sábado, dezembro 03, 2005

Carta do MS ao amigo António

Sábado, Novembro 19
«Conversa de vez em quando, com os amigos cá de fora. Uma vez por semestre recorre ao transporte público para ouvir o povo. Anda a pé sempre que te for possível, pois tenderás a engordar com o “stress” e a boa comida. Cada vez que viajes ao interior procura ouvir o “país profundo”, mesmo que seja mediatizado por reuniões partidárias locais. Não guardes esse contacto com o povo apenas para as eleições» (da «Carta a Um Amigo que foi para o Governo», António Correia de Campos, “Público” Domingo, 1 de Julho de 2001)

Meu caro António,
Apesar dos bons e sensatos avisos que me fazes na tua carta, não me tem sido fácil, ir de encontro aos teus conselhos, em especial aquele que acima transcrevo que é de todos aquele onde mais tenho falhado. Não tenho andado a pé, nem de autocarro, viajo pouco pelo país profundo, o “stress” e a comida têm-me feito engordar (como podeS ir vendo na televisão) e dizer alguns disparates, evitáveis, disseste bem.
Esta semana então foi particularmente desastrosa, para mim, e para o Governo. Até o Público de hoje descasca em mim. Dizem eles «quis mostrar uma “vergonha nacional”, mas foi ele quem saiu envergonhado». E com alguma razão, tenho de reconhecer. Tenho que passar a ter um pouco mais de tento na língua, como se diz aí pelas tuas bandas.
Ah, Porto, Porto, que tantas dores de cabeça me tens dado. Porque é que eu não mudei a porcaria dos CAs do meu antecessor. Viste em plena campanha eleitoral o aproveitamento que os sacanas fizeram? Há uns tipos que me ficaram debaixo de olho. Não perdem pela demora!
Pelo que me tens dito – é pena que tenhas de o fazer através do Saúde SA, mas compreendo que não te tenho deixado outra alternativa – as coisas no teu hospital não andam bem. A Cármen não me diz isso e o Chico, que vai sabendo do contrário (e nele confio plenamente, como sabes), vai-me dizendo que a seu tempo – já falta pouco, a 31 de Dezembro - as coisas vão mudar.
Chego a pensar muitas vezes no que me dizias: «um gabinete de amizades, tende para a incompetência, é objecto de zombaria geral. O descrédito propaga-se mais depressa que a confiança». Temo que possa estar a dar-se o caso. Tenho de me pôr mais fino.
Mas então como é isso, do CA do teu hospital usar a lei para «favorecer os amigos, prejudicar os inimigos e aplicar aos outros»? Dizes tu que há gente aposentada a ganhar mundos e fundos, jovenzinhos recém licenciados sem qualquer experiência a ganhar acima de 3.000 euros por mês, imensos quadros nas prateleiras, administradores perseguidosl. Bem, bem bem… (exclamação de Ministro) em que país estamos? A ser verdade isso é grave e terei de pedir responsabilidades a quem as tiver. Ando eu para aqui convencido que estou a fazer poupanças e esses tipos andam estragar-me as contas?
Depois de 31 de Dezembro vou dar instruções aos novos CAs para mandarem fazer auditorias rigorosa à gestão dos CAs cessantes, em especial ao modo como foram feitas todas as admissões de pessoal, as aquisições de bens e serviços e aos investimentos realizados.
Um dia destes, quando menos esperares, vou aparecer de surpresa aí pelo teu hospital. Só não vou encapuçado, à calada da noite, como fazia um nosso rei, já não sei qual, porque ainda me arranjavam alguma estrangeirinha. Só se for no S. João, que achas? «Povão», «arraia-miúda», «país profundo», gosto destes chavões! Mas não, no S. João é muito tarde. Tem de ser antes. Talvez seja ainda antes do Natal. Se te vir por lá, fazes de conta que não me conheces. Como sabes, em público, Ministro não se pode dar a intimidades com os amigos. Especialmente com os amigos.
Tem fé, meu caro, aqui o F. não te vai desiludir. A não ser que eu próprio me desiluda. Neste caso, seguirei o teu conselho «Se estiveres globalmente frustrado, pede para sair. Farás um favor ao País, ao Primeiro-Ministro, à tua Família, a ti próprio».
Um abraço. E até breve.
António.

P.S. Não consigo ler o fim da tua carta, a partir de «Um nosso amigo comum, com grande experiência de liderança política, costuma dividir os amigos, quando vão para o Governo, entre os que mu….» (?!!). Gostava de perceber o que querias dizer, se não mo puderes repetir logo que esteja contigo, pergunta ao Mário quando ele passar aí pela Praça Humberto Delgado, talvez ele saiba.
Vivóporto