sábado, dezembro 03, 2005

O Estatuto dos HH

1.- Para o Prof. Doutor Jorge Manuel Coutinho de Abreu, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, regente da cadeira de Direito Comercial, entre outras, num trabalho provisório intitulado «Sociedade Anónima, a Sedutora (Hospitais, S.A., Portugal, S.A.)» refere o seguinte:
a)- «o novo modelo de gestão não exigia a transformação de hospitais de hospitais públicos em sociedades anónimas»; «o velho estatuto jurídico dos hospitais permite mudanças na (“racionalização” da) gestão. Tanto mais quanto é certo que os institutos públicos não se regem por um estatuto (legal) geral (fala-se por isso em atipicidade dos entes institucionais). Podem, pois, ser conformados com grande liberdade pela lei. Inclusive para ficarem sujeitos ao direito privado em muitos aspectos do seu funcionamento. Aliás, é sabido que os estatutos de vários institutos públicos foram alterados (sobretudo a partir dos anos oitenta) a fim de confessadamente, os aproximar do estatuto das EP (agora EPE) – nomeadamente nos domínios da gestão financeira e patrimonial, da tutela do governo, do estatuto dos administradores, do estatuto dos trabalhadores, das relações com terceiros (a regrer pelo direito privado)» (pág.10)
b) - «Contudo, porque os hospitais S.A., estão aí, sempre direi: tenham saúde e vida longa …» (pág. 18)

2 - Por sua vez, Maria João Estorninho (in A Fuga para o Direito Privado. Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública, Almedina, Coimbra), escreve:
a)- «tem-se verificado que estes fenómenos de “privatização” da Administração Pública resultam intencionalmente de “ considerações ilegítimas”.Na verdade, é fácil imaginar que, por detrás deste tipo de fenómenos, existam por vezes objectivos velados e subreptícios, como sejam os de tentar ultrapassar as vinculações jurídico-públicas a que a Administração de outro modo estarias sujeita, em relação às competências, às formas de organização e de actuação, aos controlos ou à responsabilidade» (pág. 67. Acrescenta em nota de rodapé: «a este propósito, ACHTERBERG aponta como exemplo de uma desvantagem deste recurso ao Direito Privado, o facto de se conseguir evitar “o controlo democrático do ente-mãe»)
b) - «Curiosamente, se por um lado se verifica essa diluição de responsabilidade, por outro parece-me que a proclamada autonomia destas entidades acaba por ser ilusória. Ou seja, nem há verdadeira autonomia, que levaria a que funcionassem os mecanismos de controlo normais do Direito Privado, em especial do Direito Comercial, nem, por outro lado, se reconhece que estas entidades são afinal entidades públicas, sujeitas aos controlos tradicionais jurídico-públicos» (: 73)
c)- «na verdade, muitas são as possibilidades de interferência do Estado na gestão de todas estas pessoas colectivas privadas, quer através dos poderes que lhe advêm da sua posição de sócio maioritário ou mesmo único, quer através de outros tipo de prerrogativas que o legislador lhe reconhece» (id., ibid.)
d)- «Vale a pena chamar a atenção para o facto de, de acordo com a definição científica da esquizofrenia, “um dos sintomas mais estranhos ser a destruição da unidade do ego e da imagem do corpo”. Assim, na fase mais avançada da doença, “o esquizofrénico já não consegue apreender o seu corpo como uma unidade; sente-o fragmentado, rasgado, disperso. Regressa assim ao “fantasma do corpo desconjuntado”, que pré-existe à formação do ego na criança» (…) Parece legítimo perguntar se o Estado não estará hoje a atingir o tal estádio mais grave de “esquizofrenia”» (:79)
e) - «ACHTERBERG aponta precisamente, como um dos riscos deste recurso generalizado ao Direito Privado, o facto de se “pôr em perigo a unidade da Administração” cujo “corpo”, diria eu, voltando à imagem da esquizofrenia, está hoje indiscutivelmente “fragmentado, rasgado, disperso…» (:80)
f)- «Em conclusão, ao contrário do que se verifica nos casos patológicos e reais de esquizofrenia, considerados do ponto de vista clínico como “casos perdidos”, para os quais se recomenda como único paliativo o “internamento perpétuo”, resta-me apenas esperar que a situação da Administração Pública não seja já irremediável e que para esta “esquizofrenia jurídica” possa ainda haver solução» (: id., ibid.)
3 - Não querendo alongar mais o que já vai longo, apenas gostaria de acrescentar, finalizando, o seguinte:
a)- Cada vez é mais evidente que CC é um homem do Banco Mundial (não foi em vão que CC esteve um ano a trabalhar para este organismo);
b)- CC é filho do consenso de Washington, produto refinado da doutrina neoliberal e fundamento das políticas levadas a cabo pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional baseado no tríptico estabilização, liberalização, privatização.
c)- A ideia central deste consenso de Washington, definido nos princípios do anos 90, é que «le mieux-être des peuples passe par l’ ouverture des frontières, la libéralisation du commerce et de la finance, la déréglementation et les privatisations, le recul des dépenses publiques et des impôts au profit des activités privées, la primauté des investissements internationaux et des marchés financiers ; en somme, le déclin du politique et de l’ État au profit des intérêts privés» (PLIHON, Dominique, 2004, Le nouveau capitalisme. Paris. Répères. Éditions La Découvert, pág. 23 e 24)

Nós já o sabíamos, os outros é que não!