quarta-feira, agosto 11, 2004

JPP - Pobre País.

POBRE PAÍS - 3 - INTERESSE PÚBLICO

O “interesse público” tem as costas maiores que eu conheço. Tem a vantagem de não ter ninguém que o defina, logo servir para tudo.

Só que agora, eu sei bem o que é que era de interesse público: a divulgação dos nomes dos magistrados que desonram a sua função falando sob processos em que estão envolvidos, dos polícias que desonram a sua profissão revelando segredos profissionais, dos advogados que pisam a deontologia para promoverem os seus clientes. Sim. Esses é que era do interesse público sabermos quem são.

Só que a sacrossanta protecção das “fontes” o impede, apesar de ser difícil de comprovar que o anonimato que é protegido tenha alguma coisa a ver com qualquer “interesse público”. Estas pessoas não falaram aos jornalistas por amor da verdade ou para impedir um mal maior. Falaram porque são irresponsáveis e têm todos uma pequena agenda a promover.

Claro que o problema vem de cima, vem da cabeça, a tal que começa a apodrecer no peixe, gangrenando o corpo. Quando os principais responsáveis governamentais e da oposição, a maioria esmagadora dos grupos parlamentares e por aí adiante promovem a sua carreira com inconfidências e intrigas, é difícil esperar que actuem neste processo a não ser para se proteger a prazo, como “fontes”.
13:37 (JPP)

POBRE PAÍS - 2- TRANSPARÊNCIAS

Eu não quero que instituições como a justiça, procuradores, juízes, polícias sejam “transparentes”. Quero que eles respondam por aquilo que façam de errado. Quero accountability, não escrutínio em tempo real para vender “comunicação”, com a inevitável consequência que, quando é assim, são os poderosos que escapam, e os pobres que são punidos. A justiça e o trabalho das polícias é, deve ser, pela sua própria natureza, discreto e secreto, ou então não é. Se não o é, a injustiça cresce, na exacta medida dos títulos retumbantes de jornais e televisões.
13:34 (JPP)

POBRE PAÍS 1 - O PODER CORPORATIVO E A IRRESPONSABILIDADE

Toda esta trapalhada grave, muito grave, das cassetes roubadas, revela uma questão estrutural mais de fundo: nos últimos vinte anos, o poder de algumas corporações ultrapassou o do estado. Dois casos são hoje absolutamente pertinentes: o dos jornalistas e dos magistrados. À sua volta outros poderes cresceram, mais clássicos, o do dinheiro em particular, mas, no cômputo geral, o poder dos poderosos aumentou.

O crescimento do poder dos jornalistas e magistrados fez-se durante os mesmos anos e pelas mesmas razões: a pressão populista das oposições e a cedência cobarde de governos, para a constituição de contra-poderes que fizessem, fora do sistema político, aquilo que deveria ser feito por uma Assembleia forte e um sistema judicial equilibrado e eficaz. Como ninguém quis fortalecer a democracia onde ela devia ser fortalecida, criou-se um monstro que, a prazo, devora quem o gerou e degrada a vida pública.

O poder destas corporações levou-as ao local ideal: o da irresponsabilidade que gera a impunidade. Magistrados e jornalistas não podem ser chamados a qualquer responsabilidade, porque conquistaram uma absoluta irresponsabilidade. Nenhuma lei se lhes aplica efectivamente e só existem excepções nuns desgraçados apanhados a nível local e regional, sem a protecção dos maiores. Mas, na capital, nos grandes órgãos de comunicação, no limite, não há responsabilidade. Sempre que há uma crise, alguns jornalistas juram a pés juntos que certas coisas nunca mais irão acontecer… até à próxima crise em que elas acontecem de novo. Hoje estão-se a tornar tão habituais que estão a criar novos standards de comportamento. Já ninguém sabe como era, já só se sabe como é.

Não é legal gravar alguém sem o seu consentimento. Mas um jornalista pode fazê-lo. Não é legal divulgar conversas gravadas ilegalmente, mas um jornalista pode fazê-lo. Não é legal roubar e vender a um receptador (ou vários) o produto de um roubo, mas um jornalista pode ser receptador de um objecto roubado. Nada é legal, mas há sempre uma excepção para os jornalistas. Os jornalistas podem fazer o que um polícia ou um serviço de informações não pode. Os jornalistas podem fazer praticamente tudo, que não são responsáveis por nada. Basta invocar o “interesse público” que eles próprios definem. Depois quando se espera justiça, quem a devia garantir diz logo à cabeça que ela é impossível.

É verdade que tudo isto acontece pela miserável prática, que quase toda a gente acha normal, de fazer confidências como “fonte” dos jornais e televisões. Esta prática gera cumplicidades, e impedimentos que depois introduzem mais silêncios e incomodidades no completo esclarecimento dos casos. Acaba por haver culpados de um lado e de outro e, no momento decisivo, eles calam-se para não se comprometerem e se protegerem. Como na corrupção.

Se é verdade que desde o director da PJ, a agentes, magistrados envolvidos nos processos, advogados de defesa, políticos, seja lá quem for que entende defender a sua causa, os seus interesses, ou valorizar-se junto de jornalistas, ou pura e simplesmente mostrar-se loquaz e incontinente sobre segredos que lhe dão a guardar, eu só acredito num estado e num governo que os ponha na rua no dia seguinte. Por justíssima causa.
11:35 (JPP)