O Público e o privado na saúde
Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental questiona um sistema de saúde baseado em seguros
Notícias recentemente vindas a público revelam que empresários do sector da saúde estariam interessados num modelo de sistema de saúde baseado em seguros.
Por razões de natureza e continuidade histórica, os privados têm tido um papel importante na prestação de cuidados na área do ambulatório, mas com pouca expressão na vertente do internamento. O crescimento dos seguros de saúde e a construção de novos hospitais privados, vieram levantar diversas questões relativamente ao papel dos privados na vertente hospitalar, onde, no que diz respeito às relações com o Estado, no essencial, se colocam duas possibilidades: ou a evolução para um modelo convencionado e/ou contratualizado bastante alargado, à semelhança do que já existe para o ambulatório e onde os seguros poderiam ter um papel importante, ou a redução a um modelo limitado, semelhante ao actual, apenas possível após estar rentabilizada a capacidade instalada do sector público ou o Estado não conseguir responder à procura, conjugando-se, deste modo, os interesses do Estado com os dos cidadãos. A primeira hipótese é a que mais agrada aos privados, porque o mercado hospitalar nas condições actuais, não parece suficiente para garantir o desenvolvimento e sustentabilidade do sector.
Em primeiro lugar, porque o modelo de organização do sistema de saúde, com um Serviço Nacional de Saúde (SNS) de características gerais e universais e praticamente gratuito no internamento, é fortemente concorrencial com o sector privado hospitalar, além dos custos do internamento no privado poderem ser muito elevados mesmo para quem possua um seguro de saúde.
Em segundo, porque os hospitais públicos, apesar das conhecidas dificuldades no acesso a certas patologias, mantêm um elevado grau de confiança, sendo ainda evidente, neste momento, um esforço de melhoria da eficiência, da humanização e da capacidade de resposta do sector público, possibilitando uma maior facilidade na resolução dos problemas que cronicamente têm afectado este sector. Isto não são boas notícias para o sector privado que tem vivido muito das insuficiências e ineficiências do sector público. Os resultados económico-financeiros do primeiro semestre de 2007 dos Hospitais, EPE vieram confirmar uma notável melhoria na eficiência com oito hospitais a terem já resultados positivos e esperando-se que o mesmo aconteça em 25 hospitais em 2009.
Em terceiro lugar, porque a eventual redução dos benefícios fiscais com as despesas da saúde, que representam actualmente quase 500 milhões de euros anuais, poderá vir a significar mais um problema acrescido, ao reduzir o estímulo à procura de novos seguros.
Finalmente, a possibilidade de poderem ou não efectuar contratos com os subsistemas públicos e privados e com os grandes grupos seguradores, irá ser também determinante para a sustentabilidade do negócio, além de que os preços actualmente a pagar são na maior parte dos casos muito baixos, levando à necessidade de grandes economias de escala.
Do que foi dito, não admira a ansiedade do sector privado hospitalar relativamente à urgente necessidade de rentabilizar os seus investimentos e, por isso, à sua opção por um modelo baseado em seguros de saúde. O problema para os defensores desta tese é que, do ponto de vista político, é muito improvável a opção por um modelo deste tipo, mesmo à direita do espectro político. As razões de continuidade histórica e os custos mais elevados atribuídos a esse modelo face aos do tipo SNS continuam a ter um grande peso na decisão política. Além disso, o SNS tem provas dadas no que respeita à franca melhoria dos indicadores de saúde, e é mais solidário que os modelos baseados em seguros. Manter no essencial o actual modelo de financiamento e continuar a efectuar as reformas necessárias é o caminho certo, caminho esse de que já se começam a ver resultados.
José Miguel Boquinhas, semanário expresso. edição 1823 de 05.10.2007
Notícias recentemente vindas a público revelam que empresários do sector da saúde estariam interessados num modelo de sistema de saúde baseado em seguros.
Por razões de natureza e continuidade histórica, os privados têm tido um papel importante na prestação de cuidados na área do ambulatório, mas com pouca expressão na vertente do internamento. O crescimento dos seguros de saúde e a construção de novos hospitais privados, vieram levantar diversas questões relativamente ao papel dos privados na vertente hospitalar, onde, no que diz respeito às relações com o Estado, no essencial, se colocam duas possibilidades: ou a evolução para um modelo convencionado e/ou contratualizado bastante alargado, à semelhança do que já existe para o ambulatório e onde os seguros poderiam ter um papel importante, ou a redução a um modelo limitado, semelhante ao actual, apenas possível após estar rentabilizada a capacidade instalada do sector público ou o Estado não conseguir responder à procura, conjugando-se, deste modo, os interesses do Estado com os dos cidadãos. A primeira hipótese é a que mais agrada aos privados, porque o mercado hospitalar nas condições actuais, não parece suficiente para garantir o desenvolvimento e sustentabilidade do sector.
Em primeiro lugar, porque o modelo de organização do sistema de saúde, com um Serviço Nacional de Saúde (SNS) de características gerais e universais e praticamente gratuito no internamento, é fortemente concorrencial com o sector privado hospitalar, além dos custos do internamento no privado poderem ser muito elevados mesmo para quem possua um seguro de saúde.
Em segundo, porque os hospitais públicos, apesar das conhecidas dificuldades no acesso a certas patologias, mantêm um elevado grau de confiança, sendo ainda evidente, neste momento, um esforço de melhoria da eficiência, da humanização e da capacidade de resposta do sector público, possibilitando uma maior facilidade na resolução dos problemas que cronicamente têm afectado este sector. Isto não são boas notícias para o sector privado que tem vivido muito das insuficiências e ineficiências do sector público. Os resultados económico-financeiros do primeiro semestre de 2007 dos Hospitais, EPE vieram confirmar uma notável melhoria na eficiência com oito hospitais a terem já resultados positivos e esperando-se que o mesmo aconteça em 25 hospitais em 2009.
Em terceiro lugar, porque a eventual redução dos benefícios fiscais com as despesas da saúde, que representam actualmente quase 500 milhões de euros anuais, poderá vir a significar mais um problema acrescido, ao reduzir o estímulo à procura de novos seguros.
Finalmente, a possibilidade de poderem ou não efectuar contratos com os subsistemas públicos e privados e com os grandes grupos seguradores, irá ser também determinante para a sustentabilidade do negócio, além de que os preços actualmente a pagar são na maior parte dos casos muito baixos, levando à necessidade de grandes economias de escala.
Do que foi dito, não admira a ansiedade do sector privado hospitalar relativamente à urgente necessidade de rentabilizar os seus investimentos e, por isso, à sua opção por um modelo baseado em seguros de saúde. O problema para os defensores desta tese é que, do ponto de vista político, é muito improvável a opção por um modelo deste tipo, mesmo à direita do espectro político. As razões de continuidade histórica e os custos mais elevados atribuídos a esse modelo face aos do tipo SNS continuam a ter um grande peso na decisão política. Além disso, o SNS tem provas dadas no que respeita à franca melhoria dos indicadores de saúde, e é mais solidário que os modelos baseados em seguros. Manter no essencial o actual modelo de financiamento e continuar a efectuar as reformas necessárias é o caminho certo, caminho esse de que já se começam a ver resultados.
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