sábado, dezembro 03, 2005

Empresarialização dos HH

Estou com os que acham que a reforma do nosso Sistema de Saúde e a sustentabilidade de um SNS exige profundas reformas nas quais se inclui um novo modelo de gestão das unidades de saúde (hospitais e outras). Modelo esse de que não tem que se excluir a empresarialização, entendida como um modelo gestionário da moderna Administração Pública. Não se confunda, porém, empresarialização com privatização. E sob este ponto de vista nada impede que o modelo seja SA ou EPE. Num caso como noutro, ou até mesmo no modelo SPA, o Estado poderá sempre alienar ou não os estabelecimentos de saúde ou cometer a sua gestão a entidades privadas. Porém, não será a já badalada hipótese de "falência" das SA's que dará necessariamente lugar à privatização. Sendo o Estado o único accionista, cabe-lhe, sempre, financiar os défices dessas empresas e fá-lo-á se entender que as mesmas se devem manter totalmente Públicas. De resto os "credores" dos SPA's (cujas dívidas acumuladas são enormes e se calhar nem todas se conhecem!)não estão impedidos de exigir, pelas vias judiciais, o pagamento acompanhado da penhora de bens, sendo, como creio que são, os SPA's organismos dotados de personalidade jurídica.
E certamente o Estado não deixará de dotar os mesmos com as verbas necessárias à satisfação dos compromissos financeiros assumidos. Ou estarei enganado?
Por outro lado, são conhecidos casos de sucesso do modelo empresarial em vários países e não temos que ter complexos. Devemos procurar aprender com as experiências dos outros e procurar recolher ensinamentos para não cometermos os mesmos erros. Mas devemos evoluir de acordo com a realidade de um Estado-Providência em crise, de um modelo social europeu que nasceu e se desenvolveu num contexto sócio-económico e geopolítico diferente e que por isso carece de ser reformado. O que não significa (nem deve significar) abandono puro e simples.
Isto tudo para dizer o seguinte: não me surpreende que o "Gestor" Dr. Manuel Delgado acredite nas vantagens de uma medida estruturante como a transformação dos HH em SA's. O que me surpreende, ou talvez não, é que em tão pouco tempo o "AH" Dr. MD tenha mudado de ideias. Seria interessante "postar" aqui algumas das suas declarações de há um ou dois anos, para vermos as diferenças. No entanto, e para evitar ser injusto, também tenho ideia de que o que o "AH" Dr. MD mais criticou não foi o modelo SA como tal mas a nomeação dos gestores (que lhe deviam ter merecido, penso, mais respeito). De resto alguns dos AH que eram contra os SA's, desde que foram nomeados por CC, passaram exactamente a ter um comportamento semelhante ao de MD (não serão é tão notados publicamente).
tonitosa

Caro tonitosa, gostei do seu comentário.
No entanto, parece-me que há ainda uma discussão por fazer neste país. A empresarialização, tout court. Sim, porque começámos por fazer uma coisa apenas por ser moda. Maria vai com as outras. Nunca houve um debate nem antes nem depois sobre as vantagens e os inconvenientes da empresarialização. Para quando este debate? Porque não começa-lo aqui?
1º- Empresarialização: o que deve entender-se por este conceito? Não vem no dicionário. O que significa: tornar empresa o que não é? Porque é que os hospitais SPA não são uma empresa. O que lhes falta, então? 2º O que recobre o termo: um hospital passa a ser uma empresa se assumir apenas a forma de empresa, basta tão só poder utilizar métodos e técnicas de gestão empresarial, ou terá de asumir ambas as características? Neste caso, um hospital SPA a que fosse dada a possibilidade de utilizar regras e técnicas de gestão empresarial passaria a ser um hospital empresarializado ou não?
2º- Confronto entre as vantagens da flexibilidade de gestão e os inconvenientes do enfraquecimento do interesse público;
3º- Haverá mesmo empresarialização dos hospitais ou tão só uma «fuga para o direito privado»? Onde está a autonomia de gestão dos hospitais, pedra angular de qualquer empresa?
4º- Pode a Administração Pública alguma vez deixar de o ser? Não será a ausência de administração pública, entendida no sentido maxweberiano do termo (a boa burocracia)típica dos países sem Estado, dos países do terceiro-mundo, causa principal da corrupção, da ausência de regras,dos compadrios, da decisão pela cor dos olhos e do cabelo. Não era Voltaire quem dizia que a forma era irmão gémea da liberdade (donde, a ausência de forma, de regras, de princípios de gestão, á luz dos quais nasceu a democracia e a liberdade, um perigo de retorno à idade das trevas?. Não deveríamos discutir estas questões à luz, também, das preocupações de Dahrendorf, quando, no seu livro A Quadratura do Círculo (edições 70), questiona como combinar a coesão social e liberdade política. «Desenvolvimento económico na liberdade política, mas sem coesão social, ou desenvolvimento económico e coesão social privados de liberdade política: será esta alternativa que as sociedades modernas terão de enfrentar?», pergunta ele)
5º- Porque não, discutir estas questões também à luz da literatura e dos relatos recentes que lá por fora tem vindo a ser publicados/feitos e nem todos a favor do hospital- empresa;
6º- Por último, porque não faze-lo também à luz dos dados, informações e estudos que têm vindo a ser publicados? Porque não fazer um estudo (pelo método Delphi?)junto dos actores mais informados dos hospitais empresarializados (administradores, médicos, enfermeiros, técnicos.
Faça-se um debate, porque o que temos vindo a fazer (todos, responsáveis do Ministério incluídos) não é nada. É puro amadorismo.
vivóporto