide em relação ao embrião humano in vitro. E há lugar para a intervenção da ética social com participação de todas as posturas éticas ligadas a valores sócio-culturais presentes nas sociedades modernas democráticas e plurais.
A tensão entre ética individual e éticas sociais é não só inevitável como saudável para dar a cada um o espaço necessário à sua realização, simultaneamente como Pessoa e como membro de uma Sociedade Civil, politicamente organizada em Estado. São responsabilidades de nível diferente, mas ambas importantes, quer a pessoa seja um cidadão comum, um investigador, um profissional de saúde, um filósofo, um jurista ou um detentor de poder político.
É no exercício desta tensão entre a ética pessoal e a eticidade social que terá de ser encontrada a forma adequada de proteger o embrião humano, em Portugal.
Esta disposição cria uma norma orientadora que nos deve conduzir à ponderação do interesse e do bem-estar do embrião antes de ponderar o que a sociedade ou a ciência podem querer desse embrião.
Nesta linha ética, o Art. 18º, nº 1, da citada Convenção, afirma que a lei deve proteger adequadamente o embrião sempre que seja autorizado usá-lo em investigação. E reforça este cuidado no nº 2 do mesmo Artigo, proibindo a constituição de embriões apenas para os usar em investigação; subjacente a esta proibição está o conceito ético de que o embrião humano não é algo de que se possa dispor livremente, não é uma coisa ou um simples bem de consumo.
Tendo participado, activamente, nos debates para a redacção da Convenção não tenho
dúvidas de interpretação quanto à leitura do nº 1 do Artigo 18º: Em esquema é assim:
a) Não é eticamente aceitável que um País utilize embriões humanos para investigação
sem ter legislação que regule tal prática;
b) Qualquer País pode ter legislação que proíba o uso de embriões humanos em investigação (Artigo 27º da mesma Convenção);
c) Um País que legisle autorizando esta investigação deve proteger, adequadamente, na legislação produzida, os embriões humanos a utilizar. Na verdade o que o Comité Director de Bioética quis afirmar neste Artigo é que não toma posição, nem emite um juízo de valor sobre a qualidade ética da decisão social de realizar, ou não, investigação destrutiva em embriões humanos; o que afirma é que se um País decidir autorizar tal investigação deve fazê-lo no quadro de uma lei que assegure, da forma que tal País considere adequada, a protecção do embrião. Esta afirmação subentende que o embrião não é uma coisa, embora o Plenário do CDBI tenha decidido não fixar nenhum conceito de embrião.
Portanto, decidir que protecção é adequada para a salvaguarda dos interesses do embrião humano, em primeiro lugar, e depois dos interesses da sociedade e da ciência, é a questão ética essencial e a Convenção entrega-a à ponderação ética de cada uma das sócio-culturas presentes nos 44 Países do Conselho da Europa.
Nesta ponderação há lugar para a invocação da ética individual, que diz respeito ao que a pessoa, em sua auto-consciência, decide em relação ao embrião humano in vitro. E há lugar para a intervenção da ética social com participação de todas as posturas éticas ligadas a valores sócio-culturais presentes nas sociedades modernas democráticas e plurais.
A tensão entre ética individual e éticas sociais é não só inevitável como saudável para dar a cada um o espaço necessário à sua realização, simultaneamente como Pessoa e como membro de uma Sociedade Civil, politicamente organizada em Estado. São responsabilidades de nível diferente, mas ambas importantes, quer a pessoa seja um cidadão comum, um investigador, um profissional de saúde, um filósofo, um jurista ou um detentor de poder político.
É no exercício desta tensão entre a ética pessoal e a eticidade social que terá de ser encontrada a forma adequada de proteger o embrião humano, em Portugal.
3. Que pode fazer-se com embriões humanos, constituídos para um projecto de parentalidade de um casal infértil e que, por motivos diversos, foram excluídos desse projecto parental?
A primeira postura ética é a de que tais embriões não deviam existir nunca, pelo que qualquer decisão ética sobre o seu destino é, à partida, eticamente inaceitável; sendo o embrião humano in vitro, sem projecto parental, um sujeito eticamente inaceitável toda a decisão sobre ele está ferida pela mesma inaceitabilidade ética.
Portanto não há nenhuma solução que realize o bem de embriões humanos excluídos do projecto parental, projecto este que justificou, eticamente, a sua constituição.
Assim sendo, toda a investigação que não seja directamente terapêutica e benéfica para os embriões humanos deve ser considerada moralmente ilícita.
Esta postura foi acolhida na legislação alemã que, por considerar ilícita a investigação em embriões humanos, proíbe a constituição de um número de embriões superior aos que vão ser utilizados para uma ou mais tentativas de procriação, num casal estéril, permitindo apenas a crio-conservação de ovócitos em processo de fertilização mas na fase que precede a singamia.
Quando porém, existem, de facto, embriões crio-conservados e excluídos de qualquer projecto parental há que fazer sobre eles uma reflexão ética para determinar que investigação poderá ser admitida.
Será que a situação de excluídos os priva do estatuto de entes humanos vivos?
Parece que não. Pelo que a primeira proposta, com razoável qualidade ética, é obter o consentimento dos progenitores para que outro casal, estéril ou não, possa receber o embrião que assim vai poder concluir o projecto de desenvolvimento que lhe é próprio. Não havendo ganho financeiro para o casal doador ou para o casal receptor, esta solução é, eticamente, aceitável. Haverá que resolver como acomodar esta situação com o direito da criança a conhecer os seus pais biológicos e o direito destes a não assumirem quaisquer responsabilidades, a nenhum nível, em relação a este seu filho biológico doado.
Em relação aos que foram, definitivamente, excluídos do seu projecto de desenvolvimento e vão perder a qualidade de entes vivos humanos, será que esta perda, então já inevitável, diminui o seu estatuto moral e, portanto, o seu direito à protecção adequada?
Há uma corrente de pensamento ético que considera que ao embrião humano in vitro não pode ser atribuído o direito à inviolabilidade pelo que a protecção a conceder-lhe deve ser equilibrada com a relevância ética do estatuto moral que lhes for concedido ou atribuído. Os que recusam toda a argumentação que vai seguir-se consideram eticamente inaceitável a postura de “conceder” ou “atribuir” um estatuto ao embrião porque este o tem per se, pela sua própria natureza humana cabendo apenas, aos outros humanos, “reconhecer” tal estatuto e actuar em conformidade.
Na construção do estatuto moral a conceder ou a atribuir ao embrião in vitro, sem projecto parental, ponderam-se qualidades e interesses. Por ordem decrescente é assim:
a) O embrião humano, em qualquer situação, não é uma pessoa, pelo que não tem as qualidades e os interesses que justificam o direito moral à sua integridade e aos outros direitos e liberdades fundamentais (ver Artigo 1º da Convenção já citada); mas deve ter assegurada a protecção da sua dignidade e da sua identidade, (nos termos da primeira parte do mesmo Artigo 1º da Convenção);
b) Não é um ser humano em desenvolvimento, porque perdeu esta capacidade intrínseca ao ser excluído do projecto parental. Independentemente do juízo moral que possa ser emitido sobre a exclusão, a realidade empírica a avaliar é a de um ente humano que nunca se desenvolverá como ser humano nem como pessoa. Esta qualidade inferior e a inexistência de interesses próprios atendíveis apela a uma protecção que impeça apenas o seu uso para fins fúteis ou irrelevantes;
c) Embora seja um ente vivo humano foi colocado em situação de perda, a curto prazo, da qualidade vital, perecendo de forma irremediável. A impossibilidade de conservar a vida exclui, da protecção adequada, a protecção da vida, pelo que será eticamente aceitável realizar investigações destrutivas;
d) O embrião humano in vitro, com ou sem projecto parental, é um mero aglomerado de células humanas, sem qualidades nem interesses próprios atendíveis, pelo que não deve gozar de qualquer estatuto moral e pode ser usado livremente em qualquer tipo de investigação.
Que investigação poderá ser eticamente aceitável segundo os quatro níveis do estatuto moral concedido ao embrião humano?
a) Deve ser autorizada apenas a investigação que, embora destrutiva para os embriões usados, se destina a obter resultados benéficos para os embriões em geral como, por exemplo, melhoria dos meios de cultura para o desenvolvimento e a crioconservação, melhoria da biopsia de blastómeros para diagnóstico pré-implantatório de doenças genéticas, aperfeiçoamento dos critérios visuais de avaliação da viabilidade em culturas prolongadas, etc., etc.;
b) Será de autorizar qualquer investigação que seja cientificamente muito relevante mesmo que os resultados esperados não se relacionem directamente com a morfologia ou a fisiologia do embrião in vitro mas se relacionem, por exemplo, com a biologia celular da cancerização ou com a diferenciação dirigida de células stem (estaminais) embrionárias, com o objectivo de obter células que possam vir a ser usadas como terapêutica no que começa a designar-se por medicina de substituição;
c) Poderão aceitar-se investigações que não só sejam destrutivas, como em a) e b), mas que prossigam finalidades não relacionadas com a biologia humana da reprodução nem com finalidades beneficentes para a saúde humana, mas apenas dirigidas a problemas de biologia e fisiologia celular em geral;
d) Qualquer investigação com ou sem relevância científica poderá ser realizada usando embriões como qualquer outro produto biológico, animal ou vegetal.
4. Pontos de vista dos investigadores da área da embriologia experimental
Assim como, na procriação medicamente assistida, há grupos que não constituem nunca
embriões excedentários, independentemente de a lei o autorizar ou não, ou mesmo em situações de vazio legal como é o caso no nosso País, também há embriologistas que só investigam em embriões animais, ou que só praticam investigação observacional, não lesiva, transferindo depois os embriões para o útero.
Outros consideram que a fertilização in vitro foi, desde o princípio, uma técnica experimental que continua, ainda hoje, a ter carácter experimental, pelo que a investigação é essencial ao próprio desenvolvimento técnico e à obtenção de melhores e mais benéficos resultados; dão como exemplo a injecção intra-citoplasmática ovocitária de espermatides, (ICSI), que permitiu reduzir, significativamente, o recurso a esperma de dador; recurso por muitos considerado de eticidade duvidosa, na perspectiva do tratamento da infertilidade conjugal, por constituir como que uma infidelidade conjugal, consentida pelo casal e praticada pelo médico.
Estes grupos só desejam praticar investigação estritamente ligada ao processo de procriação assistida e a projectos de melhoria da performance do método a partir de um mais profundo conhecimento da biologia do embrião in vitro. Reconhecem e aprovam a necessidade de autorizar a investigação, com base em projectos avaliados por peritos independentes, caso a caso, e aceitam a fiscalização sucessiva do desenvolvimento da investigação pelos peritos que a autorizaram. Consideram, ainda, necessária, após o reconhecimento da pertinência científica, a avaliação por uma Comissão de Ética, pluridisciplinar, de investigação científica, cujos pareceres serão vinculativos para a entidade financiadora.
Há ainda biólogos e biologistas moleculares que trabalham desligados dos Centros e Clínicas de procriação medicamente assistida, os quais desejam dispor de embriões humanos como “material” para investigações de biologia celular, de oncobiologia e de diferenciação dirigida.
Estão neste grupo os que colhem células pluripotentes na placa embrionária para conseguirem cultivá-las, imortalizá-las e promover a sua diferenciação, procurando confirmar, no Homem, os prometedores resultados obtidos no Rato, em diferenciação dirigida para células nervosas, células musculares estriadas e células do sangue. Estes grupos, particularmente, no Reino Unido, não estabelecem uma ligação ética entre o “material” biológico que estão a usar e o vínculo desse material a duas pessoas humanas com cujos gâmetas esse “material” foi constituído, nem com a pessoa em que se transformaria, caso lhe fossem dadas as condições extragenómicas. Afirmam que, no plano ético, não lhes repugna este uso, cujo objectivo é elevado e beneficente, no futuro; embora à custa da destruição, de qualquer modo inevitável, de alguns embriões humanos, no presente.
5. A investigação em “embriões” obtidos por transferência nuclear de células somáticas (clonagem)
Os problemas éticos e jurídicos da investigação em embriões humanos aumentaram com a possibilidade de cultivar células humanas pluripotentes obtidas em embriões humanos excedentários e com a descoberta de que o artefacto técnico resultante da transferência de um núcleo de uma célula diferenciada de um adulto para um ovócito sem núcleo, da mesma espécie, pode comportar-se in vitro como um embrião e, nalgumas espécies, desenvolver-se, in vivo e in utero, como um embrião, possibilitando, raras vezes, o nascimento de um ser vivo da mesma espécie. Este ser vivo é constituído a partir de um conjunto de genes, já existentes e já actuantes no ser vivo do qual a célula diferenciada foi extraída – e por isso se lhe chama clone (termo não dicionarizado, usado neste contexto com o sentido de cópia).
Quanto ao uso dos embriões excedentários para colheita das células stem, a reflexão ética tem seguido as mesmas linhas do que foi apresentado para a investigação em geral, dando como adquirida a proibição de criar embriões humanos apenas para os usar em investigação.
Pelo contrário, o uso da transferência nuclear de células somáticas diferenciadas, do adulto, para obtenção de células stem pluripotentes cria problemas novos, científico-técnicos e éticosociais, além de agudizar uma forma de manipulação da opinião pública, à qual começa a chamar-se “política de linguagem”.
A primeira postura ética é a de que tais embriões não deviam existir nunca, pelo que qualquer decisão ética sobre o seu destino é, à partida, eticamente inaceitável; sendo o embrião humano in vitro, sem projecto parental, um sujeito eticamente inaceitável toda a decisão sobre ele está ferida pela mesma inaceitabilidade ética.
Portanto não há nenhuma solução que realize o bem de embriões humanos excluídos do projecto parental, projecto este que justificou, eticamente, a sua constituição.
Assim sendo, toda a investigação que não seja directamente terapêutica e benéfica para os embriões humanos deve ser considerada moralmente ilícita.
Esta postura foi acolhida na legislação alemã que, por considerar ilícita a investigação em embriões humanos, proíbe a constituição de um número de embriões superior aos que vão ser utilizados para uma ou mais tentativas de procriação, num casal estéril, permitindo apenas a crio-conservação de ovócitos em processo de fertilização mas na fase que precede a singamia.
Quando porém, existem, de facto, embriões crio-conservados e excluídos de qualquer projecto parental há que fazer sobre eles uma reflexão ética para determinar que investigação poderá ser admitida.
Será que a situação de excluídos os priva do estatuto de entes humanos vivos?
Parece que não. Pelo que a primeira proposta, com razoável qualidade ética, é obter o consentimento dos progenitores para que outro casal, estéril ou não, possa receber o embrião que assim vai poder concluir o projecto de desenvolvimento que lhe é próprio. Não havendo ganho financeiro para o casal doador ou para o casal receptor, esta solução é, eticamente, aceitável. Haverá que resolver como acomodar esta situação com o direito da criança a conhecer os seus pais biológicos e o direito destes a não assumirem quaisquer responsabilidades, a nenhum nível, em relação a este seu filho biológico doado.
Em relação aos que foram, definitivamente, excluídos do seu projecto de desenvolvimento e vão perder a qualidade de entes vivos humanos, será que esta perda, então já inevitável, diminui o seu estatuto moral e, portanto, o seu direito à protecção adequada?
Há uma corrente de pensamento ético que considera que ao embrião humano in vitro não pode ser atribuído o direito à inviolabilidade pelo que a protecção a conceder-lhe deve ser equilibrada com a relevância ética do estatuto moral que lhes for concedido ou atribuído. Os que recusam toda a argumentação que vai seguir-se consideram eticamente inaceitável a postura de “conceder” ou “atribuir” um estatuto ao embrião porque este o tem per se, pela sua própria natureza humana cabendo apenas, aos outros humanos, “reconhecer” tal estatuto e actuar em conformidade.
Na construção do estatuto moral a conceder ou a atribuir ao embrião in vitro, sem projecto parental, ponderam-se qualidades e interesses. Por ordem decrescente é assim:
a) O embrião humano, em qualquer situação, não é uma pessoa, pelo que não tem as qualidades e os interesses que justificam o direito moral à sua integridade e aos outros direitos e liberdades fundamentais (ver Artigo 1º da Convenção já citada); mas deve ter assegurada a protecção da sua dignidade e da sua identidade, (nos termos da primeira parte do mesmo Artigo 1º da Convenção);
b) Não é um ser humano em desenvolvimento, porque perdeu esta capacidade intrínseca ao ser excluído do projecto parental. Independentemente do juízo moral que possa ser emitido sobre a exclusão, a realidade empírica a avaliar é a de um ente humano que nunca se desenvolverá como ser humano nem como pessoa. Esta qualidade inferior e a inexistência de interesses próprios atendíveis apela a uma protecção que impeça apenas o seu uso para fins fúteis ou irrelevantes;
c) Embora seja um ente vivo humano foi colocado em situação de perda, a curto prazo, da qualidade vital, perecendo de forma irremediável. A impossibilidade de conservar a vida exclui, da protecção adequada, a protecção da vida, pelo que será eticamente aceitável realizar investigações destrutivas;
d) O embrião humano in vitro, com ou sem projecto parental, é um mero aglomerado de células humanas, sem qualidades nem interesses próprios atendíveis, pelo que não deve gozar de qualquer estatuto moral e pode ser usado livremente em qualquer tipo de investigação.
Que investigação poderá ser eticamente aceitável segundo os quatro níveis do estatuto moral concedido ao embrião humano?
a) Deve ser autorizada apenas a investigação que, embora destrutiva para os embriões usados, se destina a obter resultados benéficos para os embriões em geral como, por exemplo, melhoria dos meios de cultura para o desenvolvimento e a crioconservação, melhoria da biopsia de blastómeros para diagnóstico pré-implantatório de doenças genéticas, aperfeiçoamento dos critérios visuais de avaliação da viabilidade em culturas prolongadas, etc., etc.;
b) Será de autorizar qualquer investigação que seja cientificamente muito relevante mesmo que os resultados esperados não se relacionem directamente com a morfologia ou a fisiologia do embrião in vitro mas se relacionem, por exemplo, com a biologia celular da cancerização ou com a diferenciação dirigida de células stem (estaminais) embrionárias, com o objectivo de obter células que possam vir a ser usadas como terapêutica no que começa a designar-se por medicina de substituição;
c) Poderão aceitar-se investigações que não só sejam destrutivas, como em a) e b), mas que prossigam finalidades não relacionadas com a biologia humana da reprodução nem com finalidades beneficentes para a saúde humana, mas apenas dirigidas a problemas de biologia e fisiologia celular em geral;
d) Qualquer investigação com ou sem relevância científica poderá ser realizada usando embriões como qualquer outro produto biológico, animal ou vegetal.
4. Pontos de vista dos investigadores da área da embriologia experimental
Assim como, na procriação medicamente assistida, há grupos que não constituem nunca
embriões excedentários, independentemente de a lei o autorizar ou não, ou mesmo em situações de vazio legal como é o caso no nosso País, também há embriologistas que só investigam em embriões animais, ou que só praticam investigação observacional, não lesiva, transferindo depois os embriões para o útero.
Outros consideram que a fertilização in vitro foi, desde o princípio, uma técnica experimental que continua, ainda hoje, a ter carácter experimental, pelo que a investigação é essencial ao próprio desenvolvimento técnico e à obtenção de melhores e mais benéficos resultados; dão como exemplo a injecção intra-citoplasmática ovocitária de espermatides, (ICSI), que permitiu reduzir, significativamente, o recurso a esperma de dador; recurso por muitos considerado de eticidade duvidosa, na perspectiva do tratamento da infertilidade conjugal, por constituir como que uma infidelidade conjugal, consentida pelo casal e praticada pelo médico.
Estes grupos só desejam praticar investigação estritamente ligada ao processo de procriação assistida e a projectos de melhoria da performance do método a partir de um mais profundo conhecimento da biologia do embrião in vitro. Reconhecem e aprovam a necessidade de autorizar a investigação, com base em projectos avaliados por peritos independentes, caso a caso, e aceitam a fiscalização sucessiva do desenvolvimento da investigação pelos peritos que a autorizaram. Consideram, ainda, necessária, após o reconhecimento da pertinência científica, a avaliação por uma Comissão de Ética, pluridisciplinar, de investigação científica, cujos pareceres serão vinculativos para a entidade financiadora.
Há ainda biólogos e biologistas moleculares que trabalham desligados dos Centros e Clínicas de procriação medicamente assistida, os quais desejam dispor de embriões humanos como “material” para investigações de biologia celular, de oncobiologia e de diferenciação dirigida.
Estão neste grupo os que colhem células pluripotentes na placa embrionária para conseguirem cultivá-las, imortalizá-las e promover a sua diferenciação, procurando confirmar, no Homem, os prometedores resultados obtidos no Rato, em diferenciação dirigida para células nervosas, células musculares estriadas e células do sangue. Estes grupos, particularmente, no Reino Unido, não estabelecem uma ligação ética entre o “material” biológico que estão a usar e o vínculo desse material a duas pessoas humanas com cujos gâmetas esse “material” foi constituído, nem com a pessoa em que se transformaria, caso lhe fossem dadas as condições extragenómicas. Afirmam que, no plano ético, não lhes repugna este uso, cujo objectivo é elevado e beneficente, no futuro; embora à custa da destruição, de qualquer modo inevitável, de alguns embriões humanos, no presente.
5. A investigação em “embriões” obtidos por transferência nuclear de células somáticas (clonagem)
Os problemas éticos e jurídicos da investigação em embriões humanos aumentaram com a possibilidade de cultivar células humanas pluripotentes obtidas em embriões humanos excedentários e com a descoberta de que o artefacto técnico resultante da transferência de um núcleo de uma célula diferenciada de um adulto para um ovócito sem núcleo, da mesma espécie, pode comportar-se in vitro como um embrião e, nalgumas espécies, desenvolver-se, in vivo e in utero, como um embrião, possibilitando, raras vezes, o nascimento de um ser vivo da mesma espécie. Este ser vivo é constituído a partir de um conjunto de genes, já existentes e já actuantes no ser vivo do qual a célula diferenciada foi extraída – e por isso se lhe chama clone (termo não dicionarizado, usado neste contexto com o sentido de cópia).
Quanto ao uso dos embriões excedentários para colheita das células stem, a reflexão ética tem seguido as mesmas linhas do que foi apresentado para a investigação em geral, dando como adquirida a proibição de criar embriões humanos apenas para os usar em investigação.
Pelo contrário, o uso da transferência nuclear de células somáticas diferenciadas, do adulto, para obtenção de células stem pluripotentes cria problemas novos, científico-técnicos e éticosociais, além de agudizar uma forma de manipulação da opinião pública, à qual começa a chamar-se “política de linguagem”.
Vejamos os contornos técnico-científicos.
É hoje seguro que no corpo humano adulto existem, na maior parte dos órgãos, células não diferenciadas que estão quiescentes e que são activadas, quando há necessidade de substituir células perdidas, produzindo células diferenciadas. A reparação das feridas cutâneas com pele nova e a regeneração do fígado, são as mais conhecidas, mas vale recordar a produção de glóbulos rubros após doação de sangue ou hemorragia e, em geral, a criação incessante das outras células do sangue, como os polinucleares, constantemente destruídas pelo uso funcional.
No animal tem sido possível demonstrar que estas células indiferenciadas, embora sejam unipotentes podem ser re-programadas in vitro para a produção de células de outros tecidos. Por exemplo, células indiferenciadas da pele podem ser dirigidas para diferenciação em células nervosas.
Na medula óssea e no sangue circulante existem células que apresentam, in vitro, as características próprias de células stem, indiferenciadas, pluripotentes, podendo ser re programadas para uma diferenciação dirigida múltipla: célula muscular estriada, célula hepática, célula nervosa, célula cutânea, células sanguíneas e outras.
Recentemente foi possível demonstrar que células stem da medula óssea podem emigrar, in vivo, para o cérebro e aí diferenciarem-se em células nervosas.
Estes factos científicos indicam que a célula stem é um componente normal do corpo humano adulto, que está presente, em grande número, na fase embrionária, em número muito significativo no sangue fetal e vai sendo reduzida, em número, mas não em qualidade, ao longo da vida adulta.
A possibilidade de “forçar”, in vitro, o aparecimento de células stem pluripotentes por reprogramação de células stem unipotentes (como sucedeu nas experiências que precederam a gestação da Dolly) não teria nenhuma dificuldade ética se esta reprogramação não usasse, como meio de cultura biológica, um ovócito desnucleado e se esta neo-estrutura biológica não passasse por uma fase totipotente (o que levou a chamar-lhe embrião e a procurar obter o seu desenvolvimento in utero).
Pela sua natureza originária – uma célula diferenciada dum organismo adulto, com 46 cromossomas – e pelas características adquiridas por manipulação laboratorial – divisão celular sem diferenciação até à constituição de uma placa de células pluripotentes – este procedimento técnico nada tem a ver com reprodução nem com conjugação de gâmetas haplóides para a constituição de um embrião por fertilização.
Chamar-lhe, também, embrião, é usar a “política da linguagem”, como o é o uso da expressão clonagem “reprodutiva” e clonagem “terapêutica” quando não há reprodução mas apenas um processo de cópia, uma produção, e quando não há nenhuma terapêutica resultante do processo de transferência nuclear de uma célula somática de adulto, com desenvolvimento até mórula ou até uma morfologia equivalente ao blastocisto.
Negar ao produto da transferência nuclear a designação de embrião é, para uns, uma questão semântica; mas, para outros, é uma exigência semiótica porque as palavras são apenas sinais das ideias e é o significado destas que deve valer para a reflexão ética e não a denominação (denotar é mais importante que denominar).
Chame-se-lhe, ou não, embrião, parece evidente que colher células pluripotentes nesta estrutura, não constituída para fins de procriação humana, é menos reprovável, eticamente, do que usar embriões excedentários que foram excluídos do projecto procriativo que esteve na sua origem. Acresce que as células diferenciadas ou os tecidos que venham um dia a ser obtidos e com os quais possam, eventualmente, no futuro, corrigir-se situações clínicas de falta de células, terão a vantagem, não despicienda, de serem células e tecidos do próprio indivíduo a tratar, logo não sujeitos a rejeição imunológica.
No plano técnico-científico estamos ainda muito longe de ter resultados concretos, ou sequer prometedores; há muitos resultados negativos, há dúvidas sobre a qualidade destas células pluri-potentes embrionárias e sobre o controle da sua capacidade proliferativa e há uma alternativa constituída pelas células stem obtidas no sangue circulante da própria pessoa e, nalguns casos, como o fígado e a pele, pela expansão clonal, in vitro, a partir de células unipotentes do respectivo tecido e da própria pessoa, o que exclui, igualmente, o risco da rejeição.
Deve ainda referir-se que o processo de transferência nuclear obriga ao uso de óvulos humanos doados o que, neste caso, é uma evidente instrumentalização da mulher e tem alguns riscos, incluindo o de incitar à comercialização, como já sucede na obtenção de ovócitos exteriores ao casal infértil, para constituir embriões, no processo de fertilização in vitro, para fins de procriação, e, no Reino Unido, para fins exclusivamente de investigação em embriões.
6. Opções inadiáveis, em Portugal
No animal tem sido possível demonstrar que estas células indiferenciadas, embora sejam unipotentes podem ser re-programadas in vitro para a produção de células de outros tecidos. Por exemplo, células indiferenciadas da pele podem ser dirigidas para diferenciação em células nervosas.
Na medula óssea e no sangue circulante existem células que apresentam, in vitro, as características próprias de células stem, indiferenciadas, pluripotentes, podendo ser re programadas para uma diferenciação dirigida múltipla: célula muscular estriada, célula hepática, célula nervosa, célula cutânea, células sanguíneas e outras.
Recentemente foi possível demonstrar que células stem da medula óssea podem emigrar, in vivo, para o cérebro e aí diferenciarem-se em células nervosas.
Estes factos científicos indicam que a célula stem é um componente normal do corpo humano adulto, que está presente, em grande número, na fase embrionária, em número muito significativo no sangue fetal e vai sendo reduzida, em número, mas não em qualidade, ao longo da vida adulta.
A possibilidade de “forçar”, in vitro, o aparecimento de células stem pluripotentes por reprogramação de células stem unipotentes (como sucedeu nas experiências que precederam a gestação da Dolly) não teria nenhuma dificuldade ética se esta reprogramação não usasse, como meio de cultura biológica, um ovócito desnucleado e se esta neo-estrutura biológica não passasse por uma fase totipotente (o que levou a chamar-lhe embrião e a procurar obter o seu desenvolvimento in utero).
Pela sua natureza originária – uma célula diferenciada dum organismo adulto, com 46 cromossomas – e pelas características adquiridas por manipulação laboratorial – divisão celular sem diferenciação até à constituição de uma placa de células pluripotentes – este procedimento técnico nada tem a ver com reprodução nem com conjugação de gâmetas haplóides para a constituição de um embrião por fertilização.
Chamar-lhe, também, embrião, é usar a “política da linguagem”, como o é o uso da expressão clonagem “reprodutiva” e clonagem “terapêutica” quando não há reprodução mas apenas um processo de cópia, uma produção, e quando não há nenhuma terapêutica resultante do processo de transferência nuclear de uma célula somática de adulto, com desenvolvimento até mórula ou até uma morfologia equivalente ao blastocisto.
Negar ao produto da transferência nuclear a designação de embrião é, para uns, uma questão semântica; mas, para outros, é uma exigência semiótica porque as palavras são apenas sinais das ideias e é o significado destas que deve valer para a reflexão ética e não a denominação (denotar é mais importante que denominar).
Chame-se-lhe, ou não, embrião, parece evidente que colher células pluripotentes nesta estrutura, não constituída para fins de procriação humana, é menos reprovável, eticamente, do que usar embriões excedentários que foram excluídos do projecto procriativo que esteve na sua origem. Acresce que as células diferenciadas ou os tecidos que venham um dia a ser obtidos e com os quais possam, eventualmente, no futuro, corrigir-se situações clínicas de falta de células, terão a vantagem, não despicienda, de serem células e tecidos do próprio indivíduo a tratar, logo não sujeitos a rejeição imunológica.
No plano técnico-científico estamos ainda muito longe de ter resultados concretos, ou sequer prometedores; há muitos resultados negativos, há dúvidas sobre a qualidade destas células pluri-potentes embrionárias e sobre o controle da sua capacidade proliferativa e há uma alternativa constituída pelas células stem obtidas no sangue circulante da própria pessoa e, nalguns casos, como o fígado e a pele, pela expansão clonal, in vitro, a partir de células unipotentes do respectivo tecido e da própria pessoa, o que exclui, igualmente, o risco da rejeição.
Deve ainda referir-se que o processo de transferência nuclear obriga ao uso de óvulos humanos doados o que, neste caso, é uma evidente instrumentalização da mulher e tem alguns riscos, incluindo o de incitar à comercialização, como já sucede na obtenção de ovócitos exteriores ao casal infértil, para constituir embriões, no processo de fertilização in vitro, para fins de procriação, e, no Reino Unido, para fins exclusivamente de investigação em embriões.
6. Opções inadiáveis, em Portugal
De tudo o que foi anteriormente exposto, deduz-se que o nosso País carece de legislação sobre procriação medicamente assistida orientada para o tratamento da situação clínica de infertilidade conjugal.
Para o aspecto que aqui nos ocupa, tal legislação deve contemplar a questão da constituição de embriões para a procriação e dos que venham a ficar na situação de serem excluídos do projecto de tratamento da infertilidade e a questão da tutela desses embriões. Além, claro está, dos muitos outros aspectos envolvidos no processo de procriação medicamente assistida.
Visto existirem já, e desde há algum tempo, embriões humanos crio-preservados, em número desconhecido, há que legislar sobre o seu destino, aplicando, ou não, a legislação aos embriões que venham a surgir, ou não, da prática de procriação medicamente assistida, de acordo com o que a lei venha a estabelecer para a procriação.
A produção desta legislação obriga a opções difíceis mas inadiáveis, porque é previsível que o número de embriões sem projecto parental continue a crescer como corolário da prática de procriação medicamente assistida que não se oriente para a não constituição de embriões excedentários.
Como procurei expor não há nenhuma opção considerada boa, seja qual for o estatuto moral reconhecido ou concedido ao embrião humano.
Em esquema será:
6.1. Estatuto moral de pessoa humana
6.1. Estatuto moral de pessoa humana
Na versão forte, a procriação humana artificial com fertilização in vitro é moralmente ilícita, pelo que não há que legislar sobre embriões excedentários porque simplesmente não existem.
Tem a vantagem de ser simples e clara e os seus defensores louvam-se na economia de problemas éticos e morais de difícil ou impossível solução.
Torna moralmente ilícito o abortamento em qualquer situação, bem como o uso da “pílula do dia seguinte”.
Não permite, contudo, o tratamento médico da infertilidade conjugal.
Na versão fraca, o embrião não é pessoa mas vai ser, pelo que a constituição de embriões in vitro, para tratamento da infertilidade conjugal, é admitida desde que sem doação de gâmetas e sem constituição de embriões excedentários. É lícita a observação dos embriões antes de os transferir para o útero e é ilícita, moralmente, qualquer experimentação que lhes cause dano ou os destrua tornando impossível o cumprimento do seu programa de desenvolvimento.
É uma opção controlável e não pode ser extrapolada para tornar lícita qualquer forma de abortamento, já que não há sacrifício de embriões.
6.2. Estatuto moral de ente vivo da espécie humana
Tem a vantagem de ser simples e clara e os seus defensores louvam-se na economia de problemas éticos e morais de difícil ou impossível solução.
Torna moralmente ilícito o abortamento em qualquer situação, bem como o uso da “pílula do dia seguinte”.
Não permite, contudo, o tratamento médico da infertilidade conjugal.
Na versão fraca, o embrião não é pessoa mas vai ser, pelo que a constituição de embriões in vitro, para tratamento da infertilidade conjugal, é admitida desde que sem doação de gâmetas e sem constituição de embriões excedentários. É lícita a observação dos embriões antes de os transferir para o útero e é ilícita, moralmente, qualquer experimentação que lhes cause dano ou os destrua tornando impossível o cumprimento do seu programa de desenvolvimento.
É uma opção controlável e não pode ser extrapolada para tornar lícita qualquer forma de abortamento, já que não há sacrifício de embriões.
6.2. Estatuto moral de ente vivo da espécie humana
Na versão forte, o direito à vida é absoluto, pelo que a experimentação destrutiva não pode ser considerada lícita. Na prática, os limites à utilização da técnica de procreação medicamente assistida, são os mesmos. Contudo, não considera moralmente ilícita a doação de embriões que, acidentalmente, ficarem excluídos do projecto parental, a um outro casal.
Na versão fraca é considerada lícita a doação de embriões, tornados excedentários por vicissitudes imprevisíveis do processo de procriação medicamente assistida, para fins de investigação. Não sendo evitável a morte desses embriões, tem sentido ético usá-los em benefício de outros embriões, na melhoria do processo de procriação artificial ou mesmo para benefício da saúde humana, tendo, contudo, a consciência de que se está a violar o direito à vida do embrião como ente vivo da espécie humana. Esta postura, é compatível com certas formas de abortamento como as que são contempladas na actual lei nacional; nesta regula-se uma situação de conflito materno-fetal grave; na autorização para o sacrifício de embriões que irão sempre perecer, pelo seu uso em investigação, o conflito é entre a vida do embrião, já perdida, e o benefício para outros ente-vivos, cuja vida pode ser salva ou melhorada.
6.3. Estatuto moral de amontoado de células humanas
Na versão fraca é considerada lícita a doação de embriões, tornados excedentários por vicissitudes imprevisíveis do processo de procriação medicamente assistida, para fins de investigação. Não sendo evitável a morte desses embriões, tem sentido ético usá-los em benefício de outros embriões, na melhoria do processo de procriação artificial ou mesmo para benefício da saúde humana, tendo, contudo, a consciência de que se está a violar o direito à vida do embrião como ente vivo da espécie humana. Esta postura, é compatível com certas formas de abortamento como as que são contempladas na actual lei nacional; nesta regula-se uma situação de conflito materno-fetal grave; na autorização para o sacrifício de embriões que irão sempre perecer, pelo seu uso em investigação, o conflito é entre a vida do embrião, já perdida, e o benefício para outros ente-vivos, cuja vida pode ser salva ou melhorada.
6.3. Estatuto moral de amontoado de células humanas
Apenas são de invocar as regras gerais de respeito pelos tecidos humanos não os usando para experiências degradantes ou contrárias aos bons costumes. O uso de embriões é livre, não havendo lugar para produção de legislação específica.
Alguns autores insistem no paralelismo com as leis de abortamento, afirmando que é incoerente dar maior protecção legal ao embrião do que a que a lei dá a um feto de 14 semanas, se se proibir o uso legal de embriões em experiências destrutivas.
Os que não estão de acordo com este paralelismo argumentam que as leis permissivas de abortamento baseiam-se em que o feto é indesejado pela mãe; no caso do embrião in vitro, este foi muito desejado pela mãe que nele investiu afecto, sacrifício e dinheiro (em muitos casos), pelo que não faz sentido, nem é moralmente lícito, usá-lo para outros fins ou destruí-lo.
7. “Embrião clonado”
Alguns autores insistem no paralelismo com as leis de abortamento, afirmando que é incoerente dar maior protecção legal ao embrião do que a que a lei dá a um feto de 14 semanas, se se proibir o uso legal de embriões em experiências destrutivas.
Os que não estão de acordo com este paralelismo argumentam que as leis permissivas de abortamento baseiam-se em que o feto é indesejado pela mãe; no caso do embrião in vitro, este foi muito desejado pela mãe que nele investiu afecto, sacrifício e dinheiro (em muitos casos), pelo que não faz sentido, nem é moralmente lícito, usá-lo para outros fins ou destruí-lo.
7. “Embrião clonado”
É, igualmente, necessário legislar sobre os usos permitidos ou proibidos aos “embriões” resultantes de transferência nuclear para ovócitos desnucleados (clonagem).
Sobram os argumentos científico-técnicos, éticos, sócio-culturais e jurídicos para a proibição do uso desta técnica com a finalidade de “criar um ser humano geneticamente idêntico a um outro ser humano, vivo ou morto” (Artigo 1º do Protocolo que proíbe a clonagem de seres humanos, anexo à Convenção dos Direitos Humanos e da Biomedicina).
Há que reflectir, contudo, sobre o âmbito da expressão usada no Protocolo.
Na Convenção não se define ser humano mas fez-se, no Artigo 1º, uma distinção entre ser humano e pessoa nascida, porque só esta pode ser titular de direitos, como a integridade; ao ser humano é garantida a identidade e a dignidade (mas não a integridade, ou seja, a vida) o que significa que a expressão ser humano inclui o embrião e o feto. Esta distinção foi feita para que os países com leis abortivas permissíveis pudessem subscrever a Convenção mas não impede, como foi afirmado em Plenário, que outros países considerem o embrião e o feto não apenas como seres humanos mas como pessoas e, portanto, titulares do direito à integridade.
No entendimento de que ser humano inclui o embrião, o Protocolo proíbe, de facto, todo o processo de clonagem, desde o seu início, não distinguindo, como posteriormente se tem tentado fazer, entre clonagem para reprodução e clonagem para experimentação e colheita de células stem.
Se o argumento é que o clone não é para reprodução mas apenas para uso experimental, então a sua criação está proibida pelo Artigo 18º, nº 2 da Convenção dos Direitos do Homem e a Biomedicina.
É possível que a próxima Assembleia Geral da ONU venha a aprovar um documento, proibindo a clonagem, mas esta aprovação será tanto mais fácil quanto maior for o número de países que, no seu Direito interno, já proibiram todo o processo de clonagem.
A França, que está a rever as suas leis de Bioética, deverá consignar, na nova lei, a proibição da clonagem com fins reprodutivos considerada “crime contra a espécie humana” com a moldura penal correspondente. No que se refere à clonagem com finalidade terapêutica, considera-a já proibida pelo Artigo 18º, nº 2 da Convenção dos Direitos Humanos e da Biomedicina.
Cite-se de passagem que, no respeitante aos embriões excedentários, a proposta de lei afirma o princípio do respeito pelo ser humano desde o começo da vida do qual deduz o princípio de interditar toda e qualquer agressão ao embrião. Contudo, como derrogação a este princípio, e por um período limitado a 5 anos, decide autorizar, de forma condicionada, investigação com embriões, incluindo a colheita de células stem embrionárias. A proposta exprime a convicção de que a investigação sobre células stem do adulto tornará desnecessário, no prazo dos cinco anos da derrogação, o recurso a células stem colhidas em embriões; ficará, apenas, em aberto a questão da investigação em embriões com o objectivo de melhorar o próprio processo de fertilização in vitro, que será, agora, autorizada com o limite temporal e sujeita a regras de autorização caso a caso e a controle, mas que poderá ser considerada ainda necessária para além dos cinco anos de derrogação.
8. Considerações finais
Este documento será amplamente divulgado e será certamente objecto de críticas, tanto dos especialistas na área, como dos cidadãos em geral.
Foi meu objectivo, em resposta à solicitação do Governo, elaborar um texto que contenha a informação necessária para que cada um, não especialista, possa formar um juízo pessoal confrontando o sentido das informações técnico-científicas e do debate ético com os seus valores pessoais e os seus interesses. E um texto que dê ao legislador a visão panorâmica dos problemas em apreço e das opções legislativas adoptadas por outras sócio-culturas.
As críticas que suscitar irão, seguramente, enriquecê-lo e ajudarão o Governo a decidir bem.
O embrião humano fora do corpo da mulher é uma estrutura viva muito sensível e que põe à prova a capacidade de cada um reflectir sobre o que não é visível ao olhar comum e só pode ser conhecido, indirectamente, pelas informações das ciências biológicas que o observam ao microscópio.
Não é fácil, ao cidadão comum, conceptualizar o embrião humano nem compreender e aceitar que, porque todos os seres humanos foram, um dia, no princípio, embriões, o embrião é a forma mais simples que pode assumir um corpo humano. E que é sobre esta forma corporal que temos de reflectir e decidir quando se levanta a questão de poder ser usado para outros fins que não o do seu próprio desenvolvimento.
Porque não é fácil, a informação a dar tem de ser simples, compreensível e honesta, os valores e os interesses têm de ser expostos com imparcialidade e transparência e as opções possíveis claramente delineadas.
Foi este o meu programa.
Os leitores dirão se o cumpri ou não.
Bibliografia
Berghmans, W. G. et allia – Ethical guidance on human embryonic and fetal tissue transplantation : a european overview. Cadernos de Bioética XII (29): 55 – 81, 2002
Esta publicação, resultante de um projecto de investigação subsidiado pelo Programa BIOMED da Comissão Europeia, analisa a situação em oito países, incluindo Portugal, debate as opções legais e regulamentares nos citados países e propõe linhas de reflexão ética, segundo os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade. Tem uma extensa e actual bibliografia. Le Clonage. Coordenado por Anne MacLaren – (também em versão em língua inglesa – Cloning). Edições do Conselho da Europa.
É o 2º volume da Colecção Regard Éthique (Ethical Eye) e, nele, cultores de diversas disciplinas, da biologia à teologia, analisam, com rigor, os aspectos éticos, filosóficos, sociais e científicos do processo de clonagem humana. Alguns dos contributos são particularmente estimulantes para o debate bioético sobre as células stem. Mahowald, Mary B. – Reflections on the Human Embryonic stem cell debate. Perspectives in Biology and Medicine, 46 (1): 131 – 141, Winter 2003.
É um trabalho de análise crítica ao livro “The human embryonic stem cell debate: Science ethics and public policy”, editado por Holland, Lebacqz e Zoloth, em 2001, na Cambridge: MIT Press, rebatendo muitos dos argumentos destes autores e apontando algumas vias para ajudar a resolver o dilema ético dos que querem evitar a morte directa de uma vida humana nascente mas, ao mesmo tempo, querem apoiar o eventual potencial terapêutico da investigação com células stem embrionárias humanas. Refere resultados prometedores recentes com o desenvolvimento de ovócitos humanos não fertilizados e com a obtenção de células stem nesta mesma estrutura em ratos e macacos. Tem uma interessante argumentação da diferença entre matar ou deixar morrer quando é impossível salvar a vida “just as vital organs can be harvested from people who have, been allowed to die so that others’ lives may be prolonged or improved, the same rationale is applicable to retrieval of stem cells from embryos that have been allowed to die”.
The Prenatal Person. Ethics from Conception to Birth – Norman M. Ford -
Blackwell Publishing. Oxford, 2002.
Desenvolve de forma imparcial o debate ético sobre o embrião com referência aos mais
recentes dados científicos face às teorias éticas utilitaristas e personalistas deixando ao
leitor a responsabilidade de optar.
Comissão para o enquadramento legislativo das novas tecnologias.
Utilização de técnicas de procriação assistida (projectos) – Edição do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito de Coimbra, 1990.
Apresenta os projectos de lei, elaborados pela Comissão sobre “Utilização de técnicas de
procriação assistida”, “ Centros de procriação assistida” e “Conselho Nacional de Bioética” uma trilogia que deveria enquadrar o problema da fertilização in vitro. Contem ainda o discurso do Ministro da Justiça que criou a Comissão e duas declarações de voto de dois dos membros da Comissão.
Tendo as propostas sido apresentadas em 1987 dá para pensar que, dezasseis anos depois, ainda não haja legislação.
Genética Humana. A hora do legislador – Coordenação de Jorge Moreira da Silva.
Nº 1 da Colecção Debates. Resposta Global.
Dá conta dos trabalhos e debates da Comissão Temporária para a Genética Humana, criada especialmente pelo Parlamento Europeu com o objectivo de “por um lado, inventariar os novos e potenciais desenvolvimentos da genética humana e, por outro, formular propostas que assegurassem a existência de regras comuns, na União Europeia, impeditivas da experimentação arbitrária e da instrumentalização do embrião humano”.
O facto de as conclusões da Comissão Temporária, em grande parte baseadas nas 12 contribuições publicadas neste livro, não terem sido aprovadas pelo plenário do Parlamento Europeu, ilustra bem a dificuldade do tema e a divisão das opiniões públicas
dos Países da União Europeia.
Embryonic stem cell research and therapy at European level: is a common
legal framework needed? – Romeo-Casabona, C. Maria. Revista de Derecho y Genoma Humano, 15: 121 – 138, 2001.
Analisa as diferenças entre as legislações europeias e opina que é desejável uma harmonização mínima. A título pessoal propõe que o uso dos embriões sobrantes em investigação, seja autorizado.
Ethical issues in human stem cell research
Vol. I – Report and recommendations of the National Bioethics Advisory Commission.
Vol. II – Commissioned papers
Vol. III – Religious perspectives
Uso de Embriões Humanos em Investigação Científica 31
Editado pelo NBAC, Rockville. Maryland, Junho 2000.
É um trabalho muito completo realizado pela Comissão Nacional de Ética nomeada pelo
Presidente Clinton. Contem testemunhos especializados, em especial jurídicos e administrativos e declarações de representantes da religião católica, ortodoxa e islâmica e da tradição judaica; no volume I são apresentados os tópicos a considerar no debate sobre a investigação em células stem embrionárias humanas e treze recomendações para a decisão política do Presidente.
Em síntese muito resumida, a NBAC aconselha o Presidente a autorizar investigação nestas células mas apenas nas que sejam oriundas de material fetal cadavérico ou de embriões excedentários do processo de tratamento da infertilidade e com controle e revisão federal abertos e públicos. Insiste no consentimento informado do casal ou da mulher que vão doar o feto morto ou o embrião in vitro, restrições à comercialização e limites a quem pode beneficiar, designa as agências federais de controle e sugere ao sector privado que adopte as normas do sector público.
A eleição de um novo Presidente e a nomeação de outra NBAC alterou a perspectiva
política, mas este documento permanece muito válido pela extensão e rigor da análise do problema.
Survey on opinions from National Ethics Committes or similar bodies, public debate and national legislations in relation to human embryonic
stem cell research and use
Vol. I – in EU Member States
Vol. II – in non - EU Member tates
Editado por Line Mathiessen. Bruxelas, 2002.
Vol. I – É um texto fundamental para conhecer a situação em numerosos países. Merece realce o documento preparado pela Câmara dos Lordes do Reino Unido, muito completo,
o parecer do European Group on Ethics in Science and New Technologies (E.G.E.) sobre
“Ethical aspects of human stem cell research and use”, e o parecer do Conselho Nacional de Ética da Itália. É, igualmente, importante para o debate o recente parecer do Conselho Nacional de Ética da Alemanha (Dezembro de 2001), o primeiro que este novo órgão produziu e no qual é feita uma ampla revisão dos argumentos a favor e contra a obtenção de células stem embrionárias humanas.
Vol. II – O parecer da Comissão Nacional de Ética para a Medicina, da Suiça, é de grande qualidade ética apresentando opiniões maioritárias e minoritárias.
Relatório – parecer sobre a experimentação do embrião – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Documentação. Vol. III (1995 – 1996), Lisboa, 1996
O Relatório, da autoria do Prof. Walter Osswald apresenta argumentos para a posição de declarar ilícita a investigação em embriões humanos excedentários do processo de procriação medicamente assistida. O Parecer do CNECV acolhe a argumentação do Relator e diz no nº 4 – “Daqui se conclui que, à luz de princípios éticos consensuais e tendo em conta a natureza humana do embrião, se deve interditar toda e qualquer experimentação sistemática e planeada no embrião, pese embora ao custo científico de
tal proibição”.
O Relatório – Parecer apela ainda para a necessidade de elaborar legislação sobre procriação medicamente assistida.
O Relatório, ao considerar ilícita qualquer investigação sobre embriões humanos, a partir
da análise do Artigo 24º da Constituição da República Portuguesa, afirma que “não haveria, aparentemente, necessidade de produzir legislação especialmente dirigida à experimentação no embrião e no feto...”.
Refira-se, a propósito, que o Parecer nº 21, de 1997, do CNECV considera a clonagem de seres humanos eticamente inaceitável e que, portanto, deve ser proibida (Documentação, Vol. IV, 1997; edição do CNECV).
Também no Relatório – Parecer 19/CNECV/97 “Sobre os projectos de lei relativos à interrupção voluntária da gravidez” há significativas contribuições para a ponderação de natureza e estatuto do embrião e do feto (Documentação, Vol. IV, 1997; edição do CNECV).
Cloning. Statements from the Danish Council of Ethics The Danish Council of Ethics, 2002.
Para além do rigor da apresentação dos factos merece realce a forma como são expostos os argumentos das quatro posições pelas quais se dividiram os dezassete membros do Conselho. Este parecer dinamarquês serviu de base para a apresentação sintética das opções possíveis sobre um estatuto para o embrião humano que se publicam em anexo ao texto do Livro Branco.
Principles of ethical decision making regarding embryonic stem cell
research in Germany
Thomas Heinemann and Ludger Honnefeeder
Bioethics, 16 (6): 530 – 543, 2002.
Comenta os fundamentos da legislação alemã sobre uso de embriões, restritiva, e os argumentos das posições gradualistas moderadas que reconhecem que o embrião é um bem que tem um valor que é independente da aprovação por parte de outros indivíduos e que, portanto, deve ser protegido. Comenta a aparente contradição da lei sobre o embrião com a lei relativa ao abortamento, no Direito alemão. Analisa, ainda, o debate ético a propósito da lei sobre importação de células stem embrionárias humanas para investigação.
Outros artigos deste número especial da revista Bioethics, órgão oficial da Associação Internacional de Bioética, merecem leitura, em especial o de Soren Holm que salienta a dificuldade de opção política sobre células stem quando: há acordo sobre o valor do objectivo de obter tratamentos para certas doenças, há incerteza científica quanto à melhor via para atingir esse objectivo e há desacordo quanto à avaliação ética de algumas destas vias, mas não de outras. Será, pois, mais uma questão de filosofia política e legal do que de ética.
Novas questões em reprodução medicamente assistida
Agostinho Almeida Santos e Teresa Almeida Santos
Novos desafios à Bioética. Coordenação de L. Archer, J. Biscaia e W. Osswald. Porto Editora, 2001.
Os autores apresentam as diversas formas de tentar corrigir a infertilidade do casal, chamando a atenção, como o têm feito em numerosos outros trabalhos para a transferência intra-tubar de gâmetas que não origina embriões excedentários e para a fertilização in vitro sem embriões excedentários, com ou sem recurso a congelação de ovócitos em via de fecundação, mas não fecundados ainda.
Deve referir-se que o Prof. Agostinho de Almeida Santos coordenou o Grupo de Trabalho para o Estudo da Medicina Familiar, Fertilidade e Reprodução Humana, que publicou em 1993, um extenso Relatório e Programa e, em 1995, um projecto de proposta de lei de Procriação Medicamente Assistida.
O ponto de vista deste autor é expresso, entre outras publicações, em “Fecundidade e Família. Presente e Futuro.” In Colecção Estudos/Documentos, II Série, nº 3 da Direcção
Geral da família, 2ª edição, Março de 1996.
O Embrião e o Direito – Helena Pereira de Melo
A Ética e o Direito no início da vida humana – Coordenação de Rui Nunes e Helena Melo. Editado pelo Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina do Porto. Porto, 2001
É um trabalho muito completo sobre as questões éticas e jurídicas do embrião in vitro.
Debate o conceito de pessoa, as doutrinas jurídicas invocáveis e as várias soluções propostas pelo Direito. Apresenta ampla bibliografia nacional e internacional, comentada.
Nos “Cadernos de Bioética”, órgão do Centro de Estudos de Bioética, que se publicam
desde 1990, encontram-se artigos desta autora e de outros especialistas de ética e de direito, como Luís Archer, Walter Osswald, Agostinho Almeida Santos, Jorge Biscaía, Michel Renaud, João Carlos Loureiro, Rui Nunes e outros, que versam temas relacionados com o embrião, o seu estatuto ético e a sua protecção jurídica, e sobre clonagem.
Sem pretender referir toda a bibliografia de autores portugueses menciono ainda:
Clonagem. O risco e o desafio – Editado em 2000, pelo Gabinete de Investigação de Bioética da UCP.
Genoma e Dignidade Humana – Editado em 2002, pelo Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina do Porto.
Discours de J. F. Mattei
Ministre de la Santé, devant le Sénat le 28 Janvier 2003
É o discurso no qual o Ministro apresenta e justifica as alterações propostas às leis de Bioética sobre:
Transplantes;
Assistência médica à procriação
Excepção, estritamente enquadrada, à proibição de usar embriões humanos em investigação;
Clonagem;
Racionalizar o quadro institucional em matéria de saúde pública;
Patenteamento de elementos do corpo humano;
No que interessa ao Livro Branco o Ministro reafirma o princípio do respeito pelo embrião humano pelo que não vai legalizar a investigação em embriões; mas, por excepção ao princípio, vai permitir que certas investigações possam ser feitas sobre certos embriões. Uso de Embriões
Quanto à clonagem reprodutiva será considerada crime contra a humanidade e severamente punida.
Résolutions proposées par Médecine et Dignité de l’ Homme Forum International « Concevoir l’embryon »
Bruxelas, Outubro de 2002
Acta Medica Catholica, Vol. 71 (nº 4), 2002
Pronuncia-se contra qualquer forma de instrumentalização do embrião humano na linha
das posições de outros organismos ligados à Igreja Católica, como a Academia Pontifícia
para a Vida na “Declaração sobre a produção, o uso científico e terapêutico das células estaminais embrionárias humanas” em que se declara que é moralmente ilícito utilizar ou produzir embriões humanos vivos para a preparação de células estaminais, mesmo que os embriões tenham sido obtidos por clonagem.
Anexo
Relatório Preliminar para um debate alargado relativo à necessidade e oportunidade de legislar sobre a utilização de embriões humanos em investigação científica.
Prof. Doutor Daniel Serrão
Preâmbulo
1. A técnica da Procreação Medicamente Assistida (PMA), aplicada em seres humanos para o tratamento da infertilidade conjugal, deu lugar à constituição extra-corporal de embriões humanos que, por diversos motivos e circunstâncias, acabam por ficar excluídos do projecto parental da fertilização e são mantidos vivos, embora congelados em muito baixas temperaturas.
Põe-se aos investigadores, à estrutura parental e à sociedade em geral, a questão de saber se estes embriões, excluídos definitivamente de qualquer projecto parental, podem ser usados em investigações médicas e/ou biológicas que finalmente os destroem.
2. A técnica de fertilização in vitro permite ainda criar embriões, fora de qualquer projecto parental, usando óvulos e espermatozóides que são doados (ou comprados), para a finalidade de sobre tais embriões ser realizada investigação destrutiva.
Põe-se aos investigadores, aos dadores ou vendedores dos gâmetas e à sociedade, a questão de saber se a constituição de embriões apenas para investigação é aceitável e pode ser legitimada.
3. Os recentes desenvolvimentos da técnica de transferência nuclear de células somáticas para óvulos enucleados, podem vir a possibilitar a constituição de artefactos técnicos nos quais surgem placas embrionárias semelhantes às do blastocisto. Nestas placas, tal como nos embriões obtidos por fertilização com gâmetas, poderão colher-se células toti potentes para investigações de deferenciação dirigida e outras.
Estando este artefacto técnico excluído de qualquer projecto parental de desenvolvimento (o qual originaria, a partir de uma célula diferenciada, um clone do corpo da qual foi retirada tal célula, a questão que se põe aos investigadores, ao doador da célula, somática e à sociedade, é a da aceitabilidade e legitimação de manipulação
biológica sobre estes quase embriões.
Problemas em debate
1. A utilização de embriões humanos na investigação científica, da qual resulte a destruição dos próprios embriões, não foi nunca pacífica desde que o processo de fertilização in vitro permitiu constituir embriões não utilizados para a procriação humana.
A questão é: que estatuto deve ser concedido a estes embriões – chamados sobrantes, excedentários ou supranumerários – em comparação com o estatuto que é concedido aos embriões incluídos no projecto procriativo parental e que irão desenvolveu-se no útero materno, tal como os embriões resultantes do processo normal e fisiológico de fecundação?
O debate centra-se em quatro aspectos fundamentais:
a) Estatuto, segundo a natureza biológica
b) Estatuto, segundo a natureza social
c) Estatuto, segundo a natureza do bem jurídico
d) Estatuto, segundo a natureza transcendental ou religiosa.
O que implicará a participação de cientistas, de sócio-antropólogos, de juristas e de teólogos de diversas confissões religiosas.
2. Podemos usar, como ponto de partida do debate a desenvolver e como ilustração do
método baseado no princípio da complamentaridade, (segundo N. Bohr), o parecer do Conselho Nacional de Ética da Dinamarca, emitido em 2002, sobre “clonagem terapêutica”.
Os membros do Conselho têm pontos de vista diferentes sobre o estatuto moral que possui o ovo fertilizado, no início do seu desenvolvimento e fora de um organismo materno. Em consequência têm opiniões diferentes sobre a eticidade (aceitabilidade ética) de realizar investigação no embrião em início de desenvolvimento e, no futuro, talvez para desenvolver tratamentos para doenças graves, baseados no uso de células stem embrionárias, é:
Posição A: Há membros que consideram que o estatuto moral do embrião é tão elevado
que as suas células stem não devem ser usadas e o embrião destruído;
Posição B: Há membros que consideram que, em princípio, as células stem podem ser usadas logo que (as long as) benefícios substantivos are available para tratar doença humana.
Posião B1: Parte destes membros, contudo, acham que não há uma necessidade premente, no presente, de permitir a produção de células stem embrionárias, para investigação ou para eventuais tratamentos de doença, quer em embriões obtidos por clonagem, quer pela técnica in vitro como a que é usada na fertilização. Isto porque tratar doenças graves com células stem é ainda e só uma possibilidade teórica e manipular embriões, para outra finalidade que não seja o desenvolvimento do embrião até nascituro, pode constituir uma erosão dos valores em causa. Portanto, este subgrupo considera que, para já, a sua opinião é a de que a investigação em células stem embrionárias deve usar apenas os embriões excedentários do processo de fertilização in vitro.
Posição C: Há membros que consideram que o uso da clonagem terapêutica para investigar sobre o tratamento de doenças graves é eticamente aceitável, desde que seja efectuada em embriões muito iniciais (very early). Na opinião destes membros o uso destes embriões em investigação é preferível ao uso de células fetais (fetos abortados legalmente, presumo) permitido na Dinamarca.
Quanto ao uso de células stem totipotentes ou pluripotentes não obtidas em embriões, todos os membros têm a mesma opinião – que é favorável e pensam que toda a investigação que permite clarificar o potencial deste tipo de células deve ser estimulada (fostered).
Basicamente são estas as opiniões sobre as quais vale a pena discutir, em espírito de
complementaridade, clarificando os pressupostos. Assim:
Posição A:
Atribui ao embrião humano, desde a sua constituição um estatuto biológico de corpo humano em desenvolvimeno, um estatuto social de pertença aos seres vivos da espécie homem, um estatuto jurídico de bem com direito à vida protegido pelo Artº 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem do Conselho da Europa e um estatuto transcendente de ser portador de um valor de carácter sagrado que é a vida humana.
A teoria ética que fundamente esta opinião A é a teoria personalista na qual cada homem é concebido como pessoa única, irrepetível e insubstituível e que é, em si próprio, um fim; pelo que não pode nunca ser usado como um meio para obter um fim, ainda que este fim seja beneficente para outras pessoas ou para a humanidade em geral, presente ou futura.
Louva-se no artº 2º da Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina do Conselho da Europa.
Em resumo: atribui ao embrião o estatuto de pessoa humana tutelada pelos progenitores que, contudo, não têm direito de vida e morte sobre ele, tal como sucede na tutela jurídica dos filhos menores. Não deve ser usado para investigações que impliquem a sua destruição.
Posição B:
Relativiza o estatuto biológico do embrião in vitro porque não é um feto nem um recémnascido; a implantação no útero é um passo decisivo para que o embrião possa continuar vivo e desenvolver-se e só então adquirir o seu estatuto moral completo. Respeitar o embrião até aos 6-7 dias de desenvolvimeno não significa respeitá-lo como se fosse pessoa, mas sim não o usar de forma arbitrária, gratuita, para fins comerciais, etc. Usá-lo para investigação que salvaguarde valores substantivos, como aliviar sofrimento humano é manifestar respeito pelas pessoas que sofrem.
A teoria ética que fundamenta esta opinião B é a teoria utilitarista ou consequencialista que considera boas as acções ou decisões que prosseguem fins bons ou beneficentes, no presente ou no futuro, com respeito pelos princípios da autonomia e da equidade e em equilíbrio custos-benefícios com o princípio da não maleficência.
Em resumo: o embrião humano in vitro não é uma pessoa humana. In vitro tem estatuto de ser humano inviável e pode ser usado e destruído pela investigação se esta prossegue fins beneficientes superiores como o tratamento de doenças graves.
Ponto B1: O estatuto que atribui ao embrião é o mesmo da Posição B, mas deduz, da posição de relativização do estatuto biológico, a opinião de, para já, considerar que apenas devem ser usados os embriões sobrantes ou excedentários que foram constituídos para procriação e acabaram por ficar excluídos do projecto parental.
A teoria ética aplicada é a teoria utilitarista/gradualista. O gradualismo implica uma cuidadosa ponderação do valor dos fins em relação aos meios e do carácter beneficente dos fins em relação aos prejuízos e custos dos meios.
Neste caso, como os fins são ainda hipotéticos a resolução do dilema ético resultante do
conflito entre fins e meios não é urgente (não há nenhuma doença que possa ser tratada já nem num futuro próximo com células stem obtidas de embriões de clonagem). Numa perspectiva gradualista a decisão menos indesejável eticamente será usar os embriões excedentários congelados. Como as células stem podem ser imortalizadas em cultura o número de embriões a sacrificar será pequeno (o que é importante para a teoria gradualista).
Em resumo: Para já não deve ser admitida a constituição de embriões por transferência
nuclear (clonagem) para obter células stem destinadas à investigação destrutiva. Devem ser usados embriões excedentários.
Posição C: O estatuto biológico atribuído ao embrião é o mesmo das posições B e B1 mas reforça a noção de o embrião, até ao 14º dia, constituído por transferência nuclear (clonagem) não poder ser olhado como uma pessoa, embora, teoricamente, ele possa ser capaz de se desenvolver como uma pessoa.
A teoria ética aplicada pelos proponentes da posição C é utilitarista/relativista. Se o artefacto técnico obtido in vitro, a partir de uma célula diferenciada não foi constituído para procreação, embora possa formar células stem totipotentes, nos primeiros 6-7 dias, tal como um embrião constituído por fecundação, ele não tem o estatuto biológico de embrião. Em consequência, também não tem o estatuto moral de embrião, merecendo apenas o respeito mínimo outorgado a um órgão humano retirado do corpo pela cirurgia ou ao corpo humano após a morte.
Em resumo: usar pseudo-embriões obtidos in vitro por transferência nuclear de células humanas diferenciadas até ao 6º-7º dia de desenvolvimento em meio de cultura é eticamente aceitável. Este artefacto técnico é como que uma extensão do próprio corpo da pessoa e o seu uso deve ser preferido ao dos embriões obtidos por fecundação.
Nota Final
A informação disponível sobre este tópico é vastíssima e não é fácil de resumir.
Proponho que os membros deste grupo informal leiam os documentos base que lhes vão ser facultados para posteriormente se fazer uma reunião estruturada e se elaborar uma
Recomendação para o debate público e para uma orientação jurídica.
Daniel Serrão
Para além do rigor da apresentação dos factos merece realce a forma como são expostos os argumentos das quatro posições pelas quais se dividiram os dezassete membros do Conselho. Este parecer dinamarquês serviu de base para a apresentação sintética das opções possíveis sobre um estatuto para o embrião humano que se publicam em anexo ao texto do Livro Branco.
Principles of ethical decision making regarding embryonic stem cell
research in Germany
Thomas Heinemann and Ludger Honnefeeder
Bioethics, 16 (6): 530 – 543, 2002.
Comenta os fundamentos da legislação alemã sobre uso de embriões, restritiva, e os argumentos das posições gradualistas moderadas que reconhecem que o embrião é um bem que tem um valor que é independente da aprovação por parte de outros indivíduos e que, portanto, deve ser protegido. Comenta a aparente contradição da lei sobre o embrião com a lei relativa ao abortamento, no Direito alemão. Analisa, ainda, o debate ético a propósito da lei sobre importação de células stem embrionárias humanas para investigação.
Outros artigos deste número especial da revista Bioethics, órgão oficial da Associação Internacional de Bioética, merecem leitura, em especial o de Soren Holm que salienta a dificuldade de opção política sobre células stem quando: há acordo sobre o valor do objectivo de obter tratamentos para certas doenças, há incerteza científica quanto à melhor via para atingir esse objectivo e há desacordo quanto à avaliação ética de algumas destas vias, mas não de outras. Será, pois, mais uma questão de filosofia política e legal do que de ética.
Novas questões em reprodução medicamente assistida
Agostinho Almeida Santos e Teresa Almeida Santos
Novos desafios à Bioética. Coordenação de L. Archer, J. Biscaia e W. Osswald. Porto Editora, 2001.
Os autores apresentam as diversas formas de tentar corrigir a infertilidade do casal, chamando a atenção, como o têm feito em numerosos outros trabalhos para a transferência intra-tubar de gâmetas que não origina embriões excedentários e para a fertilização in vitro sem embriões excedentários, com ou sem recurso a congelação de ovócitos em via de fecundação, mas não fecundados ainda.
Deve referir-se que o Prof. Agostinho de Almeida Santos coordenou o Grupo de Trabalho para o Estudo da Medicina Familiar, Fertilidade e Reprodução Humana, que publicou em 1993, um extenso Relatório e Programa e, em 1995, um projecto de proposta de lei de Procriação Medicamente Assistida.
O ponto de vista deste autor é expresso, entre outras publicações, em “Fecundidade e Família. Presente e Futuro.” In Colecção Estudos/Documentos, II Série, nº 3 da Direcção
Geral da família, 2ª edição, Março de 1996.
O Embrião e o Direito – Helena Pereira de Melo
A Ética e o Direito no início da vida humana – Coordenação de Rui Nunes e Helena Melo. Editado pelo Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina do Porto. Porto, 2001
É um trabalho muito completo sobre as questões éticas e jurídicas do embrião in vitro.
Debate o conceito de pessoa, as doutrinas jurídicas invocáveis e as várias soluções propostas pelo Direito. Apresenta ampla bibliografia nacional e internacional, comentada.
Nos “Cadernos de Bioética”, órgão do Centro de Estudos de Bioética, que se publicam
desde 1990, encontram-se artigos desta autora e de outros especialistas de ética e de direito, como Luís Archer, Walter Osswald, Agostinho Almeida Santos, Jorge Biscaía, Michel Renaud, João Carlos Loureiro, Rui Nunes e outros, que versam temas relacionados com o embrião, o seu estatuto ético e a sua protecção jurídica, e sobre clonagem.
Sem pretender referir toda a bibliografia de autores portugueses menciono ainda:
Clonagem. O risco e o desafio – Editado em 2000, pelo Gabinete de Investigação de Bioética da UCP.
Genoma e Dignidade Humana – Editado em 2002, pelo Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina do Porto.
Discours de J. F. Mattei
Ministre de la Santé, devant le Sénat le 28 Janvier 2003
É o discurso no qual o Ministro apresenta e justifica as alterações propostas às leis de Bioética sobre:
Transplantes;
Assistência médica à procriação
Excepção, estritamente enquadrada, à proibição de usar embriões humanos em investigação;
Clonagem;
Racionalizar o quadro institucional em matéria de saúde pública;
Patenteamento de elementos do corpo humano;
No que interessa ao Livro Branco o Ministro reafirma o princípio do respeito pelo embrião humano pelo que não vai legalizar a investigação em embriões; mas, por excepção ao princípio, vai permitir que certas investigações possam ser feitas sobre certos embriões. Uso de Embriões
Quanto à clonagem reprodutiva será considerada crime contra a humanidade e severamente punida.
Résolutions proposées par Médecine et Dignité de l’ Homme Forum International « Concevoir l’embryon »
Bruxelas, Outubro de 2002
Acta Medica Catholica, Vol. 71 (nº 4), 2002
Pronuncia-se contra qualquer forma de instrumentalização do embrião humano na linha
das posições de outros organismos ligados à Igreja Católica, como a Academia Pontifícia
para a Vida na “Declaração sobre a produção, o uso científico e terapêutico das células estaminais embrionárias humanas” em que se declara que é moralmente ilícito utilizar ou produzir embriões humanos vivos para a preparação de células estaminais, mesmo que os embriões tenham sido obtidos por clonagem.
Anexo
Relatório Preliminar para um debate alargado relativo à necessidade e oportunidade de legislar sobre a utilização de embriões humanos em investigação científica.
Prof. Doutor Daniel Serrão
Preâmbulo
1. A técnica da Procreação Medicamente Assistida (PMA), aplicada em seres humanos para o tratamento da infertilidade conjugal, deu lugar à constituição extra-corporal de embriões humanos que, por diversos motivos e circunstâncias, acabam por ficar excluídos do projecto parental da fertilização e são mantidos vivos, embora congelados em muito baixas temperaturas.
Põe-se aos investigadores, à estrutura parental e à sociedade em geral, a questão de saber se estes embriões, excluídos definitivamente de qualquer projecto parental, podem ser usados em investigações médicas e/ou biológicas que finalmente os destroem.
2. A técnica de fertilização in vitro permite ainda criar embriões, fora de qualquer projecto parental, usando óvulos e espermatozóides que são doados (ou comprados), para a finalidade de sobre tais embriões ser realizada investigação destrutiva.
Põe-se aos investigadores, aos dadores ou vendedores dos gâmetas e à sociedade, a questão de saber se a constituição de embriões apenas para investigação é aceitável e pode ser legitimada.
3. Os recentes desenvolvimentos da técnica de transferência nuclear de células somáticas para óvulos enucleados, podem vir a possibilitar a constituição de artefactos técnicos nos quais surgem placas embrionárias semelhantes às do blastocisto. Nestas placas, tal como nos embriões obtidos por fertilização com gâmetas, poderão colher-se células toti potentes para investigações de deferenciação dirigida e outras.
Estando este artefacto técnico excluído de qualquer projecto parental de desenvolvimento (o qual originaria, a partir de uma célula diferenciada, um clone do corpo da qual foi retirada tal célula, a questão que se põe aos investigadores, ao doador da célula, somática e à sociedade, é a da aceitabilidade e legitimação de manipulação
biológica sobre estes quase embriões.
Problemas em debate
1. A utilização de embriões humanos na investigação científica, da qual resulte a destruição dos próprios embriões, não foi nunca pacífica desde que o processo de fertilização in vitro permitiu constituir embriões não utilizados para a procriação humana.
A questão é: que estatuto deve ser concedido a estes embriões – chamados sobrantes, excedentários ou supranumerários – em comparação com o estatuto que é concedido aos embriões incluídos no projecto procriativo parental e que irão desenvolveu-se no útero materno, tal como os embriões resultantes do processo normal e fisiológico de fecundação?
O debate centra-se em quatro aspectos fundamentais:
a) Estatuto, segundo a natureza biológica
b) Estatuto, segundo a natureza social
c) Estatuto, segundo a natureza do bem jurídico
d) Estatuto, segundo a natureza transcendental ou religiosa.
O que implicará a participação de cientistas, de sócio-antropólogos, de juristas e de teólogos de diversas confissões religiosas.
2. Podemos usar, como ponto de partida do debate a desenvolver e como ilustração do
método baseado no princípio da complamentaridade, (segundo N. Bohr), o parecer do Conselho Nacional de Ética da Dinamarca, emitido em 2002, sobre “clonagem terapêutica”.
Os membros do Conselho têm pontos de vista diferentes sobre o estatuto moral que possui o ovo fertilizado, no início do seu desenvolvimento e fora de um organismo materno. Em consequência têm opiniões diferentes sobre a eticidade (aceitabilidade ética) de realizar investigação no embrião em início de desenvolvimento e, no futuro, talvez para desenvolver tratamentos para doenças graves, baseados no uso de células stem embrionárias, é:
Posição A: Há membros que consideram que o estatuto moral do embrião é tão elevado
que as suas células stem não devem ser usadas e o embrião destruído;
Posição B: Há membros que consideram que, em princípio, as células stem podem ser usadas logo que (as long as) benefícios substantivos are available para tratar doença humana.
Posião B1: Parte destes membros, contudo, acham que não há uma necessidade premente, no presente, de permitir a produção de células stem embrionárias, para investigação ou para eventuais tratamentos de doença, quer em embriões obtidos por clonagem, quer pela técnica in vitro como a que é usada na fertilização. Isto porque tratar doenças graves com células stem é ainda e só uma possibilidade teórica e manipular embriões, para outra finalidade que não seja o desenvolvimento do embrião até nascituro, pode constituir uma erosão dos valores em causa. Portanto, este subgrupo considera que, para já, a sua opinião é a de que a investigação em células stem embrionárias deve usar apenas os embriões excedentários do processo de fertilização in vitro.
Posição C: Há membros que consideram que o uso da clonagem terapêutica para investigar sobre o tratamento de doenças graves é eticamente aceitável, desde que seja efectuada em embriões muito iniciais (very early). Na opinião destes membros o uso destes embriões em investigação é preferível ao uso de células fetais (fetos abortados legalmente, presumo) permitido na Dinamarca.
Quanto ao uso de células stem totipotentes ou pluripotentes não obtidas em embriões, todos os membros têm a mesma opinião – que é favorável e pensam que toda a investigação que permite clarificar o potencial deste tipo de células deve ser estimulada (fostered).
Basicamente são estas as opiniões sobre as quais vale a pena discutir, em espírito de
complementaridade, clarificando os pressupostos. Assim:
Posição A:
Atribui ao embrião humano, desde a sua constituição um estatuto biológico de corpo humano em desenvolvimeno, um estatuto social de pertença aos seres vivos da espécie homem, um estatuto jurídico de bem com direito à vida protegido pelo Artº 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem do Conselho da Europa e um estatuto transcendente de ser portador de um valor de carácter sagrado que é a vida humana.
A teoria ética que fundamente esta opinião A é a teoria personalista na qual cada homem é concebido como pessoa única, irrepetível e insubstituível e que é, em si próprio, um fim; pelo que não pode nunca ser usado como um meio para obter um fim, ainda que este fim seja beneficente para outras pessoas ou para a humanidade em geral, presente ou futura.
Louva-se no artº 2º da Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina do Conselho da Europa.
Em resumo: atribui ao embrião o estatuto de pessoa humana tutelada pelos progenitores que, contudo, não têm direito de vida e morte sobre ele, tal como sucede na tutela jurídica dos filhos menores. Não deve ser usado para investigações que impliquem a sua destruição.
Posição B:
Relativiza o estatuto biológico do embrião in vitro porque não é um feto nem um recémnascido; a implantação no útero é um passo decisivo para que o embrião possa continuar vivo e desenvolver-se e só então adquirir o seu estatuto moral completo. Respeitar o embrião até aos 6-7 dias de desenvolvimeno não significa respeitá-lo como se fosse pessoa, mas sim não o usar de forma arbitrária, gratuita, para fins comerciais, etc. Usá-lo para investigação que salvaguarde valores substantivos, como aliviar sofrimento humano é manifestar respeito pelas pessoas que sofrem.
A teoria ética que fundamenta esta opinião B é a teoria utilitarista ou consequencialista que considera boas as acções ou decisões que prosseguem fins bons ou beneficentes, no presente ou no futuro, com respeito pelos princípios da autonomia e da equidade e em equilíbrio custos-benefícios com o princípio da não maleficência.
Em resumo: o embrião humano in vitro não é uma pessoa humana. In vitro tem estatuto de ser humano inviável e pode ser usado e destruído pela investigação se esta prossegue fins beneficientes superiores como o tratamento de doenças graves.
Ponto B1: O estatuto que atribui ao embrião é o mesmo da Posição B, mas deduz, da posição de relativização do estatuto biológico, a opinião de, para já, considerar que apenas devem ser usados os embriões sobrantes ou excedentários que foram constituídos para procriação e acabaram por ficar excluídos do projecto parental.
A teoria ética aplicada é a teoria utilitarista/gradualista. O gradualismo implica uma cuidadosa ponderação do valor dos fins em relação aos meios e do carácter beneficente dos fins em relação aos prejuízos e custos dos meios.
Neste caso, como os fins são ainda hipotéticos a resolução do dilema ético resultante do
conflito entre fins e meios não é urgente (não há nenhuma doença que possa ser tratada já nem num futuro próximo com células stem obtidas de embriões de clonagem). Numa perspectiva gradualista a decisão menos indesejável eticamente será usar os embriões excedentários congelados. Como as células stem podem ser imortalizadas em cultura o número de embriões a sacrificar será pequeno (o que é importante para a teoria gradualista).
Em resumo: Para já não deve ser admitida a constituição de embriões por transferência
nuclear (clonagem) para obter células stem destinadas à investigação destrutiva. Devem ser usados embriões excedentários.
Posição C: O estatuto biológico atribuído ao embrião é o mesmo das posições B e B1 mas reforça a noção de o embrião, até ao 14º dia, constituído por transferência nuclear (clonagem) não poder ser olhado como uma pessoa, embora, teoricamente, ele possa ser capaz de se desenvolver como uma pessoa.
A teoria ética aplicada pelos proponentes da posição C é utilitarista/relativista. Se o artefacto técnico obtido in vitro, a partir de uma célula diferenciada não foi constituído para procreação, embora possa formar células stem totipotentes, nos primeiros 6-7 dias, tal como um embrião constituído por fecundação, ele não tem o estatuto biológico de embrião. Em consequência, também não tem o estatuto moral de embrião, merecendo apenas o respeito mínimo outorgado a um órgão humano retirado do corpo pela cirurgia ou ao corpo humano após a morte.
Em resumo: usar pseudo-embriões obtidos in vitro por transferência nuclear de células humanas diferenciadas até ao 6º-7º dia de desenvolvimento em meio de cultura é eticamente aceitável. Este artefacto técnico é como que uma extensão do próprio corpo da pessoa e o seu uso deve ser preferido ao dos embriões obtidos por fecundação.
Nota Final
A informação disponível sobre este tópico é vastíssima e não é fácil de resumir.
Proponho que os membros deste grupo informal leiam os documentos base que lhes vão ser facultados para posteriormente se fazer uma reunião estruturada e se elaborar uma
Recomendação para o debate público e para uma orientação jurídica.
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