Artur Vaz, sente falta
de orientação estratégica
Artur Vaz diz que se devia pensar em reformular os órgãos de gestão hospitalares
«Estado tende a ser ultra-regulador e desconfiado» com os privados
Artur Vaz, presidente do conselho de administração do Hospital de Fernando Fonseca, diz que não podem retirar-se conclusões da experiência da gestão privada nesta unidade. Aponta como um dos projectos o aumento do número de camas e confessa que, enquanto gestor público, sente falta de orientação estratégica.
«Estado tende a ser ultra-regulador e desconfiado» com os privados
Artur Vaz, presidente do conselho de administração do Hospital de Fernando Fonseca, diz que não podem retirar-se conclusões da experiência da gestão privada nesta unidade. Aponta como um dos projectos o aumento do número de camas e confessa que, enquanto gestor público, sente falta de orientação estratégica.
Tempo Medicina — Fez parte da administração do Hospital de Fernando Fonseca (HFF) na altura em que tinha gestão privada. Sente agora muitas «amarras» tendo de trabalhar enquadrado por uma EPE?
Artur Vaz — De facto, noto diferença. O que acho é que a tomada de decisões e a sua implementação no sector privado são mais rápidas do que no sector público. Neste sector há um processo, às vezes excessivamente longo, de consensualização das decisões, de busca de apoio. No privado estamos muito perto dos interesses estratégicos dos accionistas, além de que há uma representação do accionista nos órgãos de gestão e, portanto, o comando estratégico é dado pelos accionistas. Aqui, recebemos orientações de diversos organismos do Estado que nem sempre são consonantes, pelo que não há uma linha tão precisa de orientação estratégica. E isso dificulta a gestão dos serviços públicos.
TM — Seria, então, vantajoso que as direcções dos hospitais tivessem mais autonomia?
AV — Não sei se a questão é a de se ter mais autonomia ou se é mais em relação à perspectiva estratégica dentro de nós mesmos, eventualmente com a criação de órgãos de gestão diferentes deste. No conselho de administração (CA) não há uma representação dos accionistas, que no caso concreto é o Ministério da Saúde (MS) ou o Ministério das Finanças, ou dos stakeholders, portanto, dos interessados no hospital. E, assim, temos dificuldade de orientação estratégica dentro do hospital, pelo que somos mais executivos e menos estratégicos do que o desejável. Tenho o plano estratégico, debato com a Administração Central dos Sistemas de Saúde e com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), mas, por exemplo, esta estrutura é ao mesmo tempo minha cliente porque é quem me compra grande parte dos cuidados que presto. Há um conflito latente de interesses entre o Estado comprador e o Estado accionista. Acho que se devia pensar numa reformulação na estrutura de governo dos hospitais.
TM — A contratualização não resolve esta questão?
AV — Ao nível estratégico, há uma parte que tem a ver com o atingir de objectivos de natureza qualitativa, de acessibilidade, etc. Mas, no fundo, estou sempre a discutir com o meu comprador. E acho que não deve ser o meu comprador a definir a minha estratégia, mas sim os accionistas ou os stakeholders do hospital. O business plan a três anos é o ideal para fazer essa discussão só que é apenas um momento. Às vezes, há decisões que se tomam dentro do hospital, mesmo de natureza executiva, que têm uma dimensão estratégica. E nessa altura olhamos para trás e não vemos ninguém que nos ajude a pensar se é bom ou não avançar.
«Tem de ser garantida a neutralidade ideológica»
TM — Os 13 anos de gestão privado no HFF terminaram de uma maneira um pouco turbulenta, mas as parcerias público-privadas (PPP) vão continuar em outros hospitais. O que se pode retirar da experiência aqui?
AV — Vou ser sincero: acho que ninguém sabe o que se pode retirar da experiência do HFF. Mas se há alguma coisa que se pode retirar é que a relação não correu completamente bem. Houve muito atrito, perdeu-se tempo em coisas que, para mim, são secundárias. O Estado tende a ser ultra-regulador e desconfiado na relação com os privados. E não estou a defender nem a José de Mello Saúde (JMS) nem outro privado, estou a analisar a postura do Estado numa parceria. Uma parceria é um encontro de interesses e isso pressupõe que os interessados principais tenham uma relação de confiança, com o Estado naturalmente, a controlar a execução dos contratos. A vontade do Estado é produzida pelos seus agentes e nem sempre estes concordam com a estratégia definida pelo próprio Estado. Houve situações concretas identificáveis no processo de gestão do HFF em que as pessoas que representavam o Estado nesta relação eram contra o modelo e assumidamente tentaram «bombardeá-lo». Assim como houve pessoas neutras em relação ao modelo que entendiam que o que era preciso era que a relação corresse bem para que o hospital funcionasse bem. Não é preciso ter, da parte do Estado, defensores do privado, mas é preciso ter pessoas ideologicamente neutras em relação aos modelos e, muitas vezes, no Estado isso não acontece. Tem de ser garantida a neutralidade ideológica dos agentes do Estado — e nisso acho que se evoluiu nos últimos anos — e a sofisticação técnica do Estado necessária para uma parceria desta natureza.
TM — Não há, então, possibilidade de se fazer uma avaliação?
AV — Devo dizer que se não tivesse havido HFF não teria havido hospitais SA e EPE, não tinha havido o Hospital de Santa Maria da Feira, nem uma série de coisas. O HFF é um marco histórico, até porque serviu, pelo mal e pelo bem, de modelo para o que se deve fazer ou não. Mas uma avaliação técnica, ideologicamente neutra, completa, complexa e integral do que foi a experiência do hospital nunca foi feita. A última avaliação que saiu creio que foi da Universidade Nova de Lisboa, uma encomenda da JMS, na qual toda a gente «bateu» por causa disso. Não digo que esta avaliação seja «a avaliação», mas também não é preciso acusar os seus autores de serem parciais porque quem pagou foi a JMS. O certo é que o Estado não produziu nenhuma avaliação alternativa. A avaliação está por fazer, como vai ficar por fazer nas próximas experiências.
TM — As novas PPP serão como começar tudo de novo?
AV — É um bocado assim. Estamos sempre a começar, nunca pegamos nada em andamento…
«Ganhar capacidade de internamento»
TM — A Urgência tem sido apontada como um dos problemas do HFF, mas o Serviço de Urgência Básica (SUB) de Algueirão-Mem Martins, indicado como uma ajuda para este problema, ainda não está a funcionar…
AV — A Urgência do HFF sempre foi pequena de mais para a procura que tem. Outro factor que contribui para que a Urgência não funcione tão bem quanto o desejável está na capacidade de internamento. Se temos 90 pessoas que precisamos de internar num dia e só temos 15 vagas, temos um problema. Quando temos, das quase 800 camas, entre 40 e 50 ocupadas com casos sociais, também tenho um problema. Portanto, o hospital precisa de ganhar capacidade de internamento, nomeadamente em Medicina. O que decidimos e estamos em vias de implementar é a criação de um novo serviço de Medicina. Vamos passar a ter mais 80 camas de Medicina Interna dentro do hospital. Isto porque em determinadas alturas no Inverno chegamos a ter mais de 100 camas fora dos serviços de Medicina, o que é insustentável.
TM — Em que medida, então, o SUB de Algueirão-Mem Martins pode ajudar a solucionar o problema da Urgência?
AV — Pode, essencialmente, no caso de doentes que não precisam de ser internados. Nós, em conjunto com a ARSLVT, estamos a ser muito conservadores na acessibilidade ao SUB. Não vamos atender crianças no SUB, pelo menos no princípio, porque achamos que em situação de emergência é desejável que venham a uma Urgência pediátrica, e ela só está aqui. Não vamos atender grávidas no SUB. Vamos tentar não atender no SUB pessoas transportadas em ambulância, de forma diminuir o risco de quem recorre àquele serviço.
TM — Existe previsão de quando possa abrir?
AV — Não posso dizer exactamente quando as obras vão acabar porque é um processo que está a ser gerido directamente pela ARSLVT.
TM — Falou de mais 80 camas de Medicina no HFF. Até que ponto se justifica, atendendo a que o hospital de Sintra está a ser programado?
AV — Quando o hospital de Sintra estiver construído a minha ideia é reduzir camas aqui, até porque este hospital tem mais cerca de 100 camas do que tinha no início, no mesmo espaço. Relativamente a Sintra, também é preciso ver que se houver a unidade local de saúde (ULS) e se a população de Mafra passar a receber cuidados hospitalares na área de Amadora/Sintra, então o hospital de Sintra terá de ter uma dimensão mais alargada porque vai abranger mais 65 a 70 mil pessoas de Mafra.
O plano de investimentos
Segundo o presidente do CA do Hospital de Fernando Fonseca, Artur Vaz, a proposta que está em cima da mesa para o capital estatutário é de 76 milhões de euros. O valor está em negociação e só deve estar definido dentro de dois meses, mas os planos são os seguintes:
- Obras substanciais no Serviço de Urgência para melhorar as condições de atendimento e de trabalho dos profissionais;
- Aumento da capacidade de cirurgia de ambulatório;
- Obras de melhoramento do edifício;
- Abordar a questão da eficiência energética e do reforço da potência instalada para se poder montar equipamento — por exemplo, ar condicionado.
Artur Vaz — De facto, noto diferença. O que acho é que a tomada de decisões e a sua implementação no sector privado são mais rápidas do que no sector público. Neste sector há um processo, às vezes excessivamente longo, de consensualização das decisões, de busca de apoio. No privado estamos muito perto dos interesses estratégicos dos accionistas, além de que há uma representação do accionista nos órgãos de gestão e, portanto, o comando estratégico é dado pelos accionistas. Aqui, recebemos orientações de diversos organismos do Estado que nem sempre são consonantes, pelo que não há uma linha tão precisa de orientação estratégica. E isso dificulta a gestão dos serviços públicos.
TM — Seria, então, vantajoso que as direcções dos hospitais tivessem mais autonomia?
AV — Não sei se a questão é a de se ter mais autonomia ou se é mais em relação à perspectiva estratégica dentro de nós mesmos, eventualmente com a criação de órgãos de gestão diferentes deste. No conselho de administração (CA) não há uma representação dos accionistas, que no caso concreto é o Ministério da Saúde (MS) ou o Ministério das Finanças, ou dos stakeholders, portanto, dos interessados no hospital. E, assim, temos dificuldade de orientação estratégica dentro do hospital, pelo que somos mais executivos e menos estratégicos do que o desejável. Tenho o plano estratégico, debato com a Administração Central dos Sistemas de Saúde e com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), mas, por exemplo, esta estrutura é ao mesmo tempo minha cliente porque é quem me compra grande parte dos cuidados que presto. Há um conflito latente de interesses entre o Estado comprador e o Estado accionista. Acho que se devia pensar numa reformulação na estrutura de governo dos hospitais.
TM — A contratualização não resolve esta questão?
AV — Ao nível estratégico, há uma parte que tem a ver com o atingir de objectivos de natureza qualitativa, de acessibilidade, etc. Mas, no fundo, estou sempre a discutir com o meu comprador. E acho que não deve ser o meu comprador a definir a minha estratégia, mas sim os accionistas ou os stakeholders do hospital. O business plan a três anos é o ideal para fazer essa discussão só que é apenas um momento. Às vezes, há decisões que se tomam dentro do hospital, mesmo de natureza executiva, que têm uma dimensão estratégica. E nessa altura olhamos para trás e não vemos ninguém que nos ajude a pensar se é bom ou não avançar.
«Tem de ser garantida a neutralidade ideológica»
TM — Os 13 anos de gestão privado no HFF terminaram de uma maneira um pouco turbulenta, mas as parcerias público-privadas (PPP) vão continuar em outros hospitais. O que se pode retirar da experiência aqui?
AV — Vou ser sincero: acho que ninguém sabe o que se pode retirar da experiência do HFF. Mas se há alguma coisa que se pode retirar é que a relação não correu completamente bem. Houve muito atrito, perdeu-se tempo em coisas que, para mim, são secundárias. O Estado tende a ser ultra-regulador e desconfiado na relação com os privados. E não estou a defender nem a José de Mello Saúde (JMS) nem outro privado, estou a analisar a postura do Estado numa parceria. Uma parceria é um encontro de interesses e isso pressupõe que os interessados principais tenham uma relação de confiança, com o Estado naturalmente, a controlar a execução dos contratos. A vontade do Estado é produzida pelos seus agentes e nem sempre estes concordam com a estratégia definida pelo próprio Estado. Houve situações concretas identificáveis no processo de gestão do HFF em que as pessoas que representavam o Estado nesta relação eram contra o modelo e assumidamente tentaram «bombardeá-lo». Assim como houve pessoas neutras em relação ao modelo que entendiam que o que era preciso era que a relação corresse bem para que o hospital funcionasse bem. Não é preciso ter, da parte do Estado, defensores do privado, mas é preciso ter pessoas ideologicamente neutras em relação aos modelos e, muitas vezes, no Estado isso não acontece. Tem de ser garantida a neutralidade ideológica dos agentes do Estado — e nisso acho que se evoluiu nos últimos anos — e a sofisticação técnica do Estado necessária para uma parceria desta natureza.
TM — Não há, então, possibilidade de se fazer uma avaliação?
AV — Devo dizer que se não tivesse havido HFF não teria havido hospitais SA e EPE, não tinha havido o Hospital de Santa Maria da Feira, nem uma série de coisas. O HFF é um marco histórico, até porque serviu, pelo mal e pelo bem, de modelo para o que se deve fazer ou não. Mas uma avaliação técnica, ideologicamente neutra, completa, complexa e integral do que foi a experiência do hospital nunca foi feita. A última avaliação que saiu creio que foi da Universidade Nova de Lisboa, uma encomenda da JMS, na qual toda a gente «bateu» por causa disso. Não digo que esta avaliação seja «a avaliação», mas também não é preciso acusar os seus autores de serem parciais porque quem pagou foi a JMS. O certo é que o Estado não produziu nenhuma avaliação alternativa. A avaliação está por fazer, como vai ficar por fazer nas próximas experiências.
TM — As novas PPP serão como começar tudo de novo?
AV — É um bocado assim. Estamos sempre a começar, nunca pegamos nada em andamento…
«Ganhar capacidade de internamento»
TM — A Urgência tem sido apontada como um dos problemas do HFF, mas o Serviço de Urgência Básica (SUB) de Algueirão-Mem Martins, indicado como uma ajuda para este problema, ainda não está a funcionar…
AV — A Urgência do HFF sempre foi pequena de mais para a procura que tem. Outro factor que contribui para que a Urgência não funcione tão bem quanto o desejável está na capacidade de internamento. Se temos 90 pessoas que precisamos de internar num dia e só temos 15 vagas, temos um problema. Quando temos, das quase 800 camas, entre 40 e 50 ocupadas com casos sociais, também tenho um problema. Portanto, o hospital precisa de ganhar capacidade de internamento, nomeadamente em Medicina. O que decidimos e estamos em vias de implementar é a criação de um novo serviço de Medicina. Vamos passar a ter mais 80 camas de Medicina Interna dentro do hospital. Isto porque em determinadas alturas no Inverno chegamos a ter mais de 100 camas fora dos serviços de Medicina, o que é insustentável.
TM — Em que medida, então, o SUB de Algueirão-Mem Martins pode ajudar a solucionar o problema da Urgência?
AV — Pode, essencialmente, no caso de doentes que não precisam de ser internados. Nós, em conjunto com a ARSLVT, estamos a ser muito conservadores na acessibilidade ao SUB. Não vamos atender crianças no SUB, pelo menos no princípio, porque achamos que em situação de emergência é desejável que venham a uma Urgência pediátrica, e ela só está aqui. Não vamos atender grávidas no SUB. Vamos tentar não atender no SUB pessoas transportadas em ambulância, de forma diminuir o risco de quem recorre àquele serviço.
TM — Existe previsão de quando possa abrir?
AV — Não posso dizer exactamente quando as obras vão acabar porque é um processo que está a ser gerido directamente pela ARSLVT.
TM — Falou de mais 80 camas de Medicina no HFF. Até que ponto se justifica, atendendo a que o hospital de Sintra está a ser programado?
AV — Quando o hospital de Sintra estiver construído a minha ideia é reduzir camas aqui, até porque este hospital tem mais cerca de 100 camas do que tinha no início, no mesmo espaço. Relativamente a Sintra, também é preciso ver que se houver a unidade local de saúde (ULS) e se a população de Mafra passar a receber cuidados hospitalares na área de Amadora/Sintra, então o hospital de Sintra terá de ter uma dimensão mais alargada porque vai abranger mais 65 a 70 mil pessoas de Mafra.
O plano de investimentos
Segundo o presidente do CA do Hospital de Fernando Fonseca, Artur Vaz, a proposta que está em cima da mesa para o capital estatutário é de 76 milhões de euros. O valor está em negociação e só deve estar definido dentro de dois meses, mas os planos são os seguintes:
- Obras substanciais no Serviço de Urgência para melhorar as condições de atendimento e de trabalho dos profissionais;
- Aumento da capacidade de cirurgia de ambulatório;
- Obras de melhoramento do edifício;
- Abordar a questão da eficiência energética e do reforço da potência instalada para se poder montar equipamento — por exemplo, ar condicionado.
Susana Ribeiro Rodrigues, Tempo de Medicina 25.05.09
<< Home