Cartel Hospitais
Os diabéticos portugueses tiveram que desembolsar mais 1,6 milhões de euros pela compra das tiras-reagentes de que precisam para fazer o autocontrolo dos seus níveis de glicose no sangue, como consequência do acordo de concertação ilegal de preços (cartelização) levado a cabo por cinco laboratórios, condenados anteontem pela Autoridade da Concorrência (AC). O cálculo é deste organismo público que vela pela livre concorrência.
A AC aplicou uma coima de 16 milhões de euros aos laboratórios Abbott, Menarini Diagnósticos, Johnson & Johnson, Bayer e Roche, decisão considerada "histórica" por ser "a coima mais elevada em termos históricos por contra-ordenação por ilícitos económicos", refere a porta-voz do organismo, Dalila Carvalho.
O processo envolve 36 concursos públicos, para fornecimento de tiras-reagentes a 22 hospitais de todo o país. A AC concluiu que as propostas de preços apresentadas registaram uma subida assinalável desde 2001 a 2003, período em que terá havido encontros entre os representantes das empresas.
Mas não foi só no sector hospitalar que a manipulação de preços causou danos. A investigação da AC apurou que as subidas de preços produzidas no sector hospitalar tiveram também como objectivo aumentar o seu preço de venda ao público, lê-se no seu comunicado.
É que entre 2001 e 2003 - altura da prática dos ilícitos - estava a ser negociado um protocolo entre o Estado e as empresas farmacêuticas, para a comercialização destas tiras ao público, que fazia a actualização de um outro que existia desde 1998.
O Estado concluiu em 2003 que fazia sentido, em termos de ganhos de saúde, beneficiar ainda mais o sistema de acesso de tiras-reagentes que permitem a autovigilância dos diabéticos.
O argumento utilizado (na Portaria nº 509-B/2003) é o de que, depois de analisada "a evolução dos episódios de internamentos hospitalares por descompensação diabética", verificou-se que, "após a melhoria de acessibilidade aos materiais de vigilância" em 1998, pela acção do protocolo, o número de internamentos desceu: de 2562 em 1999, para 2357 em 2000 e 12.161 em 2001.
Verificando-se que trazia benefícios na qualidade de vida dos diabéticos, o novo protocolo actualizou de preços destas tiras e decidiu facilitar ainda mais a sua aquisição, aumentando a sua comparticipação dos anteriores 75 por cento para 85 por cento.
O que acontece é que, para a revisão destes novos preços, o Ministério da Saúde teve em conta os preços de aquisição das tiras-reagentes praticado pelos hospitais, explica a porta-voz da AC. Ora a subida artificial dos preços no sector hospitalar - que foi resultado do conluio dos cinco laboratórios - serviu de referência para a fixação deste protocolo, que aumentou assim os preços de venda ao público, refere a porta-voz. O valor total sem comparticipação, para utentes do Sistema Nacional de Saúde, é de 24,31 euros por 50 tiras, refere a portaria.
É assim que, contas feitas, o maior prejudicado nem sequer foi o segmento hospital, onde "as práticas das empresas arguidas poderão ter causado danos económicos até 3,2 milhões de euros, em 2002 e 2003", lê-se na decisão da AC (disponível em www.autoridadedaconcorrencia.pt.
A fatia de leão dos danos económicos é consequência dos efeitos que esta manipulação ilegal de preços teve no protocolo de revisão de preços. Desde a entrada em vigor da portaria, a 30 de Junho de 2003, os contribuintes foram lesados até 10,4 milhões de euros; 15 por cento deste valor (a comparticipação das tiras passou a ser de 85 por cento) foi pago directamente pelos diabéticos que as adquiriam nas farmácias a um preço de venda ao público artificialmente inflacionado.
Assim, no espaço de dois anos os diabéticos tiveram que pagar mais cerca de 1,6 milhões de euros (os tais 15 por cento) pelas tiras de que precisam para evitar consequências para a saúde como a cegueira, insuficiências renais e até o coma.
O director clínico da Associação Portuguesa de Diabéticos de Portugal, José Manuel Boavida, reforça que este é um exame absolutamente necessário para melhorar a qualidade vida do doente. Um diabético de tipo 1 precisa de cinco a seis tiras por dia, um de tipo dois precisa de uma a duas tiras por semana. Em causa estão cerca de 500 mil diabéticos.
Só a Roche diz que paga multa
Conhecida a decisão da AC, as empresas apressaram-se a reagir. A Roche disse que vai pagar a multa de 1,32 milhões de euros. Mas ressalvou que "nunca teve conhecimento da situação", estando "em causa decisões individuais de um ex-colaborador".
Já a Bayer rejeitou ontem a decisão, por considerar que não houve qualquer "má prática" dos seus colaboradores. A empresa, que foi condenada a pagar uma multa de 5,2 milhões de euros, anunciou que está a ponderar interpor recurso.
A Abbott Laboratórios foi condenada à coima mais elevada, 6,8 milhões de euros,mas rejeitou, em comunicado, estar implicada na manipulação de preços. Os responsáveis do laboratório dizem que na investigação interna não descobriram qualquer prova de conluio "envolvendo a Abbott ou os seus empregados". "A Abbott está a analisar as opções legais." A Menarini Portugal também diz que "nada tem a ver com esta situação tornada pública".
A Johnson & Johnson, que vai ter que entregar 360 mil euros, diz que está a analisar a decisão, para decidir se apresenta recurso junto do Tribunal de Comércio, referiu o seu porta-voz, José Silveira da Cunha.
Em Janeiro, a Autoridade da Concorrência já tinha condenado estas mesmas cinco empresas ao pagamento de uma multa de 3,2 milhões de euros por práticas anticoncorrenciais no concurso público de Janeiro de 2003 para a compra de tiras-reagentes pelo Centro Hospitalar de Coimbra. Os recursos então apresentados pelas empresas estão a ser apreciados.
Catarina Gomes - Público on line
A AC aplicou uma coima de 16 milhões de euros aos laboratórios Abbott, Menarini Diagnósticos, Johnson & Johnson, Bayer e Roche, decisão considerada "histórica" por ser "a coima mais elevada em termos históricos por contra-ordenação por ilícitos económicos", refere a porta-voz do organismo, Dalila Carvalho.
O processo envolve 36 concursos públicos, para fornecimento de tiras-reagentes a 22 hospitais de todo o país. A AC concluiu que as propostas de preços apresentadas registaram uma subida assinalável desde 2001 a 2003, período em que terá havido encontros entre os representantes das empresas.
Mas não foi só no sector hospitalar que a manipulação de preços causou danos. A investigação da AC apurou que as subidas de preços produzidas no sector hospitalar tiveram também como objectivo aumentar o seu preço de venda ao público, lê-se no seu comunicado.
É que entre 2001 e 2003 - altura da prática dos ilícitos - estava a ser negociado um protocolo entre o Estado e as empresas farmacêuticas, para a comercialização destas tiras ao público, que fazia a actualização de um outro que existia desde 1998.
O Estado concluiu em 2003 que fazia sentido, em termos de ganhos de saúde, beneficiar ainda mais o sistema de acesso de tiras-reagentes que permitem a autovigilância dos diabéticos.
O argumento utilizado (na Portaria nº 509-B/2003) é o de que, depois de analisada "a evolução dos episódios de internamentos hospitalares por descompensação diabética", verificou-se que, "após a melhoria de acessibilidade aos materiais de vigilância" em 1998, pela acção do protocolo, o número de internamentos desceu: de 2562 em 1999, para 2357 em 2000 e 12.161 em 2001.
Verificando-se que trazia benefícios na qualidade de vida dos diabéticos, o novo protocolo actualizou de preços destas tiras e decidiu facilitar ainda mais a sua aquisição, aumentando a sua comparticipação dos anteriores 75 por cento para 85 por cento.
O que acontece é que, para a revisão destes novos preços, o Ministério da Saúde teve em conta os preços de aquisição das tiras-reagentes praticado pelos hospitais, explica a porta-voz da AC. Ora a subida artificial dos preços no sector hospitalar - que foi resultado do conluio dos cinco laboratórios - serviu de referência para a fixação deste protocolo, que aumentou assim os preços de venda ao público, refere a porta-voz. O valor total sem comparticipação, para utentes do Sistema Nacional de Saúde, é de 24,31 euros por 50 tiras, refere a portaria.
É assim que, contas feitas, o maior prejudicado nem sequer foi o segmento hospital, onde "as práticas das empresas arguidas poderão ter causado danos económicos até 3,2 milhões de euros, em 2002 e 2003", lê-se na decisão da AC (disponível em www.autoridadedaconcorrencia.pt.
A fatia de leão dos danos económicos é consequência dos efeitos que esta manipulação ilegal de preços teve no protocolo de revisão de preços. Desde a entrada em vigor da portaria, a 30 de Junho de 2003, os contribuintes foram lesados até 10,4 milhões de euros; 15 por cento deste valor (a comparticipação das tiras passou a ser de 85 por cento) foi pago directamente pelos diabéticos que as adquiriam nas farmácias a um preço de venda ao público artificialmente inflacionado.
Assim, no espaço de dois anos os diabéticos tiveram que pagar mais cerca de 1,6 milhões de euros (os tais 15 por cento) pelas tiras de que precisam para evitar consequências para a saúde como a cegueira, insuficiências renais e até o coma.
O director clínico da Associação Portuguesa de Diabéticos de Portugal, José Manuel Boavida, reforça que este é um exame absolutamente necessário para melhorar a qualidade vida do doente. Um diabético de tipo 1 precisa de cinco a seis tiras por dia, um de tipo dois precisa de uma a duas tiras por semana. Em causa estão cerca de 500 mil diabéticos.
Só a Roche diz que paga multa
Conhecida a decisão da AC, as empresas apressaram-se a reagir. A Roche disse que vai pagar a multa de 1,32 milhões de euros. Mas ressalvou que "nunca teve conhecimento da situação", estando "em causa decisões individuais de um ex-colaborador".
Já a Bayer rejeitou ontem a decisão, por considerar que não houve qualquer "má prática" dos seus colaboradores. A empresa, que foi condenada a pagar uma multa de 5,2 milhões de euros, anunciou que está a ponderar interpor recurso.
A Abbott Laboratórios foi condenada à coima mais elevada, 6,8 milhões de euros,mas rejeitou, em comunicado, estar implicada na manipulação de preços. Os responsáveis do laboratório dizem que na investigação interna não descobriram qualquer prova de conluio "envolvendo a Abbott ou os seus empregados". "A Abbott está a analisar as opções legais." A Menarini Portugal também diz que "nada tem a ver com esta situação tornada pública".
A Johnson & Johnson, que vai ter que entregar 360 mil euros, diz que está a analisar a decisão, para decidir se apresenta recurso junto do Tribunal de Comércio, referiu o seu porta-voz, José Silveira da Cunha.
Em Janeiro, a Autoridade da Concorrência já tinha condenado estas mesmas cinco empresas ao pagamento de uma multa de 3,2 milhões de euros por práticas anticoncorrenciais no concurso público de Janeiro de 2003 para a compra de tiras-reagentes pelo Centro Hospitalar de Coimbra. Os recursos então apresentados pelas empresas estão a ser apreciados.
Catarina Gomes - Público on line
Excelente trabalho, rigoroso, do melhor que temos lido.
Não conhecemos a jornalista. Deve ser linda, como excelente é o seu trabalho.
A importância das tiras-reagentes
A diabetes é uma doença incurável caracterizada pelo aumento dos níveis de açúcar (glicose) no sangue. Aparece quando o pâncreas não produz suficiente insulina ou o corpo não a consegue usar de forma eficaz. O uso de tiras-reagentes permite ao diabético - estima-se que existam entre 500 a 800 mil em Portugal - medir o seu nível de glicose e controlar a doença, prevenindo complicações de saúde como os acidentes vasculares cerebrais, o enfarte de miocárdio, a cegueira, entre outros.
O primeiro objectivo no tratamento do diabético é baixar a glicemia a níveis normais ou próximos do normal. O diabético utiliza este método de medição inserindo uma pequena quantidade de sangue (gota), obtida por picada na extremidade do dedo, sobre uma tira com um reagente. Embora esta determinação não seja tão rigorosa como uma análise sanguínea, é útil e permite avaliar o valor de glicose (por exemplo para orientação da dose de insulina a administrar).
A diabetes é uma doença incurável caracterizada pelo aumento dos níveis de açúcar (glicose) no sangue. Aparece quando o pâncreas não produz suficiente insulina ou o corpo não a consegue usar de forma eficaz. O uso de tiras-reagentes permite ao diabético - estima-se que existam entre 500 a 800 mil em Portugal - medir o seu nível de glicose e controlar a doença, prevenindo complicações de saúde como os acidentes vasculares cerebrais, o enfarte de miocárdio, a cegueira, entre outros.
O primeiro objectivo no tratamento do diabético é baixar a glicemia a níveis normais ou próximos do normal. O diabético utiliza este método de medição inserindo uma pequena quantidade de sangue (gota), obtida por picada na extremidade do dedo, sobre uma tira com um reagente. Embora esta determinação não seja tão rigorosa como uma análise sanguínea, é útil e permite avaliar o valor de glicose (por exemplo para orientação da dose de insulina a administrar).
Ordem dos Farmacêuticos quer mais fiscalização dos concursos públicos
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Aranda da Silva, defendeu ontem, em declarações à Lusa, que o desfecho deste processo deve levar a uma revisão do sistema de concursos públicos e a uma maior fiscalização. Na opinião do bastonário, é importante que a Autoridade da Concorrência intervenha de uma forma equilibrada e faça uma análise de todos os concursos públicos em todos os sectores e, "se houver prova de que há má pratica, a actuação deve ser eficaz".
O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Manuel Delgado, afirma que um maior cruzamento de informação sobre preços de aquisição de materiais médicos entre hospitais permitira evitar este tipo de situação. A Entidade Reguladora da Saúde poderia ter um papel na criação deste circuito informativo, nota. Ao mesmo tempo, defende que os hospitais devem tentar fazer mais uso do seu poder negocial dos preços.
O secretário de Estado da Saúde, Francisco Ramos, disse à Lusa que a acção da Autoridade da Concorrência provou com esta penalização que "estes processos estão a ser fiscalizados".
Em comunicado, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) reagiu à condenação, dizendo que "o respeito escrupuloso das leis de mercado é a regra de acção dos laboratórios, não se podendo confundir um caso com a generalidade das empresas". C.G.
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Aranda da Silva, defendeu ontem, em declarações à Lusa, que o desfecho deste processo deve levar a uma revisão do sistema de concursos públicos e a uma maior fiscalização. Na opinião do bastonário, é importante que a Autoridade da Concorrência intervenha de uma forma equilibrada e faça uma análise de todos os concursos públicos em todos os sectores e, "se houver prova de que há má pratica, a actuação deve ser eficaz".
O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Manuel Delgado, afirma que um maior cruzamento de informação sobre preços de aquisição de materiais médicos entre hospitais permitira evitar este tipo de situação. A Entidade Reguladora da Saúde poderia ter um papel na criação deste circuito informativo, nota. Ao mesmo tempo, defende que os hospitais devem tentar fazer mais uso do seu poder negocial dos preços.
O secretário de Estado da Saúde, Francisco Ramos, disse à Lusa que a acção da Autoridade da Concorrência provou com esta penalização que "estes processos estão a ser fiscalizados".
Em comunicado, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) reagiu à condenação, dizendo que "o respeito escrupuloso das leis de mercado é a regra de acção dos laboratórios, não se podendo confundir um caso com a generalidade das empresas". C.G.
Cambão O que é?
Cartel ou cambão são conceitos que se podem confundir, mas não deixam dúvidas. É o que as empresas fazem quando combinam preços entre si para levar a concurso, por exemplo, sendo sempre mais altos do que o mercado de concorrência efectiva determinaria. Cartel tem sido uma designação mais aplicada à concertação de preços junto do consumidor final, acusação de que as gasolineiras têm sido alvo. O cambão é crime económico e, embora não seja punível com pena de prisão, dá direito a coimas elevadas. Num país que se habituou a conviver com estas práticas, a reprovação social e a sua condenação são fenómenos lentos e emergentes.
As entidades reguladoras dos vários países dão vários conselhos para detectar o cambão e denunciá-lo, antes que atinja os seus objectivos. É das entidades adjudicantes que esperam a maior colaboração, mas é também muitas vezes dentro destas que se encontram os agentes das redes de conluio de preços.
Indícios a ter em atenção são vários. Por exemplo, quando um concurso recebe propostas com preços muito superiores ao previsto. Ou se houver empresas fornecedoras que não concorrem ou desistem a meio, muitas vezes porque recebem para isso - é o chamado "mercado capturado". Se duas ou mais propostas tiverem preços iguais, se apenas uma empresa propuser preços baixos, se se verificar uma rotatividade de adjudicações ou de repartição de mercados geográficos, então são casos passíveis de denúncia.
Em contrapartida, a administração pública tem sido aconselhada a evitar licitações públicas com adjudicação obrigatória e especificações genéricas, por fragilizarem o interesse público, ao mesmo tempo que deve solicitar informação sobre os subcontratantes das empresas candidatas. Os "cartelizados" costumam cometer também erros clássicos, segundo os manuais: diferentes propostas com os mesmos erros de cálculo e de ortografia, propostas com a mesma numeração, envelopes iguais ou entregues pessoalmente e ainda uma grande diferença entre a proposta mais cara e a mais barata. L.F.
Cartel ou cambão são conceitos que se podem confundir, mas não deixam dúvidas. É o que as empresas fazem quando combinam preços entre si para levar a concurso, por exemplo, sendo sempre mais altos do que o mercado de concorrência efectiva determinaria. Cartel tem sido uma designação mais aplicada à concertação de preços junto do consumidor final, acusação de que as gasolineiras têm sido alvo. O cambão é crime económico e, embora não seja punível com pena de prisão, dá direito a coimas elevadas. Num país que se habituou a conviver com estas práticas, a reprovação social e a sua condenação são fenómenos lentos e emergentes.
As entidades reguladoras dos vários países dão vários conselhos para detectar o cambão e denunciá-lo, antes que atinja os seus objectivos. É das entidades adjudicantes que esperam a maior colaboração, mas é também muitas vezes dentro destas que se encontram os agentes das redes de conluio de preços.
Indícios a ter em atenção são vários. Por exemplo, quando um concurso recebe propostas com preços muito superiores ao previsto. Ou se houver empresas fornecedoras que não concorrem ou desistem a meio, muitas vezes porque recebem para isso - é o chamado "mercado capturado". Se duas ou mais propostas tiverem preços iguais, se apenas uma empresa propuser preços baixos, se se verificar uma rotatividade de adjudicações ou de repartição de mercados geográficos, então são casos passíveis de denúncia.
Em contrapartida, a administração pública tem sido aconselhada a evitar licitações públicas com adjudicação obrigatória e especificações genéricas, por fragilizarem o interesse público, ao mesmo tempo que deve solicitar informação sobre os subcontratantes das empresas candidatas. Os "cartelizados" costumam cometer também erros clássicos, segundo os manuais: diferentes propostas com os mesmos erros de cálculo e de ortografia, propostas com a mesma numeração, envelopes iguais ou entregues pessoalmente e ainda uma grande diferença entre a proposta mais cara e a mais barata. L.F.
Sector da construção na mira da Autoridade da Concorrência
Lurdes Ferreira
O combate aos cartéis já fez descer em 30 por cento os preços apresentados pelas empresas
O sector da construção pode ser o próximo a ser alvo de condenação por parte da Autoridade da Concorrência, depois de dois processos já instaurados desde o início do ano a empresas farmacêuticas, o último dos quais conhecido ontem. A prática de cartel entre as empresas de construção civil e obras públicas é comum a nível internacional e está entre os sectores sob investigação pela entidade reguladora presidida por Abel Mateus, que anunciou há meses que 2005 e 2006 seriam anos de combate aos cartéis.
Com uma actividade que tem sido sobretudo visível nas operações de concentração empresarial e de concertação de preços entre as empresas petrolíferas no retalho nacional, a Autoridade da Concorrência concluiu o segundo de vários processos prometidos contra o conluio de preços entre as empresas participantes (ou não) em concursos públicos.
Estes são processos prioritários para a entidade reguladora. São os que causam maiores prejuízos às economias nacionais, sendo também os mais difíceis de investigar, pela escassez de provas inerentes ao conluio. Nos EUA, país onde os crimes de anticoncorrência dão direito a prisão, apenas 13 por cento dos casos detectados são provados. Na investigação que deu origem à condenação ora anunciada, foram feitas 22 buscas às empresas para encontrar provas.
O primeiro resultado visível do combate aos cartéis em Portugal está no facto de os preços propostos pelas farmacêuticas para a venda de tiras-reagente para medição de glicose no sangue - no centro das investigações em ambos os processos, terem baixado cerca de 30 por cento desde 2003, altura em que as investigações anti-cartel foram desencadeadas, com base numa queixa do Centro Hospitalar de Coimbra. A descida ritmada de preços indicia, porém, que a concertação, ainda que menor, se mantém.
Triplo prejuízo
No caso das tiras-reagentes, usadas pelos diabéticos, o prejuízo económico é triplo. Não só os hospitais gastam mais dinheiro, através dos contribuintes, como os próprios consumidores também pagam mais, já que os preços praticados aos hospitais valem como referência para o mercado de retalho.
A maior parte dos estudos internacionais estima que os preços nos mercados mais transparentes são 15 por cento, em média, mais caros em concursos em que há cartel, um sobrecusto pode chegar a 50 por cento. Calculam também que, entre os países da OCDE, o impacto dos concluios de preço nos concursos de obras públicas representa 13,5 por cento do respectivo Produto Interno Bruto e quatro por cento no sector dos serviços.
Para reforçar os meios de investigação, a Autoridade da Concorrência tem defendido a criação do estatuto de clemência, para as entidades que denunciem o cambão, e a criminalização, com pena de prisão - duas iniciativas legislativas que têm, no entanto, de partir do Governo.
Um dos maiores processos anticartel, a nível europeu, decorre na Holanda, onde 170 empresas de construção se encontram sob investigação, depois de terem sido detectados 400 casos de conluio de preços. O Governo de Haia condiciona agora a adjudicação de novas empreitadas às empresas envolvidas, à sua colaboração com as autoridades. Para limparem o cadastro, as empresas têm de "confessar" aos reguladores da concorrência os casos que conhecem.
A dimensão da prática entre as empresas e a dificuldade no seu apuramento levou a OCDE a fazer uma lista de indicadores que os adjudicantes devem ter presente quando abrem concursos, para detectar cartéis; o processo começa quase sempre por uma denúncia.
Um dos processos de desmantelamento de cartel mais conhecidos nos EUA, há alguns anos, teve o nome de código "Blue Moon" e envolvia empresas do sector eléctrico. As investigações oficiais esbarraram na falta de provas, até que, com o contributo das investigações de um jornalista, se concluiu que as empresas concertavam concursos e preços através da mudança de lua.
Lurdes Ferreira
O combate aos cartéis já fez descer em 30 por cento os preços apresentados pelas empresas
O sector da construção pode ser o próximo a ser alvo de condenação por parte da Autoridade da Concorrência, depois de dois processos já instaurados desde o início do ano a empresas farmacêuticas, o último dos quais conhecido ontem. A prática de cartel entre as empresas de construção civil e obras públicas é comum a nível internacional e está entre os sectores sob investigação pela entidade reguladora presidida por Abel Mateus, que anunciou há meses que 2005 e 2006 seriam anos de combate aos cartéis.
Com uma actividade que tem sido sobretudo visível nas operações de concentração empresarial e de concertação de preços entre as empresas petrolíferas no retalho nacional, a Autoridade da Concorrência concluiu o segundo de vários processos prometidos contra o conluio de preços entre as empresas participantes (ou não) em concursos públicos.
Estes são processos prioritários para a entidade reguladora. São os que causam maiores prejuízos às economias nacionais, sendo também os mais difíceis de investigar, pela escassez de provas inerentes ao conluio. Nos EUA, país onde os crimes de anticoncorrência dão direito a prisão, apenas 13 por cento dos casos detectados são provados. Na investigação que deu origem à condenação ora anunciada, foram feitas 22 buscas às empresas para encontrar provas.
O primeiro resultado visível do combate aos cartéis em Portugal está no facto de os preços propostos pelas farmacêuticas para a venda de tiras-reagente para medição de glicose no sangue - no centro das investigações em ambos os processos, terem baixado cerca de 30 por cento desde 2003, altura em que as investigações anti-cartel foram desencadeadas, com base numa queixa do Centro Hospitalar de Coimbra. A descida ritmada de preços indicia, porém, que a concertação, ainda que menor, se mantém.
Triplo prejuízo
No caso das tiras-reagentes, usadas pelos diabéticos, o prejuízo económico é triplo. Não só os hospitais gastam mais dinheiro, através dos contribuintes, como os próprios consumidores também pagam mais, já que os preços praticados aos hospitais valem como referência para o mercado de retalho.
A maior parte dos estudos internacionais estima que os preços nos mercados mais transparentes são 15 por cento, em média, mais caros em concursos em que há cartel, um sobrecusto pode chegar a 50 por cento. Calculam também que, entre os países da OCDE, o impacto dos concluios de preço nos concursos de obras públicas representa 13,5 por cento do respectivo Produto Interno Bruto e quatro por cento no sector dos serviços.
Para reforçar os meios de investigação, a Autoridade da Concorrência tem defendido a criação do estatuto de clemência, para as entidades que denunciem o cambão, e a criminalização, com pena de prisão - duas iniciativas legislativas que têm, no entanto, de partir do Governo.
Um dos maiores processos anticartel, a nível europeu, decorre na Holanda, onde 170 empresas de construção se encontram sob investigação, depois de terem sido detectados 400 casos de conluio de preços. O Governo de Haia condiciona agora a adjudicação de novas empreitadas às empresas envolvidas, à sua colaboração com as autoridades. Para limparem o cadastro, as empresas têm de "confessar" aos reguladores da concorrência os casos que conhecem.
A dimensão da prática entre as empresas e a dificuldade no seu apuramento levou a OCDE a fazer uma lista de indicadores que os adjudicantes devem ter presente quando abrem concursos, para detectar cartéis; o processo começa quase sempre por uma denúncia.
Um dos processos de desmantelamento de cartel mais conhecidos nos EUA, há alguns anos, teve o nome de código "Blue Moon" e envolvia empresas do sector eléctrico. As investigações oficiais esbarraram na falta de provas, até que, com o contributo das investigações de um jornalista, se concluiu que as empresas concertavam concursos e preços através da mudança de lua.
Dossier Público on line 15.10.05
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