terça-feira, agosto 10, 2004

Lei dos genéricos duplica preço para alguns utentes

RUTE ARAÚJO
Aos 68 anos, Maria Augusta diz que a sua casa «é uma autêntica farmácia». Ela e o marido, de 90 anos, sabem que têm que fazer esticar a pensão «de 40 contos, na moeda antiga» para conseguir suportar as despesas de medicamentos, «perto de 20 contos todos os meses». Foi nestas contas aos remédios que se apercebeu, da última vez que regressou da farmácia, em Setúbal, que tinha pago mais do que o habitual por um medicamento para a osteoporose.

O fármaco de marca, um spray nasal com o princípio activo de calcitonina sintética de salmão, custa 59,67 euros, tal como está indicado na embalagem. No regime geral de comparticipações, Maria Augusta pagaria 17,90 euros. Mas, em vez disso, foi-lhe cobrado um total de 32,52 euros, quase o dobro do que contava gastar.

«Voltei à farmácia porque pensava que podia ter havido um engano. Foi então que me explicaram que é por causa da lei dos genéricos», conta. Segundo o actual regime de comparticipações, que vigora desde Março do ano passado, o reembolso feito pelo Estado tem por base não o preço do medicamento de marca, mas o custo do genérico mais caro. Neste caso, existe um fármaco com o mesmo princípio activo no valor de 38,79 euros, comparticipado a 80 por cento.

«O médico não me perguntou nem explicou nada», recorda Maria Augusta, decidida a, na próxima consulta, tomar ela a iniciativa de lhe perguntar se pode autorizar a substituição por um medicamento genérico. É que «este tratamento ainda vai demorar um bom bocado» e cada embalagem dura apenas duas semanas. O que se traduz numa despesa mensal de 65 euros.

A introdução dos preços de referência nos grupos homogéneos - que integram medicamentos com o mesmo princípio activo - foram uma das medidas tomadas para aumentar o peso dos genéricos no mercado e, ao mesmo tempo, fazer descer o custos dos medicamentos de marca. Os genéricos chegaram este ano a uma quota de mercado inédita de 7,2 por cento, mas a substituição de um medicamento de marca por um genérico tem apenas autorização explícita dos médicos em três por cento das receitas. Em 49 por cento dos casos, o médico não assinala se autoriza ou não a substituição, permitindo ao farmacêutico a venda de um genérico. Se o médico prescrever o medicamento mais caro, e não autorizar a substituição, o utente paga mais.

«A autorização da substituição é uma falsa questão. Se o médico quiser prescrever um genérico fá--lo directamente, não remete a decisão para o farmacêutico», diz Luís Pisco, presidente da Associação de Clínicos Gerais.

Desde este ano, os grupos homogéneos são actualizados trimestralmente, o que tem sido apontado pelos laboratórios como um facto desestabilizador. E, por isso, muitos só diminuem o valor de venda dos fármacos quando estes perdem quota de mercado.

O Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed) não tem ainda dados do primeiro semestre de 2004 em termos de gastos com medicamentos, quer para o Estado, quer para o utente.

Mas, segundo os dados do final do primeiro trimestre, do Observatório da Associação Nacional de Farmácias (ANF), a que o DN teve acesso, as previsões na despesa de medicamentos para este ano apontam para uma poupança do Estado de 72 milhões de euros. Também os doentes podem vir a poupar 50 milhões de euros, mas este valor é, segundo a análise feita pelo Observatório - com base na facturação das farmácias até Março - em grande parte suportada pela manutenção da ajuda do Estado aos doentes em regime especial, que são os mais carenciados.

Para evitar que estes fiquem prejudicados pela oscilação do mercado, o Estado dá uma ajuda extra de 25 por cento. Esta majoração foi estabelecida em 2003, período de transição na política do medicamento, e renovada em 2004. Um valor que será responsável por uma poupança de 11 milhões para os utentes. Contudo, os doentes do regime geral não estão abrangidos.