sábado, dezembro 17, 2011

O que faz falta

É alguém que lidere e dê esperança à malta

A angústia de gerir em crise é o tema de capa da edição de dezembro da revista “Exame”. Vale a pena ouvir o que têm para dizer dois dos seis empresários entrevistados. Cardoso Pinto já presidiu à Efacec e à Petrogal, transformando sempre prejuízos em lucros. Agora está a fazer o mesmo à frente da Adira, uma empresa que produz chapa cortada. “No relançamento é preciso ser determinado, focado, ter bom senso. Quando se entra numa empresa não vale a pena apontar 85 coisas mal. É melhor escolher três coisas fundamentais para desenvolver e, depois, ser célere”.

A mudança é fundamental mas não chega: “Um gestor novo traz um período de lua de mel que permite fazer coisas. Mas vai precisar de algumas vitórias iniciais para motivar. Rosabeth Moss Kanter, uma das teóricas da gestão de mudança, diz que o segredo para transformar uma empresa em dificuldades consiste em motivar o pessoal e aumentar a sua confiança”. E como se faz isso? “Com diálogo, comunicação, transparência, respeito, recusando uma cultura de culpabilidade, estimulando a colaboração”.

Paulo Maló, fundador e presidente da Malo Health Clinics, diz que “a gestão em crise tem muito que ver com a parte emocional e não tanto com gerir números”. Depois acrescenta que “gerir custos é relativamente fácil. Qualquer gestor sabe cortar. Quem marca a diferença são os gestores líderes, que em crise conseguem manter as tropas moralizadas, sem fazerem muitas asneiras irracionais”. E como é que neste quadro se mantêm as pessoas motivadas? “Primeiro com o máximo de informação possível. Em segundo lugar, um líder tem sempre de conseguir transmitir otimismo e esperança. Tem sempre de mostrar a luz ao fundo do túnel. Qualquer ser humano aguenta um período de stresse, desde que não seja muito longo. Se o líder sabe que este vai ser mais longo do que a média que o ser humano aguenta, tem de mostrar a luz a meio do túnel e dizer que é o final do túnel”.

Mutatis mutandis, que avaliação poderemos fazer se considerarmos Pedro Passos Coelho o presidente da empresa Portugal e nós todos os seus trabalhadores? O primeiro-ministro é determinado e focado nos objetivos. É afável, amável, diplomata. Tem sido transparente, fornecendo cruamente a informação disponível e tem cortado brutalmente nos custos. Isto faz dele um líder que nos anime para enfrentar o Adamastor de dificuldades que temos pela frente? Infelizmente não. Passos não hesita em culpabilizar-nos pela situação em que nos encontramos: o excesso de consumo, o Estado social acima das nossas possibilidades. Como programa político defende que só saímos desta situação empobrecendo. Em entrevista à SIC Notícias arrepoiou caminho mas não deu alternativa: “o empobrecimento não é uma via para sair da crise. É uma consequência”. Como é que isto motiva alguém a lutar, a sacrificar-se, a exceder-se para dar a volta à situação?

Passos chegou ao poder e disse tudo o que estava mal. Não referiu uma única coisa que estivesse bem. Aliás, Passos carrega sempre nas tintas. Se pensamos que 2012 vai ser um ano péssimo, ele acrescenta que será dramático. Se consideramos que as coisas estão más, ele acrescenta que vão ficar piores. Passos não motiva os cidadãos nem aumenta a sua confiança. Pelo contrário, acrescenta desalento ao desalento, desânimo ao desânimo, fraqueza à fraqueza e instila em todos nós um sentimento de culpabilidade pelo que nos está a acontecer.

Passos está obcecado - e muito bem - pelo cumprimento do acordo com a troika. Mas não faz a gestão emocional da crise, nem nenhum esforço para manter as tropas moralizadas. Passos dá sempre a impressão de estar mais do lado dos credores do que do nosso. Não se preocupa minimamente em transmitir otimismo e esperança, nem em mostrar a luz ao fundo do túnel.

Desde que chegou ao Governo, fez várias promessas importantes que desdisse. E numa situação destas isso é um erro dramático. Quando agora afirma que não haverá novo aumento de impostos em 2012, já ninguém acredita. E é por isso que Passos corre dois enormes riscos. O primeiro é levar-nos a todos para um lugar de miséria e desesperança. O segundo é descobrir que está sozinho quando necessitar de tropas para a batalha.

O caso da suspensão do investimento na fábrica da Renault/nissan de baterias de iões de lítio em Aveiro é paradigmático. Passos veio dizer que não havia contrato assinado, que o Governo não podia fazer nada, que a decisão tinha sido da empresa. Não se notou vontade de ir à luta, de se bater pelo projeto, de tentar que houvesse alguma contrapartida. Pelo contrário, perpassou nas suas palavras a resignação, a aceitação da decisão como uma fatalidade divina. Ou então entendeu não gastar esforços com um projeto negociado pelo anterior governo. Fez pessimamente porque, além de tudo o que se perde, a suspensão deste projeto pode ser o detonador para outros investidores estrangeiros se interrogarem sobre o que estão a fazer num país que não lhes promete nada senão desemprego, miséria e baixíssimos níveis de consumo nos próximos anos. Mas isto são minudências que não parecem preocupar Passos.

Nicolau Santos, expresso 17.12.11

Etiquetas: